POR MÁRIO INGLESI
Para começar, atentemos para o poema, “Inventário”,
também de Drummond, para um início de reflexão
Inventário
Que fiz do meu dia?
Tanta correria.
Que fiz da noite?
O lanho do açoite.
Da manhã, que fiz?
Uma cicatriz.
Bolas, desta vida
Que lembrança lida,
Cantada, sonhada,
Ficará do nada.
Que fui eu, acordado?
Mancha no retrato.
(Poemas “Sociedade” e “Inventário, de Carlos Drummond
de Andrade, “Poesia Completa, Ed. Aguilar S/A 1977)
Entretanto, há uma máscara que foge aos adereços ou a
tipos consagrados e já conhecidos, pela vida afora. É uma máscara toda
particular, Uma máscara cujo uso nos espanta e nos dá incômodos, temores,
noites mal dormidas. Contra ela apenas algumas cirurgias
mínimas
ou make-up para corrigi-la, disfarçá-la, mas, nunca retirá-la. É a máscara que
o tempo da nossa vida vai nos impondo com vagar, mas com persistência e impetuosidade marcantes. Que mapeia nossas
dores, amores, tensões, pretensões, preocupações e, principalmente nossa ânsia
de ter sempre, cada vez mais e melhor.
Mas, apesar de tudo ela não configura mais nossa identificação, fazendo
com que recorramos a documentos, registros, a velhas fotografias, para sabermos
quem realmente somos e como éramos antes de ela formatar nossa face com todas
as suas sinuosidades. Essa é a máscara da “VELHICE”, com sua amostragem
desabrida e deselegante, de rugas, sulcos, vincos, papadas, olheiras, bem como
com o aparentar de orelhas grandes, nariz adunco, rosto afilado, cabelos
brancos. Eis que, com sua inteireza, não
mais nos reconhecemos e também já não nos reconhecem.
“Olho-me no espelho
e percebo que estou
envelhecendo rápida e
definitivamente; com
esses cabelos brancos
parece que não vou morrer,
apenas minha imagem
vai se apagando, vou
ficando menos nítido, estou
parecendo um desses
clichês sempre feitos com
fotografias antigas que os
jornais publicam de um
desaparecido que a família
procura em vão.”
(Rubem Braga, O Desaparecido)
Todavia, com tal máscara, vamos viver um tempo
diferente: mais curto, é certo, mais cheio de limitações, obviamente certo, mas,
também, um tempo vivido, cuja experiência, sabedoria e aprendizado ninguém pode
tirar, Um tempo, que se apresenta como um novo começar,
“Tudo muda. De novo começar
podes, com o último alento.
O que acontece, fica acontecido: a água
Que pões no vinho, não podes mais separar.
O que acontece, fica acontecido: a água
que pões no vinho, não podes
mais separar. Porém,
tudo muda: com o último alento podes
de novo começar.
(Bertolt Brecht, “Tudo Muda,” trad. Geir Campos)
No desencavar das máscaras, seus tipos, significados
para nós viventes, há ainda a apontar aquelas que campeiam pelo mundo, deixando
em seus usuários marcas indeléveis e das mais pungentes. É o que se pode dizer
das máscaras da fome, e da pobreza mais abjeta, que tornam seus usuários
figuras das mais tenebrosas, com seu olhar esbugalhado, suas faces encovadas
seus membros esquálidos, tal como representadas na visualização oferecida pelos
“Retirantes”, tela do pintor Portinari, (1903-1962) ou ainda, as máscaras de
dores profundas das mais variadas naturezas, que fazem de seus usuários figuras
lancinantes com traços de amargor, fúria ou menosprezo pela vida e pelo mundo,
ou, vislumbradas de boca terrivelmente aberta num grito visceral como bem expôs
Munch (1863-1944) em sua tela ”O Grito”, ou ainda, as máscaras encravadas nas
faces dos loucos, com seus olhares indecisos, mas com certezas gritadas,
sussurradas ou mesmo emudecidas ou ensimesmadas, diante das incertezas do
mundo, mas com grandes propensões ao fazer artístico, como revelou Bispo do
Rosário em seus trabalhos, produzidos durante os cinquenta anos de internato num
sanatório.
Estas máscaras não suportam qualquer atitude
paternalística ou de piedade, mas apenas de compreensão e ajuda quando se
fizerem necessárias, para tornar seus portadores menos infelizes e mais aptos a
enfrentar o mundo em seus dissabores existenciais. Afinal, eles como nós, são
gente, com perplexidades talvez maiores mas, bem possíveis de serem corrigidas
ou minoradas.
Continua...
Boa tarde Mário.
ResponderExcluirParece que as máscaras nos acompanha desde o início de nossa vida.Quando a idade vai chegando a pele enrugando, ficando mais lento, o pensamento vai, o corpo ainda não chegou, e a máscara revela. São tantas correrias, mas o tempo , não dá para fugir. Contudo temos um consolo apesar da ação inevitável do tempo, tem o olhar; que pode continuar brilhantes como antes, ele parece não envelhecer.
Tem também, o real,o ilusório. As máscaras podem ser usadas como adereços. Mas e a vida?