terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A LUCIDEZ PERIGOSA




Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
Assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.
Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
 

Clarice Lispector – A Descoberta do Mundo. 2ª ed. RJ – Nova Fronteira, 1984.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

UM MORCEGO APARECEU – ETERNIDADE x EFEMERIDADE




            Mês passado em casa, lua nova, um morcego apareceu; uma semana após minha visita a Rubem Alves em Borboletas e Morcegos. Estranho, um rato que voa; voa à noite, sem ver não, sem vergonha. A palavra morcego tem origem no nome arcaico para "rato", "mur" (do latim mure) com "cego", significando, portanto, "rato cego". Mas ao contrário do que muitos pensam, os morcegos têm boa visão; o que, entretanto não os poupou do apelido que pegou, e mesmo enxergando ficou rato cego.
            Também, néctar para beija-flores, que de dia voam na sala em casa, fica na varanda às vezes até tarde. Acostumou, quando eu esquecia, beber também. Deve ter se sentido em casa, mas fora o néctar, em casa só tem livros de ler. Tentou uma revista e pus para fora com revisteiro e tudo! Vampiro letrado nunca havia visto antes.
            Fiquei olhando da janela e quando saiu do revisteiro, peguei de volta e fechei a porta. Bicho esquisito, o que veio fazer aqui pensei. Seria ele oriundo de algum dos três poderes, fugindo da cassação? Talvez, olhando bem, suas vestes me lembraram de ternos e togas, máscaras do poder. Não me satisfiz, tantas sacadas, porque bem na minha?
            Coloquei luz, joguei água, apontei com a lanterna, testei ponteira laser, nada, quieto, imóvel, barriga para baixo. E dormiu lá! Ainda tentou entrar em casa, raspou a porta, mas não abri!
            Dia seguinte estava lá, barriga para baixo, estranho, pensei que dormisse de ponta cabeça, mas porque ficou ali e não voou à noite? Mais água, cutucadinha com vassoura ao que sibilou abrindo as asas – Qui, qui, qui, qui... Matar nem pensar, mas alimentar e cuidar também estavam fora de cogitação.
            Os prejudicados durante o dia foram os passarinhos, ficaram sem o néctar que penduro todo dia.
            Uma hora ele tem que sair daí, não é possível, se chegou vai... Tinha que ser um quiróptero? Não podia ser um pássaro? O que esse bicho quer comigo?


            Na estória de Rubem Alves, os olhos dos morcegos atrofiaram por terem escolhido viver nas cavernas. O que ele teria vindo fazer aqui na Rua Alves Guimarães, curiosa mistura de Rubem Alves com Guimarães Rosa?
            Seria ele hematófago? Primo do Batman? Herbívoro? O que queria aqui?
        Foi um tempo de introspecção; sete dias, uma lua nova passada em reflexão. Aliás, agora escrevendo recordo que lua nova é nome de livro sobre vampiro. Lua nova, crepúsculo, Drácula, variações de um tema comum. Eu que gosto de borboletas, bicho simples, do povo, inseto, visitado por um quiróptero mamífero Hollywoodiano associado ao poder e aos governantes, sinal ou aviso?
          Na infância, além do Batman e o morcego vermelho, sua paródia, tinha ainda o batfino - BATFINO E HUGO AGOGO - Morcego lembrança!
         Ligados à ideia da imortalidade permeiam o imaginário, e se por um lado geram bilheterias milionárias (Batman, Crepúsculo, Drácula), por outro estimulam o pensar apegado de uma ciência que busca no plano físico eternizar uma humanidade atualmente condenada à temporalidade finita. Afinal, não é disso que trata a clonagem, o congelamento de embriões, em alguns casos corpo inteiros, técnicas antienvelhecimento, domínio funcional de células totipotentes e pluripotentes? Penso que sim, mas tudo isso nos fará mais felizes ou mais apegados? Decisão importante essa de viver em preparo para apegar ou para se apagar. Efemeridade Eterna versus eternidade efêmera; pensemos juntos qual aparenta maior potencial salutogênico e como se associam aos conceitos de saúde e doença. A doença tem várias roupagens ao contrário da saúde e seus modestos hábitos.
Curiosa a semelhança do poético “O amor é cego” com morcego; de fato as histórias de morcego sempre têm paixões evolvidas: Batman, Drácula, Crepúsculo, Lua nova etc. Amor apegado esse de morcego, quer morder para ficar dono do outro. Desconfio! Seria a nova artimanha do TER amor a infiltrar o delicado e mal resolvido tema humano do SER amor? Ter amor lembra terra e teratoma, tranca; Ser, céu e sereno, solta. De qualquer modo, nesta literatura de morcegos, os “heróis” são muito sensíveis, verdadeiros radares.
            Radar! Um PALÍNDROMO! De trás para frente e de frente para trás, em si traz o próprio fenômeno reflexão “RA D AR”. Devemos ser mais atentos à etimologia e aos movimentos das palavras, especialmente quando ocorrem em nossa língua materna. Neste caso RA é a própria imagem do ar que sai da boca, veja você; e AR é a própria imagem do ar voltando. RA e AR brincando em torno do D.
            Falando em brincar, me alivio ao escrever onde a insólita situação ganha sentido. Nesse meio tempo ele permanecia lá, barriga para baixo, dia e noite; estaria doente? Com fome?
            Fosse um bichinho bonito eu teria dado comida com certeza, mas o preconceito aparece onde a gente menos espera! A beleza, essa garota que abre e fecha portas, descobri também no mundo animal, depois das modelos, moças da previsão do tempo e as que leem as notícias que as mandam ler. Que mundo fecundo e belo nesta feia criatura que me auxilia nestes pensares sociológicos. Aliás – você leu? – eu li, “A beleza salvará o mundo” do búlgaro Tzvetan Todorov? Como pode um livro falar tanto sendo mudo não é mesmo? Confira...
            E o morcego lá, toda manhã, resistindo à água apesar de não parecer muito agradado. Mas porque não ia embora? Do quarto para o quinto dia não tentava mais entrar em casa, ou melhor, não raspava mais a porta com sua asa à noite.
           O que queres comigo animal? Vários amigos com quem partilhei ofereceram ricas explicações a respeito do simbolismo de tal visita. Apesar do asco nas fisionomias ninguém deixou de notar o aspecto profundo e inconsciente associado à criatura. Mamífero também, mas com asas de voar. Porque não voava daqui do vigésimo primeiro andar? Aliás, porque haveria de ter voado tão alto? Medo de cair? Medo de voltar?
            Fica aí criatura, mas comida não te sirvo; ofereço meu olhar e banho todo dia, ciente de seu desconforto, mas comida não.
            Talvez estivesse fraco em busca de local para fazer sua passagem. Pensei finalmente que como do néctar dos pássaros pendurado na sacada muitas vezes se alimentou, quando durante a noite pendurado o mesmo ficou, devesse estar ali para fraco em segurança para o além partir.
            E assim o fez um quarto de lua após chegar:
Asas abertas deixou o corpo, a vida assim se libertou.
No último voo, de presente deixou seu corpo estendido
na sacada de quem um dia sem saber o alimentou.
Caro animal, companheiro de jornada,
aqui lhe presto esta homenagem;
seja sua vida longa nessa imagem
se não pude oferecer melhor camaradagem.
Que o céu dos morcegos, onde o amor não seja cego,
lhe receba em festa n’outra varanda,
onde a vida seja plena e os seus
menos egoístas que eu.
Nesse dia em que partiste, minha voz se calou,
rouco que estou;
seja meu silêncio oferta à rica reflexão
nesta breve lua nova,
sua última.

            Naquela noite, após o velório da manhã, Lua e Plutão conjuntos em proximidade a Vênus, tudo em Capricórnio, céu limpo, porta da sacada aberta, ainda pensei – se “Saúde é Consciência” todo ato traz consequência – pouco antes de voar em sonhos.


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

ALIMENTAÇÃO CONSCIENTE II

Continuação de: ALIMENTAÇÃO CONSCIENTE I




Assista e surpreenda-se...

            Michael Pollan, no New York Times Magazine (veja artigo abaixo), conduz uma análise ponderada e de razoável profundidade sobre os fatores determinantes do tipo de nutrição a que somos induzidos, quais os setores da sociedade envolvidos, e como as pesquisas na área da nutrição modulam o comportamento de um consumo consciente ou não, de acordo com interesses nem sempre evidentes. O autor aponta fortes evidências de como a confusão e a desinformação sobre o assunto nutrição beneficia diretamente grupos específicos, sendo inclusive usada como estratégia de “especialistas” para que nada mude.




            Interessante um olhar mais atento à palavra “especialista” para que se desvincule de forma consciente os conceitos de especial e de especialista. Ora, ser especial é ser único, diferente, incomum, enfim algo que exalta qualidades pessoais e que porta um significado ou informação diferenciada. Quanto mais especial for uma pessoa, menos ela precisará do especialista. O sufixo “ista” que surge em especial + ista, aponta outra direção, na medida em que autoriza um grupo. Para se formar um especialista é preciso dispor de uma estrutura conceitual e de pessoas que criem um sistema de valores que autorize e tenha competência para compor socialmente este quadro, que ganha expressão justamente por meio de pequenas sociedades e associações. Estas organizações ganham espaço quando seus modelos de pensamento despertam a atenção e interesse dos governantes, que por sua vez cedem maior ou menor poder de expressão para as mesmas. Assim, as sociedades, de poetas mortos ou vivos, passam pelas sociedades profissionais em todos os níveis, partidos políticos e demais facções, alcançando seu mais alto grau de perversidade, ou melhor, desenvolvimento, nas sociedades anônimas, território nebuloso das corporações, enquanto regentes transcontinentais dos valores a serem tidos como “absolutos” para que um dado sistema de ordem social se mantenha operante. Enfim, assunto brilhantemente explorado com profundidade pelo documentário em quatro partes da BBC (The century of self – O século do self - http://vimeo.com/65256698).

            Surpresas a parte, para aprofundar a questão da alimentação com propriedade, cumpre sabermos que tudo o que diz respeito a este assunto está na base de todas as estruturas de poder no mundo moderno. Na dificuldade de encontrar tal associação, vale visitar ou pensar a respeito de algumas ideias, frases, nomes e estudos como:


Programa fome zero








“Nem só de pão o homem viverá, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”.

“O que mata o homem não é o que entra pela boca, mas o que sai, pois a boca fala daquilo que o coração está cheio”.

Jesus Cristo – Especialista em Nutrição Espiritual





Desenvolvimento mundial:


David Servan-Schreiber - http://www.anticancerbook.com/


O esforço pessoal no sentido de melhorar a qualidade da alimentação, vai muito além da simples e necessária pesquisa dos alimentos e seus valores nutricionais. Sem a compreensão dos tecidos que fundamentam a constituição da sociedade humana, continuaremos a não compreender como é possível já sabermos tanto sobre a alimentação saudável e ao mesmo tempo termos feito tão pouco para implementá-la.

            Oportunamente será relevante prosseguir esta reflexão que longe de esgotar o tema, estimula saber mais sobre o que Hipócrates quis dizer há 2500 anos atrás.

SEJA SEU ALIMENTO

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E SEU MEDICAMENTO

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Hipócrates 460 a.C.