Por: José Geraldo
M. Meireles – Psicólogo da Saúde
No contexto convulsionado
em que estamos inseridos, discute-se a abordagem pedagógica tradicional e
construtivista. Ao compará-las, apontam-se vantagens e desvantagens.
A tradicional destaca-se,
recentemente na mídia. Rigor, competição, disciplina estão sendo muito
valorizados. Contudo, vem gerando crianças e adolescentes frustrados, doentes,
infelizes. Tudo isso aponta para o ponto
fraco da escola forte.
Sei que a temática é
complexa. Importa resgatar, fundamentalmente, valores, limites e respeitar a
singularidade dos alunos. In S. Tomás de Aquino – filósofo – o agir segue o
ser.
O conteúdo é um
instrumento. Na didática da aprendizagem, a meta é a formação de habilidades,
para que o educando, além do vestibular, possa enfrentar os problemas da
existência.
Permito-me sintetizar a
“Fábula do Currículo” de Ribas Fause (Em: A arte e a Técnica de prestar melhores exames). Para mim, é sintomática.
Alguns bichos,
preocupados com a complexidade da vida moderna, resolveram copiar os homens e
organizaram uma escola que melhor pudesse prepará-los para enfrentar os
problemas da existência. Ou seja, lidar adequadamente com a vida.
Acompanhando ideias
educacionais, em voga, optaram por um currículo escolar teórico-prático que
consistia, em essência, das disciplinas: Corrida, Escalada, Natação e Voo.
Para facilitar a execução
do plano, atendendo, também, a um maior número de alunos, ficou resolvido que o
aluno matriculado estudaria todas as disciplinas do curso.
O Cisne, nadador exímio,
mostrou-se logo melhor que o professor. Obteve notas razoáveis em voo, mas
revelou-se aluno fraco em corrida. Coitado... Quase sempre tinha que ficar na
escola, depois do horário, para treinar corrida. Foi necessário reduzir as
horas que dedicava à natação, atividade que lhe agradava muito. Ficou com as
patas esfoladas. Seu humor modificou-se e vivia triste e emburrado. Ao chegar a
época dos exames, estava tão cansado que, até mesmo, em natação, conseguiu nota
regular. Contudo, o sistema era de média aritmética das notas, nas diferentes disciplinas, conseguiu passar raspando.
O Coelho sempre foi o
melhor em corrida e treinava diariamente. Ficava atrapalhado e muito nervoso
nas aulas de natação. Dava até a impressão de que, quanto mais se aplicava,
menos evoluía. Vivia falando dos pesadelos que tinha por causa do exame de
natação.
O Gato superou os colegas
em escalada, mas indispôs-se com o professor, porque preferia adotar processos
de subida inventados por ele mesmo e muito eficazes; porém, nem sempre, coincidiam com as orientações dadas.
Tornou-se aluno-problema. O
mestre insistia em que alçasse voo do solo, e o gato sustentava que só
conseguia voar do topo das árvores até o chão.
Um Pato tranquilo,
assíduo, zeloso, pouco amável, que nadava bem, atravessava o gramado, gingando
e imitando corrida, alcançou a média mais
alta da turma. O diretor convidou-o para ser o orador da turma na cerimônia de
formatura.
Era visível, no final do
curso, que os alunos não mais se preocupavam com o aproveitamento escolar ou
efetiva aprendizagem. O importante era garantir média para aprovação e obter
certificado.
A festa de formatura foi
triste. O grupo alegre e motivado dos primeiros dias não parecia o mesmo.
Muitos desistiram, no meio do curso; outros foram reprovados; quase todos
estavam apáticos; e, ainda, alguns revelavam desânimo e
pessimismo em relação ao futuro.
Conforme Paulo Freire, a
escola é o espaço da alegria, do prazer. A meu ver, a escola, às vezes, transforma-se
no cemitério da espontaneidade.
Jean Piaget – psicólogo
Suiço – criou o método psicogenético. E o construtivismo, no Brasil, inspira-se
em sua metodologia.
Na organização do
pensamento operatório, há três etapas:
SÍNCRESE – ANÁLISE –
SÍNTESE.
Temos um conhecimento
superficial, incompleto em relação a um assunto, conteúdo, fato, pessoas etc. A
SÍNCRESE é a primeira etapa; palavra latina que significa crassa, espessa,
grosso, sem discriminação. Caracteriza o comportamento da criança que está descobrindo
o mundo.
Quando alguém começa a
dirigir um carro, a visão do veículo é incompleta, crassa (grossa) em relação
ao todo e às partes: câmbio, volante, acelerador, embreagem etc.
Com efeito, as pessoas
grossas não são capazes de compreender os outros; as finas e educadas entram em
sintonia com os outros. A boa relação intrapsíquica (subjetiva) enriquece as
relações interpessoais.
O que se verifica na
aprendizagem do carro, acontece na avaliação inicial que fazemos de uma pessoa:
(puxa... é antipática e arrogante), ou pelo que nos dizem dela. Conhecendo-a
melhor, podemos reformular nossa percepção. Tornamo-nos mais flexíveis e
constatamos qualidades que não tínhamos notado.
Pela ANÁLISE, segunda
etapa do processo operatório, o carro não desperta ansiedade acentuada, e o
trânsito não nos ameaça tanto. O dirigir torna-se um prazer...
Quando alguém faz
análise, em Psicoterapia, passa a conhecer-se melhor e fica mais humano e
livre. Após a análise, levanta-se novo conceito a respeito de uma pessoa, fato,
conteúdo etc.
Piaget diz que a
aprendizagem se realiza, quando a pessoa chega à síntese através da análise e
síncrese.
Quando o aluno
simplesmente lê um texto, não o interioriza. Só há, efetivamente, aprendizagem,
se houver ação (análise) para reformulação de conceitos, opiniões e
comportamentos. Os olhos da percepção e
compreensão passam a enxergar com outras cores.
Segundo a proposta
construtivista, o professor, inicialmente leva o aluno a ter visão ampla, mas
ainda incompleta sobre o conteúdo, assunto etc (SÍNCRESE). A seguir, realiza-se
o esmiuçamento das informações: trabalho individual ou em equipe (ANÁLISE). O
termo LYS = solução; ANA = através de. Através da ação, estudo e reflexão, a
pessoa encontra solução. Finalmente, o aluno elabora resumo que poderá ser
discutido em equipe. Interiorizando o conhecimento, é capaz de aplicá-lo em
situações diversas (SÍNTESE – palavra latina que consiste em chegar aos efeitos
pelas causas).
Por esse prisma, aprende
em conjunto e sempre através da realidade dele e da equipe. O trabalho de
equipe ressalta ao adolescente a validade do intercâmbio cultural. Quando a
equipe é bem estruturada e acompanhada, os alunos aprendem a lidar com suas
emoções e com as emoções dos colegas. Para a atividade intelectual, isso é
relevante: a inteligência não funciona
sem emoção.
Em 1972, tive o
privilégio de ingressar na Escola Estadual Vocacional “Oswaldo Aranha” – no
Brooklin – em São Paulo. A diretriz era construtivista, e todos trabalhávamos
em conjunto, visando à autonomia do aluno. No ensino médio, havia Psicologia,
Filosofia e Sociologia. Fui professor de Psicologia durante 26 anos. A
experiência foi inédita e muito gratificante. A Psicologia era incluída na
primeira série, a Filosofia, na segunda série e a Sociologia, na terceira série.
Na 1ª série, os alunos
eram “pré-adolescentes” ou adolescentes e ensimesmados; estavam buscando
autoafirmação; eram instáveis e inseguros; alguns até indignados com a vida.
Portanto, não deviam ser, pejorativamente, vistos na condição de “aborrecentes”;
eram pessoas, em crise, à busca de identidade. Assim sendo, a Psicologia
fornecia embasamentos para adaptação à nova realidade, após saírem do ensino
fundamental.
Na 2ª série, já se
conheciam melhor; eram praticamente, os mesmos; já estavam mais ambientados com
a dinâmica escolar e, sobretudo, mais maduros. Cabia, pois, a reflexão
filosófica.
Na 3ª série, muitos já
trabalhavam e eram eleitores; alguns já participavam de sindicatos e
associações. Eis o espaço para a Sociologia.
Na escola pública, essas
disciplinas eram a base da maturação e da cidadania. Gradualmente, foram
desconsideradas.
A LDB e outros documentos
oficiais determinam a inclusão da Filosofia e da Sociologia na grade
curricular. Esse fato é recente. Mas a Psicologia não foi contemplada, ou seja,
perdeu espaço. Isso é lamentável... Creio que os teóricos, às vezes, ignoram a
dinâmica do desenvolvimento.
Na atualidade, clinico e
ouço críticas em relação à política da progressão continuada, na escola
pública. Os alunos não se sentem mais estimulados a estudar e sabem que passam,
mesmo sem saber. Não há desafios, e perdem-se referências. Percebo que a
autoridade dá “forma” (educa). O autoritarismo “deforma” e destrói a
criatividade. No sólido saber, ganha destaque a autoridade do professor – líder.
Especialistas diversos
destacam que os alunos estão chegando às escolas públicas e particulares com
níveis de informação e conectividade superiores ao do professor. Professor sabe menos de computador que o
aluno – (Cidade, 10/08/11, pág. 9 – Jornal da Tarde – O jovem da geração “C” –
naturalmente computadorizado).
Se mantiver postura
ultrapassada e conservadora, o docente irá perdendo a autoridade. Não bastam
giz, apagador e lousa. Buscar novas metodologias e atualizar-se sempre – eis o
desafio apesar da miserável remuneração.
Profissional da
psicologia, tendo trabalhado na escola particular e pública, não faço juízo de
valor em relação à proposta tradicional ou construtivista. A relação
professor-aluno constrói-se, além do conteúdo, quando contribui efetivamente
para que o aluno possa interpretar melhor o mundo.
Um dia, a educação no
Brasil, será prioridade.
Psicólogo – sou otimista!
Muito bom caro Psico/Professor.
ResponderExcluirRealmente, a escola foi se modificando e, infelismente, descaracterizando seu verdadeiro sentido, como é tão bem colocado por Rilke.
Os verdadeiros mestres são massacrados pelo PODER($) escolar e, pela ignorância dos poderosos($) ou, pobres pais.
assim, deu nisso tudo que estamos assistindo.
Veja essa que corre entre os professores:
" A Psicopedagogia de PIAGET foi substituida pela pseudopedagogia de PINOCHET".
Eu também sou OTIMISTA, UM VERDADEIRO PROFESSOR PANGLOSS, mas por enquanto vamos ter que ir limpando os ranços que herdamos das nossas ditaduras. Tem jeito, mas, leva tempo.
Grande abraço a você e ao dr. Ricardo.
Professor é aquele que ensina com amor.A ditadura só foi instalada no Brasil APÓS A MARCHA DA FAMÍLIA PEDINDO ORDEM NA BAGUNÇA QUE EM64 estava ocorrendo .Olha só o que está ocorrendo hoje com nossos políticos a maioria uma corja de LADRÕES.Do jeito que vão as coisas:roubalheira, injustiças ,violências, depravacoes,pouca vergonha,ladroes soltos e população com medo de sair às ruas, etc....Parece que está havendo novamente a necessidade dessa canalhada que está no poder ser colocada atras das grades, e libertar esse povo sofrido, que já nao sabe mais o que fazer.Vamos criar vergonha na cara ou vamos novamente apelar para os calorosos militares, para depois com muita ignorância ,como a do anônimo acima,colocar a culpa e dizer essa asneira de "ranços que herdamos de nossas ditaduras.Quanta burrice, ou cara de pau, ou desconhecimento da verdade, ou ainda complexo de nao ter conseguido entrar numa ACADEMIA MILITAR, ou ainda RAIVA dos militares simplesmente.Acorde BRASIL.Parabéns caro Professor Jose Geraldo Meireles.
ResponderExcluirCaro colega anônimo! Em essência, agradeço sua manifestação intensa em relação a este momento em que vivemos, em perspectiva temporal daqueles que se encontram vivos, tendo em vista a lembrança de fatos da história passada neste país. Acrescento apenas, e se o faço, o faço com todo o respeito, que apesar das inúmeras teorias existentes, ninguém sabe ao certo qual o significado e o sentido da vida.
ExcluirCertamente, pela necessidade inerente dos seres humanos buscarem algum grau de organização, seja ela uma sociedade harmoniosa, uma sociedade anônima, uma sociedade criminosa, ou ainda uma sociedade familiar, sou levado a crer que a presente existência possa ter algo a ver com aprender a nos organizarmos em algum grau, seja para um suposto bem comum (todos ganham), seja para um suposto bem pessoal (a lei do mais forte, mais esperto, mais malandro, mais sabichão, mais revoltado, mais rico, mais poderoso, mais...).
Acho ambicioso de nossa parte acreditar que possa haver uma fórmula mágica para estes disparates... Entretanto, alguns que já assumiram a forma humana deixaram exemplos, a partir dos quais podemos aprender um pouco quando estudamos as obras a seu respeito, afinal educação, entendo, é aprender com erros e exemplos não é mesmo? Sócrates - condenado a ser assassinado com veneno, pelo supremo tribunal da época ou conselho dos tiranos; Jesus - condenado a ser assassinado por crucificação pelo supremo tribunal da época; Hipácia de Alexandria - condenada a ser assassinada por esquartejamento pelo tribunal de sua época; Gandhi - condenado a ser assassinado pelo tribunal oculto de sua época; entre outros luminares que já habitaram corpos humanos.
Acredito muito que fazer o melhor que podemos sem despertar a animosidade que no fundo todos trazemos pode fazer as coisas menos piores do que estão, pois melhor mesmo, parece que nossos pares humanos ainda não estão preparados ou mesmo desejando...
Concordo profundamente com você quanto à necessidade de acordar da situação em que alguém nos colocou ("deitados eternamente em berço esplêndido", não é assim que cantamos?), mas acredito que isto deva acontecer da forma mais amorosa possível que cada um de nós seja capaz, isso se não quisermos repetir os erros do passado.
O contrário de uma coisa pode resultar na mesma coisa ao contrário; o novo e transformador é algo que integra opostos, gerando um bem, que é novo e é bom, porque é comum e engloba os diferentes. Algo só é possível a partir do amor, que a tudo inclui e nada exclui. Moral, Ética e Mística, o caminho das pedras que vale a pena considerarmos juntos.
Boa tarde!
ResponderExcluirObrigada pelas verdadeiras colocações psicólogo José Geraldo, e também ao Dr. Ricardo pelo espaço.
É difícil falar de uma realidade tão triste, que é a educação brasileira. Eu presenciei a queda da disciplina psicologia, perdi todas as minhas aulas e simplesmente fui também congelada segundo a denominação usada pela Secretaria da Educação, é lamentável...
Sim existem diversas teorias, umas boas outras não sei, falando de saídas para melhorar a educação. Uns até tentam, outros continuam na mesma. A realidade hoje é diferente, mas o professor é importante, nunca vai perder o seu espaço, é um referencial importantíssimo para a formação do aluno, que precisa de um indicador para sua evolução. As tecnologias são importantes, é possível aprender, não precisa haver disputa. Mas o ser humano nunca vai ser superado pela máquina, desde que seja um professor atrativo, motivado, alegre, amoroso etc. Nesta minha caminhada, aprendi que quando queremos que algo aconteça, acontece. Mas do jeito que deve acontecer, o resultado não depende de nós, a vida segue seu curso, nada é por acaso. E não devemos nos iludir com saídas mágicas, para uma situação tão complexa. Somente com muito trabalho e persistência, poderemos ajudar à muitos acordarem, mas cada qual segue o seu caminho.
Continuo acreditando também que a educação vai melhorar, talvez nem estarei mais aqui para ver; se cada um de nós fazermos a nossa parte, nem teremos tanto tempo para saber o que não está dando certo.
Por final só vou dar mais um exemplo: hoje continuo lecionando na escola pública; uma simples mudança das mesas/carteiras que sugeri em várias escolas aos alunos/professores não foi aceita, as disposição das carteiras continuam a mesma desde o século XIV, eu não entendo o que realmente é avanço?
Abraços.
Assino embaixo!!! De tudo que li nesta fábula...é uma pena que seja assim...
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