Médica Psiquiatra Especialista em Cuidados Paliativos (mottacruz@terra.com.br)
Falar de qualidade de morte sempre me leva a pensar em qualidade
de vida. O tipo de morte da maioria das pessoas que eu acompanhei me pareceu
ser conseqüência direta, no mais das vezes, da vida que levaram.
Uma vez eu tive o privilégio de permanecer o tempo todo com a
família, enquanto a morte da minha doente se desenrolava.
A morte é um momento íntimo, sagrado e nós, profissionais, devemos
saber o momento de deixar o doente e a família a sós. Ficamos à distância
respeitosa de um chamado, mas aquele momento é particular e exclusivo.
Mas aquela família me convidou a ficar, e eu pude aceitar. Sorte
minha!
A doente era solteira e fora uma Professora apaixonada por
ensinar, como todos nós devíamos ser pelas nossas profissões! Fora uma tia
muito querida para os cinco sobrinhos e uma irmã e cunhada muito especial, era
o que se percebia pela atenção e o cuidado com que a cercavam.
Ela nunca estava sozinha; sempre alguém estava pelo quarto ensombrecido
fazendo alguma coisa. Vi gente fazendo tricô silenciosamente ao seu lado, vi
adolescente fazendo lição de escola aos seus pés, vi uma sobrinha com síndrome
de Down enxugando cuidadosamente os seus lábios por onde às vezes escorria
saliva, vi outra sobrinha com o filho pequeno dormindo nos braços e olhando a
tia com tristeza...
Quando a morte ficou visivelmente iminente, a família um dia, um
pouco constrangida, me perguntou se seria muito estranho fazer um jantar à
volta da sua cama. E explicaram: esta tia era uma grande cozinheira e, sendo solteira,
fazia com freqüência jantares memoráveis para a família; eles achavam, então,
que jantar pela última vez com ela seria o maior ato de amor e de comunhão que
poderiam lhe dar.
Nunca tinham me perguntado algo semelhante; mas porque não???
Famílias amorosas sabem exatamente o que fazer para que o doente morra bem, e assim
ficam em paz...
E este jantar, dois ou três dias depois, aconteceu. Todos
cozinharam: fizeram alguns dos pratos que a tia mais se orgulhava de fazer e o
jantar transcorreu, regado a vinho, em volta da cama... Riu-se muito, chorou-se
muito, todos contavam histórias deliciosas da vida que tinham levado juntos.
Ela estava estranhamente silenciosa e calma para quem passara a
tarde na agitação comum à proximidade da morte.
Quando ela enfim morreu, naquela madrugada, parecia sorrir!
Ainda hoje, falar de morte é um assunto que muito de nós não queremos falar.
ResponderExcluirPois se eu validar a morte do outro, estou validando a minha morte. Então se eu não quero morrer, se tenho medo do desconhecido não aceito a morte.
Esse ensinamento de não validar a morte do outro, vem passando de geração em geração, e nós ocidentais ainda hoje no século XXI, consideramos a morte como uma ameaça. Mas se pensarmos que é apenas um rito de passagem, natural onde todos vamos chegar, o que existe é só vida.
Engraçado: "qualidade de morte" me fez lembrar de uma decisão minha criada quando eu estava na 8ª da escola.
ResponderExcluir"Qual seria a melhor maneira de morrer?" Essa pergunta me fez chegar a conclusão de que a melhor forma de morrer é se matando. Mortes por acidentes ou por doenças, independentemente do tempo que leve, são injustas com a pessoa pois tiram a vida dela sem ela querer, ou estar pronta, pegando-a desprevenida. Não concordo com isso.
Então por que eu ainda não me matei? Pois gosto de viver, e pararei de viver quando tiver pronto, aproveitado e feito tudo o que tenho como meta. É egoísmo meu querer viver apenas para mim, sei que minha morte afetará os outros, porém é egoísmo meu também se me decidir nunca parar de viver (ainda não penso nisso).
Pensem, o suicídio é a melhor forma de morrer: você decide onde, como, quando; é perfeito.
O problema é que nunca saímos do vício da vida, por isso, o tempo rouba o clímax da felicidade de viver.
Linda e tocante narrativa. Obrigada por compartilhar e fazer refletir.
ResponderExcluirQue linda narrativa, e que maravilhosos ensinamentos sôbre qualidade de vida, ligando como consequência direta na qualidade de morte.Importante texto para se meditar, e muito.Mas.....o Rômulo RF,parece que está pisando na bola.Ou não entendeu nada, ou está confuso, ou ao invés de pensar na verdadeira qualidade de morte ,está pensando na morte da morte?Seria interessante , meu caro, que você procure imediatamente aconselhamentos com a Dra.Graça Mota Figueiredo.Parabéns Dra.Graça,e meu profundo obrigado a você e ao Dr.Ricardo.Abraços.
ResponderExcluirMuito bonito...
ResponderExcluirO contrário da morte é o nascimento, pois o que antecede o nascimento é tão misterioso quanto o que aconterá após a morte. Nascemos e morremos tantas vezes durante a vida, para cada começo há um fim e para cada fim há um começo. O início da adolescência, é o fim de uma infância, e assim acontece em todos os momentos da nossa vida/morte.
O Ser humano, ainda não sabe lidar com as perdas. Pensando que tudo é para sempre, mas o que é eterno não enxergamos, ou não damos valor.
ResponderExcluirSe conseguirmos viver o momento presente, com amor e gratidão a nós e a todos, a naturalidade dos acontecimentos acontece. A qualidade de vida ou de "morte" é essencial.
Que bom existir.
Obrigada.
Grande amigo Ricardo.
Meu "irmão" Ricardo, obrigada por me permitir chegar a mais gente, nessa nossa "cruzada" comum de quebra de paradigmas sobre a morte...
ResponderExcluirObrigada aos seus leitores, que, lendo, conferem sentido ao ato de escrever sobre assunto assim tão complexo.
Graça Mota Figueiredo
Incrível como é possível confortar um momento de dor, não apenas para quem vai, mas para os que ficam! Parece ser consequencia direta da vida que a gente leva, assim como a morte que a gente tem, como escreveu a Graça. Penso que saber confortar e/ou ser confortado nos momentos tortuosos é um aprendizado no decorrer da vida, para quem está aberto ou teve a chance de aprender. Isso me faz refletir: será que estou no caminho desse conhecimento? Oxalá!
ResponderExcluirAprendi com voces Dra.Graça e Dr.Ricardo, que para termos qualidade de morte ,temos que ter cultivado qualidade de vida.Parece que SUICÍDIO é a morte da vida, ou por que não?a morte da morte.A vida é uma só, sendo que os corpos físicos podem ser mais de um, até a permanencia final no "Paraíso ",no Nirvana?..........
ResponderExcluirTenho observado a qualidade dos textos que aqui são apresentados,parabéns !!!Continue partilhando estas maravilhas...
ResponderExcluirDe maneira especial o que acabei de ler...
MORTE FAZ PARTE DA VIDA!!!
É importante saber que devemos viver plenamente cada minuto da nossa vida e amar quem está ao nosso lado para sermos felizes...
Para muitas pessoas a morte é um sofrimento, mas a morte nada mais do que o conforto para as dores da matéria.
ResponderExcluirAnjo da guarda!
Beijos.
A MORTE É UM VEXAME PARA OS VIVOS ! NUMA ESCALA
ResponderExcluirUNIVERSAL E PLANETÁRIA, É APENAS O ROTINEIRO MO
VIMENTO DA MATÉRIA. PENSANDO NELA, SEMPRE TEREMOS QUE RECONHECER A NOSSA INSIGNIFICÂNCIA NA ESCALA CÓSMICA E NOS REMETE A UM OUTRO PATA
MAR DE REFLEXÃO. AMEMOS O NOSSO SEMELHANTE, PRE
SEVERMOS A NATUREZA E NOS DESLUMBREMOS, ENQUANTO
PUDERMOS, COM A MARAVILHA DO PLANETA TERRA !
Que lindo!!!!! A sensibilidade e compaixão de todos os cuidadores são fundamentais nesses momentos.
ResponderExcluirUma pessoa querida não morreu, continua em nossos corações, ela só partiu antes.
ResponderExcluirGrata pela mensagem
Que imagem mais linda do amor. Morrer assim é uma profunda imagem do que é vivo e do vale a pena na vida, os laços do afeto. Uma bendição.
ResponderExcluirObrigada, Ric por partilhar e à Graça Mota Figueiredo que nos brindou com a poesia se sua experiência.
Fantástico!!! É um exemplo de vitalidade e criatividade a ser seguido, que fazem a vida valer a pena!
ResponderExcluirgrande abraço,Chris