POR: ANA CRISTINA GUIMARÃES (MÉDICA DERMATOLOGISTA) - ana_cmb@hotmail.com
Na medicina, isto se traduz em aparelhos novos de ultrassons, ressonâncias, robôs que fazem cirurgias, lasers para todos os tipos de doenças e tratamentos. Quanto mais luzinhas piscando, LEDS e computadores, melhor! Quanto mais exames pedirmos, inclusive aqueles “novos”, realizados somente em laboratórios ultramodernos, melhor o médico. Somos a geração fascinada por “Jornada nas Estrelas“ ou “Guerra na Estrelas”. (Não digo isto como uma crítica, apenas como uma constatação da realidade. Em meu consultório tenho diversos aparelhos de laser com luzinhas piscando e minha sala já foi comparada por um paciente com a sala de comando da Star Trek. Além disso, meu filho mais velho se chama Luca e eu não canso de chamá-lo de Luke Skywalker).
(Exemplo: um paulistano que demora 1 hora ou mais no trânsito de São Paulo, respirando nosso ar maravilhosamente poluído com certeza absoluta tem maior probabilidade de sofrer de algum problema cardíaco, a não ser que tenha sido um monge zen em outra vida! Tratamento preconizado básico: dieta e medicamentos anti-hipertensivos. Mas por que não também uma aula de kung- fu, massagem ayurvédica, ou finais de semana nas montanhas...).
Dentro do conceito de humanização, orientações como estas são tão ou mais valiosas do que os medicamentos. Infelizmente, muitos pacientes quando ouvem estas orientações me olham meio de lado, mesmo quando friso de que elas são a parte mais importante da receita! Não há como culpá-los, pois a nossa sociedade deixou de lado a importância do aprender a viver bem, a conduta essencial para a manutenção da saúde.
Termino com esta reflexão profética de Nietzsche:
“Por fim, o que restava sacrificar (a Deus). Não se deveria sacrificar de uma vez tudo que é consolador, santo, curativo, toda a esperança, toda a fé em uma harmonia oculta, em bem aventuranças e justiças futuras? Não se deveria sacrificar o próprio deus e, por crueldade contra si, adorar a pedra, a estupidez, a gravidade, o destino, o nada? Sacrificar Deus ao nada- esse mistério paradoxal da crueldade extrema permanece reservado para a geração que agora surge: todos nós já conhecemos algo disto."
O homem atual é hipnotizado pela tecnologia e
seus aparatos que se renovam a cada seis meses, tais como crianças com um
brinquedo novo.
A tecnologia trouxe grandes avanços
inegavelmente, mas produziu um afastamento dos valores antigos. O
“conhecimento”, a quantidade de informações acumuladas substituiu a
“sabedoria”, prezada como valor maior desde a Grécia antiga até épocas não tão
distantes (provavelmente a de nossos avôs).
O “Ser” é gradualmente substituído pelo “Ter”.
Na medicina, isto se traduz em aparelhos novos de ultrassons, ressonâncias, robôs que fazem cirurgias, lasers para todos os tipos de doenças e tratamentos. Quanto mais luzinhas piscando, LEDS e computadores, melhor! Quanto mais exames pedirmos, inclusive aqueles “novos”, realizados somente em laboratórios ultramodernos, melhor o médico. Somos a geração fascinada por “Jornada nas Estrelas“ ou “Guerra na Estrelas”. (Não digo isto como uma crítica, apenas como uma constatação da realidade. Em meu consultório tenho diversos aparelhos de laser com luzinhas piscando e minha sala já foi comparada por um paciente com a sala de comando da Star Trek. Além disso, meu filho mais velho se chama Luca e eu não canso de chamá-lo de Luke Skywalker).
A medicina ocidental da atualidade se baseia
quase que exclusivamente na tecnologia e no chamado método científico. O médico
atual deve saber tudo sobre bioquímica, genética, reações celulares, vírus, novos
exames e medicamentos. Tem valor apenas o objetivo, o que pode ser encontrado
no exame clínico ou pode ser medido nos exames laboratoriais. A verdade só é
considerada após uma série de experiências científicas que a comprovem
detalhadamente.
As
palavras “alma”, ”espírito humano” e ”humanidades” passam longe do vocabulário científico.
O ser humano passou a ser considerado um aglomerado de células formado
evolutivamente pela lei da seleção natural e nossa alma ou espírito ou self (como
queiram chamar) um subproduto do cérebro. A mente seria apenas derivada do
funcionamento de nossas células cerebrais (neurônios). Esta é a visão
materialista científica da nossa medicina atual e infelizmente, alguns médicos
e neurocientistas concordam com ela.
Mas desde a formação de nossa sociedade
ocidental, influenciada pela cultura grega, o homem era visto como um ser único
e especial, formado por corpo e espírito e esta visão integral se aplicava
também a doença e as artes curativas da sociedade. Não era a toa de que muitos
médicos também eram filósofos, assim como o pai da medicina ocidental, Hipócrates.
Esta visão integral do homem foi gradualmente
sendo substituída pela visão cientifica. Como a medicina da atualidade passou a
ser materialista e tecnológica, quase que exclusivamente? Só podemos entender
isto se analisarmos também outros aspectos da sociedade contemporânea. Assim,
também em nossa sociedade tem valor apenas o objetivo, mensurável, o que pode
ser visto.
Podemos considerar brevemente que as bases
ocidentais da ciência moderna são influenciadas por Descartes, médico e
filósofo (1596-1650). Seu método dedutivo reservava um grande valor a
experimentação. - “Penso, logo existo”. Além disso, descobertas das ciências
naturais colocaram em cheque verdades dogmáticas da Igreja Católica. Cada vez
mais se dava importância à razão e ao intelecto. Como consequência, o ser humano, ser único, especial,
feito - a imagem e semelhança de Deus- passou a ser encarado como um
triste acidente evolucionista da natureza.
A
figura acima representa de maneira magnífica todo o significado dado ao homem.
Representa a simetria matemática das proporções, mas também tem correlações
metafísicas, dentre elas muitas da filosofia hermética. Basta uma pesquisa
rápida na net para nos maravilharmos com tudo que esta obra nos mostra.
Como em poucos anos nós deixamos de ser homens vitruvianos para nos tornarmos máquinas
biológicas...
Robocop |
Este
é o Robocop, acho que só quem tem mais de 40 anos conhece...
Este
filme foi um blockbuster na minha adolescência. Era HORRÍVEL, aos que não viram
não se desesperem.
Nas escolas e universidades, até o início do
século XX, era ensinada uma visão humanística. O que seria isto? Independente
de sua escolha de carreira, físico, historiador, advogado ou médico, entre
outras profissões, ensinava-se e discutia-se filosofia, história, artes,
política, leis, religião e literatura. A formação do ser humano era considerada
de uma forma integral. O homem era fruto de seu meio, da natureza, família e
nível sócio cultural. Tanto na família como nas universidades havia a preocupação
de incutir valores morais além de todo o conhecimento especifico de cada área.
Entretanto, nas ultimas décadas, estes saberes
valiosos considerados extremamente importantes para a educação e formação do
ser humano tem se relegado ao papel secundário de “cultura geral”. Nas escolas,
a preocupação principal - passar no vestibular - e depois nas universidades, aulas
destes assuntos são consideradas por alguns como matérias para descanso.
Transferindo esta breve reflexão para a área
da saúde observamos que conceitos como doenças,
saúde, cura e corpo são trabalhados
de um ponto de vista exclusivamente materialista e reducionista, biológico. Considera-se
real apenas o material, mensurável. Ocorreu na medicina um afastamento entre o
espiritual e o físico. Os problemas mentais foram relegados as especialidades
de psiquiatria e psicologia. Aulas de ética, filosofia e história da medicina
perderam espaço para matérias tais como anatomia, bioquímica e genética, por
exemplo.
Como consequência, estamos enfrentando um
período em que ocorre uma perda do significado da arte médica, que deveria ser a arte de cuidar, não de curar. A
famosa relação médico paciente foi substituída por pedidos de exames e prescrição
de medicamentos. A arte de ouvir um paciente, praticamente eliminada.
Entretanto, apesar de tantas novidades
tecnológicas, após alguns anos de atendimento, nós médicos sentimos claramente
a limitação de tudo isto. A medicina ocidental avança até um ponto e depois
para. Em muitas doenças encontramos um limite, uma barreira na qual todos os
tratamentos tradicionais conhecidos não atuam.
Deixo
então algumas questões para reflexão:
- Como poderíamos ultrapassar esta
barreira e nos tornar mais úteis, ajudar mais a nossos pacientes? Que
instrumentos a mais poderíamos utilizar além de todo o conhecimento cientifico
e as novas tecnologias? Seria a ciência a única resposta? Estudos
antigos como filosofia, história, literatura, religião e espiritualidade não
poderiam contribuir para a formação de uma nova ciência, mais completa e
integral?
- Como esta perda de valores e saberes
antigos interfere em nosso cotidiano? Em minha opinião, constatando a onda
de violência e degradação moral em vários setores de nossa sociedade, a perda
do afeto das relações familiares e pessoais mais próximas, principalmente no
trabalho.
Os profissionais da saúde precisam rever os
conceitos e paradigmas que impregnam a medicina atual. A visão do ser humano
deve voltar a se tornar integral. O médico deve voltar a se importar com o
contexto de vida no qual os pacientes estão inseridos. Sabermos sobre o estado
da “alma” ou “espírito” de um paciente é tão ou mais importante do que sabermos
sobre seus exames laboratoriais. Quem é este paciente? Conhecermos sua situação
familiar, a quantidade de horas trabalhadas e suas relações no trabalho e na
família são de extremo valor. Assim também como seus conceitos religiosos e
culturais. Perguntarmos sobre o início de um sintoma ou doença e em qual
contexto de vida ele aconteceu. Sabermos como um paciente encara sua doença e quais
mudanças que ela ocasionou em sua vida. Perguntas antigas feita por nossos
colegas de algumas décadas atrás e que estavam esquecidas e adormecidas.
Também é importante aumentar o nível de
consciência de nossos pacientes. Ajudá-los a entender o contexto sócio cultural em que vivem, e que as
doenças são causadas não só por bactérias, vírus ou carboidratos, mas também
por fatores econômicos, psicológicos e sociais.
(Exemplo: um paulistano que demora 1 hora ou mais no trânsito de São Paulo, respirando nosso ar maravilhosamente poluído com certeza absoluta tem maior probabilidade de sofrer de algum problema cardíaco, a não ser que tenha sido um monge zen em outra vida! Tratamento preconizado básico: dieta e medicamentos anti-hipertensivos. Mas por que não também uma aula de kung- fu, massagem ayurvédica, ou finais de semana nas montanhas...).
Dentro do conceito de humanização, orientações como estas são tão ou mais valiosas do que os medicamentos. Infelizmente, muitos pacientes quando ouvem estas orientações me olham meio de lado, mesmo quando friso de que elas são a parte mais importante da receita! Não há como culpá-los, pois a nossa sociedade deixou de lado a importância do aprender a viver bem, a conduta essencial para a manutenção da saúde.
Precisamos refletir se a nossa concepção
materialista, consumista e desumanizada atual esta servindo para melhorar ou
piorar nossa qualidade de vida e esta capacidade de bem viver.
Termino com esta reflexão profética de Nietzsche:
“Por fim, o que restava sacrificar (a Deus). Não se deveria sacrificar de uma vez tudo que é consolador, santo, curativo, toda a esperança, toda a fé em uma harmonia oculta, em bem aventuranças e justiças futuras? Não se deveria sacrificar o próprio deus e, por crueldade contra si, adorar a pedra, a estupidez, a gravidade, o destino, o nada? Sacrificar Deus ao nada- esse mistério paradoxal da crueldade extrema permanece reservado para a geração que agora surge: todos nós já conhecemos algo disto."
Preciosa a sua fala, Dra. Ana. Leciono Tanatologia e Cuidados Paliativos para futuros médicos, numa Faculdade de Medicina, e copiei o seu texto para levá-lo aos alunos.
ResponderExcluirParabéns e obrigada.
Bom dia Ana, texto muito atual e importante na sociedade na qual vivemos. Na minha opiniao, a medicina ocidental é o reflexo da maneira de viver ocidental, cada vez mais rapido, mais coisas au detrimento da qualidade de vida. Recentemente lendo uma revista de filosofia, o editor denunciava os filosofos atuais que estao sempre dando entrevistas, publicando livros e artigos e nao mais filosofando. No mesmo texto, ele falou do metodo de Descartes. O filosofo passava horas na cama e dividia o seu tempo de reflexao entre questoes quotidianas, questoes intelectuais e questoes metafisicas. O verdadeiro luxo dos dias atuais é dispor de tempo para pensar, contemplar. Abraço, Shirley
ResponderExcluirBoa noite Dra Ana.
ResponderExcluirAlguns anos atrás, tive o privilégio de assistir um encontro de vários médicos expondo o atendimento de um paciente (em vídeo). O paciente era idoso, e perdeu a vontade de estar ativo na vida cotidiana, apresentou-se mal cuidado, com respostas curtas e evasivas. O médico além de atende-lo , deu atenção e ouviu seu paciente, na terceira consulta o paciente já estava de volta a vida cotidiana com grande disposição. Há não foi pedido nenhum exame. Mas sei, que dentro da realidade médica e de grande parte dos pacientes esse procedimento é questionado.
Infelizmente o homem busca explicação para tudo, e quando não encontra nega. Somos parte do universo, o universo está dentro de nós, mas o homem ainda não valoriza a essência, e acaba sendo escravo da sua própria "criação".
Também não sou contra a tecnologia, o progresso, mas para tudo existe limites. Para os sábios O ter nunca vai superar o ser. Mas para os menos esclarecidos o vazio vai ser o objetivo principal.