quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

SOBRE POLÍTICA – FERNANDO PESSOA

        A ordem de Cristo não tem graus, templo, rito,
Subsolo.
A Ordem de Cristo não tem graus, templo, rito, insígnia ou passe. Não precisa reunir, e os seus cavaleiros, para assim lhes chamar, conhecem-se sem saber uns dos outros, falam-se sem o que propriamente se chama linguagem. Quando se é escudeiro dela não se está ainda nela; quando se é mestre dela já se lhe não pertence. Nestas palavras obscuras se conta quanto basta para quem, que o queira ou saiba, entenda o que é a Ordem de Cristo — a mais sublime de todas do mundo.
Não se entra para a Ordem de Cristo por nenhuma iniciação, ou, pelo menos, por nenhuma iniciação que possa ser descrita em palavras. Não se entra para ela por querer ou por ser chamado; nisto ela se conforma com a fórmula dos mestres: «Quando o discípulo está pronto, o Mestre está pronto também». E é na palavra «pronto» que está o sentido vário, conforme as ordens e as regras.
Fiel à sua obediência — se assim se pode chamar onde não há obedecer — à Fraternidade de quem é filha e mãe, há nela a perfeita regra de Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Os seus cavaleiros — chamemos-lhes sempre assim — não dependem de ninguém, não obedecem a ninguém, não precisam de ninguém, nem da Fraternidade de que dependem, a quem obedecem e de que precisam. Os seus cavaleiros são entre si perfeitamente iguais naquilo que os torna cavaleiros; acabou entre eles toda a diferença que há em todas as coisas do mundo. Os seus cavaleiros são ligados uns aos outros pelo simples laço de serem tais, e assim são irmãos, não sócios nem associados. São irmãos, digamos assim, porque nasceram tais. Na ordem de Cristo não há juramento nem obrigação.
Ela, sendo assim tão semelhante à Fraternidade em que respira, porque, segundo a Regra, «o que está em baixo é como o que está em cima», não é contudo aquela Fraternidade: é ainda uma ordem, embora uma Ordem Fraterna, ao passo que a Fraternidade não é uma ordem.

s.d.

Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética - Fragmentos do espólio . Fernando Pessoa. (Introdução e organização de Yvette K. Centeno.) Lisboa: Presença, 1985. - 47.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

SOBRE POLÍTICA - PIERRE TEILHARD DE CHARDIN

No texto abaixo, Chardin sugere o Cristianismo como alternativa aos regimes políticos atuais. Um exercício para a imaginação...


"Em caso algum o Cosmo poderia ser concebido, realizado, sem um Centro supremo de consistência espiritual. Não apenas por força das fórmulas especiais da União criadora, mas em qualquer Metafísica que se preze, imaginar a criação Isolada de um átomo ou de um grupo de mônadas seria absurdo: o que é desejado e obtido, na Criação, é primeiro o Todo, e em seguida o resto nele, depois dele. Em qualquer hipótese, o Mundo, para ser pensável, exige ser centrado. Por conseguinte, a presença à sua frente, de um ômega nada tem a ver com o fato de sua “elevação sobrenatural”. O que faz exatamente a característica “graciosa” do Mundo, é que o lugar de Centro universal não foi dado a um nenhum supremo intermediário entre Deus e o Universo; mas foi ocupado pela própria Divindade, - que nos introduziu, assim, in et cum Mundo, no seio trinitário de sua imanência.
Em suma – o Mundo é uma vasta Cosmogênese? Cristo é o motor. Essa Cosmogênese é processo que se orienta? Cristo é seu alvo, Cristo a atrai. Alfa e ômega, Cristo é um ser em que o Pessoal se expande até se fazer Universal. O Cristianismo impregna, então todo um programa que, ao mesmo tempo, ultrapassa as correntes confusas da Democracia decadente, do Comunismo e do Fascismo nascentes e se superpõe aos ateísmos militantes, aos espiritualismos desencarnados, às religiões anêmicas. Não é mais necessário, portanto, procurar a “ponte” entre as naturezas ou as Coisas num Universo em que a unidade é o estado de equilíbrio para o qual tendem os seres, espiritualizando-se."

Pierre Teilhard de Chardin

domingo, 12 de fevereiro de 2017

SAÚDE E DOENÇA - DOIS LADOS DA MESMA MOEDA III

TEXTOS AFINS:


Colunas de saúde nos jornais falam sobre doenças, programas de saúde enfocam nas doenças, os órgãos de saúde só são utilizados por pessoas em estado de doença. Ministério da saúde adverte enfocando a doença. Faria sentido um ministério só para a doença e outro apenas para a saúde? Saúde na comunicação em primeiro lugar, saúde na educação, saúde na justiça, saúde social e saúde econômica.
Precisamos de um plano de saúde! Mas não desses usados quando não há mais tempo, melhor denominados planos de doenças. Doença e dinheiro são parceiros, assim como o fazem saúde e consciência. A principal campanha de vacinação é a vacinação consciencial. O momento atual pede a troca das pílulas de doença por pérolas de saúde, preservar o bem maior (saúde) e não correr atrás do prejuízo (doença) quando já é tarde.
Um primeiro passo nessa direção implica em fazer as perguntas adequadas para que o incômodo inicial gere o movimento da consciência:
O que é mais importante para um ser humano, formação ou informação?
A mídia promove a formação, informação ou deformação do pensar?
A Universidade forma, informa ou deforma os alunos?
A estrutura familiar forma, informa ou deforma seus filhos?
Não é possível propor qualquer sugestão de melhora social se desviarmos o olhar de questões fundamentais que a princípio podem incomodar. Afinal, informação sem que a pessoa seja formada acaba em problemas ou em alguém querendo tirar vantagem de outrem. Quando se opta por um sistema que deforma e anestesia, o efeito colateral é a impossibilidade do despertar que impulsione o interesse das pessoas na direção da saúde. Acertar requer esforço e quando se vive em um meio que prega a lei do mínimo esforço não surpreende o atual estado das coisas.
Se pensarmos por analogia em um rio contaminado e como tratá-lo, as diferentes estratégias das medicinas da saúde e da doença podem ser mais bem compreendidas. Uma medicina que enfoca a doença vai atacar a contaminação de frente, colocando barcos para drenagem do lixo, aprofundando o leito do rio, jogando substâncias químicas, tentando aumentar o seu fluxo cimentando as bordas e assim por diante, como se sabe. Note que o tratamento aqui vai em direção ao resultado imediato e que seja sentido pelo “paciente” em pouco tempo, daí a intervenção ser tão intensa ao ponto de agir sobre a própria “anatomia” do rio, desconsiderando sua “fisiologia”, como se ele fosse um objeto ou uma máquina a ser consertada.
A mesma situação vista pela medicina da saúde adquire perspectiva bastante diversa. O rio, como se sabe, é uma espécie de ser vivo, tem uma nascente, comporta vida em si, interage com o meio ambiente por onde passa e finalmente assim como nasce tem uma foz onde deságua e se religa ao mar. Assim a medicina que enfoca a saúde vai agir de forma mais profunda apesar de menos agressiva, se valendo da própria vida do rio como fonte propulsora para seu tratamento. Chegando às causas da contaminação a medicina da saúde age inibindo os agentes contaminantes. Isto pode ser muito complexo, pois no caso do rio os poluidores são empresas e pessoas ligadas às esferas do tecido produtivo nacional, eventualmente populações de moradores de edifícios, sejam suntuosos ou “malocosos”, à beira dos leitos onde despejam seus esgotos. Deixar de depositar o esgoto no rio implica em um grande sacrifício para todos, pois elevará gastos com obras de infraestrutura, além de terem efeitos apenas no médio ao longo prazo.
O mesmo acontece quando uma pessoa doente precisa abandonar os maus hábitos que a conduziram ao adoecer, requer esforço e sacrifício pessoal. Apesar de ser óbvio o que fazer, muitos preferem intervenções rápidas e paliativas que permitam o retorno aos mesmos hábitos a uma revisão geral seguida pela mudança comportamental. É importante notar que o próprio rio tem vida e poder de recuperação, caso deixemos de destruí-lo, o mesmo ocorrendo com a saúde. Se para o rio ficar saudável o lema deve ser: “vamos trazer os peixes de volta ao rio”, para o corpo são o lema é: “vamos deixar de ser dormentes e nos tornar seres conscientes”.
É clara a importância e a complementaridade entre as duas medicinas, mas fica agora gritante em que implica a prática da medicina da doença sem a percepção ampliada da medicina da saúde. Salta aos olhos a falta de sentido e o desperdício que é tratar doenças sem concomitantemente cuidar da saúde.
A medicina da doença se baseia na cura e na prevenção; a medicina da saúde por sua vez na preservação e na promoção. Duas medicinas que se complementam sendo a segunda superior à primeira. Prevenir e curar doenças são importantes, mas preservar e promover saúde são fundamentais. Mas afinal qual a diferença entre promover saúde e prevenir doenças? A diferença é toda. As pessoas se previnem geralmente por medo ou receio de que algo lhes aconteça, e por isso fazem seguros ou planos que supostamente as protegeriam. No entanto a própria tentativa de se proteger promove um estado interior de retração ou contração, devido ao medo. Este medo age gerando reflexos em todas as esferas do ser, principalmente sobre o tônus vascular promovendo hipertensão, e sobre o tônus imunológico promovendo imunodepressão. Assim, a aparentemente simples atitude de se prevenir implica em uma atitude reflexa de receptividade a experiências e estados mórbidos que naturalmente acompanham os seres amedrontados em relação aos desafios da vida.
Oposto disso, o promover saúde, coloca o ser em estado de expansão e entrega confiante ao viver, anticorpos naturais para situações sombrias, que ainda que ocorram serão menos traumatizantes e mais construtivas. Promover saúde é expandir a consciência, a partir do que uma prevenção natural sobrevirá. Entretanto agora não gerada pelo medo, mas pelo interesse e prontidão em viver de forma a sempre ampliar o horizonte de possibilidades. Apesar de não ter a suposta certeza de uma segurança comprada, ser o melhor que posso e estar pronto para o que der e vier abrem a vida para a graça, assim como a flor recebe a chuva. Viver com medo dificulta o contato com a graça, que apesar de independente, não chega aos desgraçados fechados à sua visita pelo medo.
Mas porque afinal as colunas de saúde dos jornais só falam em doenças? Quem ganha com isso? Porque os órgãos responsáveis enfocam nas doenças e falam tão pouco em saúde? Se campanhas de vacinação movimentam o mercado e as correspondentes verbas governamentais, tudo bem, mas é fundamental a contraparte que requer verba ínfima comparativamente e que diz respeito à vacinação da consciência das pessoas para questões importantes de saúde pública.
O artigo: Ricos aceitam melhor publicidade em escolas mostra a relevância da questão ao comparar a diferença entre a legislação dos diferentes países (EUA, Alemanha, Portugal e Brasil) em relação ao marketing infantil assim como o cuidado que cada país tem com a forma como suas crianças são educadas. Se os atuais planos de “doença” se beneficiam do sofrimento de seus associados e da exploração dos profissionais de saúde, urge que busquemos planos de saúde que enfoquem a saúde e estimulem seus clientes numa verdadeira relação de sócio em que o pagador receba orientações que expandam a consciência fazendo a vida ser sinônimo de saúde plena.
Na educação para a saúde a formação (educere) da pessoa tem valor superior ao da informação (educare). O ser pleno e saudável tem boa formação de maneira geral, tendo o SER primazia sobre o TER. Somos seres humanos e não teres humanos, lembrando que o caminho para a doença começa quando a vida se afasta do SER na direção do TER do mesmo modo que a saúde e a vitalidade aumentam na direção do SER.
Ser implica em consciência, lanterna do homem saudável e espelho para o homem doente que vendo-se refletido no exemplo a ser imitado encontra referência e fonte de inspiração para sair da horizontal do adormecimento e entrar na vertical do despertar.
Você pensa a esse respeito?