domingo, 19 de julho de 2015

POR UM POUCO MAIS DE ÓCIO E MENOS DE NEGÓCIO



Um olhar ao ócio

Mais tempo de trabalho é sinônimo de maiores ganhos? Com este questionamento inocente, se inicia o capítulo sobre “Ócio, Consciência e Saúde” no livro Saúde é Consciência...

A mentalidade atual é profundamente trabalhista, de modo que elogiar o ócio é reprender o modelo atual que insiste em negar o ócio ou de modo mais incisivo afirmar e propagar o neg-ócio. De fato, estresse e diminuição do tempo livre caminham lado a lado. Trabalhar com moderação gera ganho relativo superior assim como maior potencial de realização e felicidade vivenciada. É fundamental o tempo de saborear as conquistas, caso contrário elas se transformam em degraus para o abismo do nada ou apenas outra forma de vício já encontrado entre aquelas pessoas que não conseguem relaxar, pois viciaram em trabalho.


Para o observador atento e de humor sensível, fique a máxima: “Quem mexe com gestão geralmente sofre de indigestão”; ora, basta respeitosamente e de soslaio observar o diâmetro abdominal dos gestores e afeitos para melhor compreensão. Fato a se lamentar, pois quando o gestor, especialmente os do tipo CEO entram no cio, só resta a seus súditos correrem com as mãos na cabeça... Diz o poeta sobre esse anareta: “Se houver filantropia, aí que a misantropia, com sua miopia, lê pilantropia. Sobra então só a questão: cadê o meu filão? ”.

“Não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear as coisas internamente” (Inácio de Loyola).


Fonte geradora de estresse social, à semelhança do trator que arrasta a terra por onde passa, o viciado em tripalium arrasta e impõe seu comportamento, gerando perturbação nos que por ignorância se aproximaram deste ser em processo temporário de desequilíbrio interior.

Domenico Demasi se dedicou ao estudo do ócio e seus efeitos na manutenção da saúde e ainda como ferramenta de estímulo ao potencial criativo.


Josef Pieper descreve o demônio de três faces que os defensores do ócio têm a enfrentar: a supervalorização da atividade em geral, a incapacidade de aceitar que simplesmente aconteça algo e a inaptidão em receber e admitir suceder algo consigo mesmo. Para o autor, o ócio (skholé) é uma atitude de celebração e celebrar significa o contrário de esforço. Quem desconfia categoricamente da facilidade é tanto incapaz do ócio como de celebrar uma festa. Quando esse desconfiado celebra é alcoolizado e, portanto antes se alienando que propriamente celebrando. Celebrar sugere consciência apolínea (Solar), já alcoolizar, sua contraparte dionisíaca (Marciana).

Existem várias situações evitáveis, ciladas que conduzem ao empobrecimento, consequentes a contextos relativos a tempo perdido. Abundam ainda os que pensam riqueza como posses materiais! Não percebem rico ser aquele com tempo e milionário aquele cujo tempo transcorre com liberdade e qualidade. (veja o pescador e o empresário: http://o-grande-nada.blogspot.com/2006/11/histria-do-pescador_18.html). É nesse espaço de liberdade temporal que a saúde germina enquanto a vida ganha em significado, sentido e plenitude.

O termo felicidade interna bruta (FIB), criado pelo rei do Butão em 1972 é outro exemplo perfeito disso. Em contrapartida aos modelos convencionais baseados no crescimento econômico, o conceito se sustenta no princípio do simultâneo desenvolvimento espiritual e material de uma nação, sendo seus fundamentos:

1-      Promoção de um desenvolvimento socioeconômico sustentável e igualitário

2-      Preservação e promoção dos valores culturais

3-      Conservação do meio-ambiente natural

4-      Estabelecimento de uma boa governança.

A falta de tempo, fundamento da pobreza, é o principal fator responsável pelas situações conhecidas como “doenças do mundo moderno”. Se um dia a corrente e a chibata foram sinônimos de escravidão, hoje o relógio cumpre papel social semelhante, silenciosa e metodicamente. Esse tema abordado de forma genial em “Momo e o Senhor do Tempo” de Michael Ende, desperta o olhar para o óbvio e fundamental no momento presente. O livro conta sobre uma menina abandonada que todos queriam ajudar, mas acabavam ajudados por ela que possuía algo raro entre seus vizinhos. Esse algo, nada mais que tempo livre, ela usava para escutar as pessoas, que se curavam na medida em que eram escutadas.

Ser escutado e poder falar de si próprio com alguém que se importa, constituem a base de várias linhas terapêuticas. Além disso, quando alguém fala de si ao mesmo tempo pode se escutar e promover mudanças com base nesse movimento. Falar traz para fora a realidade interior desorganizada favorecendo melhor compreensão e reorganização daquele que se expressa.

O distanciamento do mundo interior é importante fator gerador de desintegração, visto desviar a atenção para assuntos relativos à vida alheia. Falar do outro em sua ausência é lugar humano comum e gera esvaziamento interior com consequente repercussão negativa sobre a saúde dos praticantes. As atitudes de bisbilhotar e especular são becos sem saída decorrentes de um modelo social baseado na comparação e na competição. Cooperação eu?

É comum que a imagem de pessoas famosas seja associada a produtos e lugares, estimulando aqueles que as têm como referencial de conduta ou de beleza a imitarem seu comportamento. Em uma população com desnível social e educacional grandes, isso bloqueia o desenvolvimento da autoestima saudável, base do sucesso social. Eu preciso desse chinelo assinado ou com a foto de fulano, o triplo do que vale de fato? A questão financeira é importante em nosso meio e orientar os menos favorecidos é crucial na prevenção de situações relacionadas à desintegração familiar e à escravidão das prestações e dos juros. É preciso aprender a expandir o conceito de saúde além do pessoal, englobando os níveis familiar, social e econômico ao primeiro. Uma população socialmente desnivelada é geradora de doenças que repercutem sobre os próprios idealizadores. Seu carro é blindado?


Sobre ócio – Ricardo Leme – UOL



A bexiga nova oferece uma resistência grande quando o ar é assoprado em seu interior na primeira tentativa. Observe-se que após a primeira enchida, quando esvaziada, a bexiga nunca mais volta ao seu tamanho inicial, fica mais dilatada. A consciência funciona de forma semelhante, nunca mais volta ao seu tamanho inicial uma vez desperta. A transformação pessoal promovida por informações de qualidade é fundamental para o buscador da saúde, e ocorre de forma quase imperceptível. A sabedoria popular sugere que usemos o passado como trampolim e não como sofá. A rigidez de pensamento e a dificuldade de adaptação são diretamente relacionados à maior predisposição para adoecer. A vida é transformação contínua e mesmo as doenças devem ser vistas sob perspectiva mais positiva e integrativa.

É comum que a doença se apresente como grande oportunidade da pessoa rever uma atitude que não conseguiu mudar de outro modo, pois se sentia confortável vivendo daquele modo. Assim, repensemos se a doença deve ser combatida ou compreendida e vivenciada da forma mais plena possível. Se um dia você adoecer, espero que não, faça a pergunta: por que eu quero recuperar a saúde? Caso a resposta seja para voltar a viver a vida como vinha vivendo, preocupe-se... A doença é convite a repensar o viver, aproveite-o! As situações de estresse e doença são como sinalizadores que se compreendidos e incorporados podem promover uma recuperação mais natural e produtiva para a vida de cada pessoa.

Um pouco mais de ócio e um pouco menos de negócio e logo você compreenderá o que estou a falar...

quarta-feira, 8 de julho de 2015

CAUSA E EFEITO – TOLSTÓI



ASSARHADON, REI DA ASSÍRIA
Uma das tentativas de Tolstoi de fazer que se veja, através de uma parábola, que a diversidade é, apenas, aparente; que a realidade é a unicidade.
Assarhadon, rei da Assíria, conquistou o reino do rei Lahilié. Destruiu todas as cidades, levou todos os habitantes para a Assíria, mandou matar os guerreiros, e prendeu o rei numa jaula.
À noite, já no leito, Assarhadon imaginava suplícios para infligir a Lahilié quando ouviu um ruído ao lado. Abrindo os olhos, viu um velho de grandes barbas brancas, ao lado da cama.
- Queres matar Lahilié? - perguntou o velhinho.
- Sim! - respondeu o rei, assustado. - Falta-me apenas descobrir um suplício adequado.
- Mas Lahilié és tu! - tornou o ancião.
- Não é verdade: eu sou eu e Lahilié é Lahilié.
- Tu e Lahilié não sois mais que um! - retrucou o velho - Parece-te que não sejas Lahilié e que Lahilié não sejas tu.
- Como parece-me? Eis-me deitado num leito macio, rodeado de escravos e, amanhã, estarei me divertindo com os meus companheiros, enquanto Lahilié será empalado e se contorcerá até rebentar; e seu corpo será lançado aos cães.
- Tu não tens o poder de aniquilar a vida dele! - observou o intruso.
- E que dizes dos 14 mil guerreiros que massacrei e com os quais fiz montanhas de cadáveres? Eu estou vivo; eles estão mortos. Logo, posso aniquilar a vida.
- Como sabes que eles não existem mais?
- Porque não os vejo. Eles foram torturados e mortos e eu não. Eles sofreram e eu me sinto bem.
- Isso, também, somente parece a ti. A ti é que torturaste, não a eles.
- Não compreendo! - disse Assarhadon.
- Queres compreender? Aproxima-te! - pediu o velho, mostrando ao rei uma tina cheia de água.
O rei levantou-se, aproximando-se da tina.
- Despe-te e entra na água! Assarhadon obedeceu.
- Agora, quando eu começar a derramar a água sobre ti, mergulha a cabeça! - disse o velho, enchendo um cântaro de água e inclinando-o sobre a cabeça do rei.
Daí por diante, Assarhadon não se sentiu mais Assarhadon e sim outro homem: viu-se sobre rica cama, ao lado de linda mulher. Nunca a tinha visto, mas sabe que é sua mulher. Ela se levanta e lhe diz:
- Meu caro marido Lahilié; estavas fatigado por teres trabalhado muito ontem; por isso não te acordei. Os príncipes já estão reunidos a tua espera, no salão. Veste-te e vai recebê-los!
Assarhadon, compreendendo por estas palavras que ele é Lahilié, longe de se admirar e antes surpreso de não o ter sabido até então, levanta-se, veste-se e se dirige ao salão.
Os príncipes se curvam diante de Lahilié; este faz que eles se sentem. O mais antigo dos príncipes inicia discurso mostrando a impossibilidade de suportar os numerosos ultrajes do perverso rei Assarhadon e a necessidade de entrar em guerra contra ele. Lahilié não é da mesma opinião e determina que se enviem embaixadores a Assarhadon, com o propósito de modificar-lhe a atitude. Encerrada a audiência, dá instruções, aos embaixadores indicados, sobre o que devem transmitir ao rei.
Feito isso, Assarhadon, agora Lahilié, vai para as montanhas à caça de onagros, e só ele mata dois animais. De volta, com seus companheiros, festeja, apreciando a dança dos escravos.
No dia seguinte, como sempre, dá audiência e sentencia sobre vários assuntos. Depois, vai novamente á caça, seu prazer predileto, matando uma leoa e capturando seus dois leõezinhos. Repetem-se as festas, a música, a dança; a noite, ele a passa com sua mulher amada.
Decorrem, assim, dias e semanas, à espera dos embaixadores enviados a Assarhadon, que outrora fora ele. Os embaixadores só voltam um mês depois, com o nariz e as orelhas cortadas. O rei Assarhadon manda dizer a Lahilié que a mesma sorte o aguarda se não enviar, sem demora, o tributo fixado em prata, ouro e madeiras e se, em pessoa, não lhe vier prestar suas homenagens.
Lahilié, noutro tempo Assarhadon, reúne novamente os príncipes e se aconselha sobre as medidas a tomar. Decidem fazer guerra a Assarhadon sem esperar seu ataque.
O rei aceita o conselho, põe-se à frente do exército e parte para a luta. A marcha dura uma semana e todos os dias o rei passa em revista suas tropas e lhes estimula a coragem. No oitavo dia, encontra-se finalmente com as tropas de Assarhadon, numa vasta planície sulcada por um rio.
Os guerreiros de Lahilié combatem corajosamente, mas Lahilié, antes Assarhadon, vê os inimigos descerem das montanhas como formigas, inundarem o vale e rechaçarem suas tropas. Então, no meio da batalha, precipita-se com seu carro, trespassando e abatendo os seus inimigos em derredor. Mas, eis que se sente ferido e é feito prisioneiro.
Por nove dias, marcha acorrentado entre outros prisioneiros, cercados pelos guerreiros de Assarhadon. No décimo dia, chega a Nínive e é fechado numa prisão.
Lahilié sofre menos da fome e dos ferimentos do que de sua raiva impotente. Está furioso por não poder infligir ao inimigo todo o mal que ele e os seus estão sofrendo. E toma a firme resolução de tudo suportar com coragem e sem lamentos, para não dar ao inimigo o prazer de ver que está sofrendo.
Há vinte dias está na prisão, esperando o suplício. Vê passarem seus parentes e amigos, ouve os gritos dos supliciados a quem são cortados os braços e pernas ou que são esfolados vivos, mas sua face não trai nenhuma emoção. Vê sua mulher preferida ser carregada pelos eunucos. Sabe que ela vai tornar-se escrava de Assarhadon, e tudo suporta sem deixar escapar um queixume.
Eis que dois carrascos abrem a prisão, prendem-lhe as mãos com uma correia e o conduzem ao local do suplício, todo inundado de sangue. Lahilié vê a estaca pontiaguda e ensangüentada, donde acabou de ser retirado o cadáver de um de seus amigos, e adivinha que ela está livre em sua intenção. Despem-no. Ele se espanta da magreza de seu corpo, outrora tão belo e robusto. Os carrascos levantam-no pelas coxas magras e vão pendurá-lo no poste do suplício.
- Eis a morte! - pensa Lahilié e, se esquecendo do propósito de se manter corajoso e calmo até o fim, prorrompe em soluços e implora perdão. Ninguém o escuta.
- Não é possível! - pensa ele. Estou dormindo; isto é um sonho! - e faz esforço para acordar. - Eu não sou Lahilié; sou Assarhadon! - diz de si para consigo.
Acorda, de fato, mas para verificar que não é nem Assarhadon, nem Lahilié, mas um animal. Assombra-se de ser animal e, ao mesmo tempo, surpreende-se de não o ter ainda percebido. Pasta, agora, no vale, a erva carnuda. Espanta as moscas com a longa cauda e sente um peso estranho nas mamas cheias de leite. Perto, salta e brinca um burrico cinzento-escuro, de dorso listrado e pernas compridas. Escoiceando, o burrico se curva sob a fêmea, noutro tempo Assarhadon, passa por baixo do ventre materno e procura a teta com o focinho; depois, encontrando-a, mama e se acalma.
Assarhadon compreende que ele é uma jumenta, mãe deste burrinho e não se admira nem se entristece com isso; antes se alegra. Sente a emoção feliz do movimento da vida em si e em sua cria.
Subitamente, alguma coisa voa, sibilando, e penetra em seu flanco. Sentindo dor, a jumenta arranca a teta da boca do burrinho e, com as orelhas baixas, foge em direção à récua de burros de que tinha se afastado. O filho corre a seu lado e, quando vai atingir a tropilha, uma flecha se enterra em seu pescoço; ele fraqueja e cai sobre os joelhos. A jumenta, outrora Assarhadon, estaca, disposta a não abandoná-lo. É quando, um ser terrível, com duas pernas, um homem, aparece e corta o pescoço do burrinho.
- Não é possível! Ainda é um sonho, pensa Assarhadon, reunindo todas as forças para acordar.
Grita e, ao mesmo tempo, tira a cabeça da água. Vê, perto dele, o velhinho que joga, sobre sua cabeça, a água do cântaro.
- Oh! Como sofri e por quanto tempo padeci! - exclama Assarhadon.
- Muito tempo? Nem bem mergulhaste a cabeça e já a retiraste! Observa, o cântaro ainda está quase cheio... Compreendeste agora?
Assarhadon nada respondeu, mas fitou o ancião com terror na face.
- Compreendeste, agora, que Lahilié és tu e que os guerreiros que mataste são também tu mesmo? Não só os guerreiros, mas até os animais que matas na caça e devoras nos teus festins, são tu. Pensas que a vida está somente em ti; arranquei o véu da mentira de teus olhos e percebeste que, fazendo mal aos outros, fazes mal a ti mesmo. A vida é um todo e tu não conténs senão uma de suas parcelas. E somente nessa parcela, podes melhorar ou viciar, acrescer ou diminuir a vida. Melhorá-la tu só o podes, suprimindo as barreiras que separam tua vida da dos outros seres vivos, amando-os, considerando-os como um outro ‘eu’ em relação a ti. A vida das criaturas que mataste não foi aniquilada, somente desapareceu dos teus olhos. Crês poder alongar a tua existência e abreviar a dos outros, mas não tens esse poder. A vida não tem tempo nem lugar. A que dura um segundo, como a que dura mil anos, têm o mesmo valor. Não pode ser abolida, nem transformada, porque somente ela existe. Tudo o mais é apenas ilusão.
Com estas palavras, o velho desapareceu.
Na manhã seguinte, o rei Assarhadon mandou suspender as execuções e libertar Lahilié e todos os outros prisioneiros.  No terceiro dia, transmitiu o poder real ao seu filho Assurbanipal. Retirou-se, depois, para o deserto a fim de meditar sobre o que tinha aprendido.
Mais tarde, fez-se peregrino e percorrendo cidades e vilas, ensinava a todos que a vida é uma só e que os homens só fazem mal a eles mesmos, quando fazem o mal aos outros.

SOBRE O LIVRO: "CUIDANDO DE QUEM CUIDA"


Por: Mário Inglesi




Dr. Ricardo

O livro “cuidando de quem cuida” vem ao encontro da saúde e bem estar dos cuidadores e de todos aqueles que pretendem seguir uma vida salutar sem tropeços de doenças graves ou não, que os impeçam de vivenciar toda a fruição de uma vida próspera e longeva, ainda que se dando ao trabalho profissional de cuidar de outros, em hospitais e casas de saúde, ou mesmo em casas de pacientes, a pedido de familiares.

Com isso, seus autores nos premiam com diversos conselhos, dicas e elementos, acompanhados, inclusive de poemas para nos fazer entender que a vida, com todos os seus percalços, tem sua beleza, jungida de satisfação e felicidade.

Mas, para melhor conhecermos e entendermos condignamente a relação entre cuidador e seu paciente, com suas variantes de dor e sofrimento, foi de todo proveitoso para fundas e fecundas reflexões, enxertar logo no início do volume em apreço, casos, sejam eles ficcionais ou não, de compartilhamento ilustrativo, entre o cuidador e pacientes em fase terminal,

Tais casos, descritos de maneira objetiva e totalmente realista, nos amedrontam, logo de início, por nos fazer estar no lugar de um e de outro, sofrendo de dores intensas que a ambos atingem direta ou indiretamente.

Esse nosso sentimento aos poucos vai sendo substituído por um inconformismo, cuja completude se reveste de muita raiva e ira.

Afinal, como pode um paciente terminal com dores intensas e profundas, de provocar suores frios, engulhos, faces maceradas e olhos esbugalhados, e entranhas em ebulição, ter que esperar nessa situação, nove horas, como descreve a própria autora, também cuidadora, para receber a sedação que se fazia necessária?

E mais, se esse estado terminal nefasto se repetir, porque continuar ou prosperar essa situação, de sofrimento tão intensa, lastimável, e de configurar tamanha insensatez, já que até Deus, como já o fizera com seu filho, virou-lhe o rosto e o abandonara, definitivamente.

E mais, porque não por em prática ou impedir que meios imediatos e até indolores sejam aplicados em defesa da eliminação do paciente e suas dores.

Isso se assemelha a masoquismo, à dormência de sentidos e sentimentos para com tais pacientes terminais.

E o que é mais aberrante, no caso, pessoas sãs, por razões de imprudência, de atos muitas vezes impensados, ou fortuitos, são sacrificadas com fuzilamento, degola, ou simplesmente por balas perdidas, como vem acontecendo com jovens, crianças e idosos, não para aplacar sofrimentos, mas apenas para mostrar e dar exemplo, da força e poderio de mandatários inescrupulosos e insensíveis.

Cumpre também pensar na situação do cuidador e todos os reflexos que as dores de seus pacientes projetam física e psicologicamente no cumprimento do trabalho e na sua vida pessoal, causando-lhe mal-estar, insônias, apatia, desolação, perda de apetite, choros convulsivos e tantos e tantos outros males e problemas.

Afora, os sentimentos de seus parentes próximos ou não, que porventura vierem a ver ou saber das terrificantes dores e aflições de seu filho, marido, pai, amigo ou outro circunstante parentesco.

De todo modo, como já diziam os antigos e, hoje, se repete com frequência, “a vida é uma causa perdida”, pois por mais que se lute, a morte é certa, queiramos ou não. Esse pensar sobre a antecipação do final não causará maiores infortúnios a quem quer que seja, ao contrário, haverá, em contrapartida, boas e amadas lembranças de quem se foi, inclusive de sua última imagem, onde a serenidade se faz presente em seu rosto, em sua testa não mais franzida, e, em seu vago sorriso de: “gracias a la vida que me há dado tanto” (Violeta Parra).

Talvez, possam pensar e dizer sobre o pecado ou a ilegalidade que isso representaria. Esquecem esses que todo esse exemplo de egolatria será destruído, felizmente dia ou menos dia, pelos carunchos e traças como material vetusto e imprestável varrido pelo vento e amontoado pelo tempo, no lixão da História.

Por enquanto só nos resta aproveitar a oportunidade, para sopesar tudo isso e convir:

               

“O diabo sempre quer algo de nós.

Vive a rondar

Com suas tentações,

Exigências, promessas”



“Mas confesso, acho o mundo perverso

E sempre prometo o que não posso cumprir”



(Beatriz Di Giorgi. Fragmentos de poemas In “Labirinto”)



E, mais, como diz certeiramente e com grande objetividade o poeta Aleksandr Blok (1880-1921):



Noite. Fanal. Rua. Farmácia.



Morres e tudo recomeça

E se repete a mesma peça:

Noite – rugas de gelo no canal

Farmácia, Rua. Fanal.



Dança da Morte (fragmento, trad. Augusto de Campos), in Antologia da Poesia Russa Moderna”



Assim, por toda a benquerença de frutos de humanidade que o livro inspira e revela, é de todo necessário recomendá-lo à leitura, com votos de vida longa e frutos auspiciosos ao projeto “Cuidando de Quem Cuida”, mesmo que possivelmente todo esse esforço humanitário e amoroso talvez não atinja, em atendimento, os pobres e os desvalidos, com ou sem dores lancinantes, atingidos por doenças degenerativas e/ ou em estados terminais.



Mario Inglesi