sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

BAUDELAIRE E SOLIDÃO

Por Mário Inglesi


By Thomas Christensen, based on historical photos by Nadar and Etienne Carjat
Digital image, colored pixels - http://www.follymuseum.com/category/historical/

      Meu caro

      Em Baudelaire, dificuldades de toda ordem envolveram-no durante toda a sua vida. Desprezado, marginalizado e doente, manifesta em seu “A Uma da Manhã” não ter outro remédio senão buscar o silêncio e a solidão para separar-se do mundo e ensimesmar-se na busca da produção de versos que lhe ofereçam a dignidade de ser alguém.

      Essa busca em pleno século XIX, hoje parece avultar-se, em escala infinitamente maior, fazendo com que a solidão e o silêncio se transformem num objetivo ainda maior do homem citadino, no início deste século 21.

      Isso decorre da imensa gama gigantesca de barulhos, ruídos, sons indistintos ou não que nos cercam cotidiana e exasperadamente dia e noite, nas grandes e pequenas cidades, sob a infeliz justificativa de tratar-se da era da modernidade.  E mais, uma gama de preconceitos, de diferenciais e de modismos tentam pautar a nossa vivência cotidiana, como também aconteceu a Baudelaire, que à mingua não tinha nem onde ficar para um repouso noturno.

      É de se convir, entretanto, que tal situação não tem nada a ver com modernidade e sim, com o despropósito de tirar das pessoas o que lhes é mais caro e necessário a uma vida física e psíquica saudável, sem entremeios a separar as pessoas uma das outras.

     Evidente que as luzes da cidade nos arrebatam, nos deslumbram, nos fazem acreditar na existência de um lugar de fantasia e beleza. Porém, isto nos afasta da verdadeira face desumana que tais luzes encobrem.
 
      De fato, a poluição por gazes, a poluição de ruídos promovidos pelo trânsito, pelas obras em andamento, pelas sirenes das ambulâncias, do corpo de bombeiros, da polícia, pelos sons de alto falantes emitidos em passeatas de várias modalidades, pelos carros de sons anunciando produtos à venda ou em promoção, pela música insistente e insana dos carros de venda de gás, em regiões onde ainda não há gás encanado...

      Mais ainda, pelas rádios e televisores ligados em todos os lugares onde passamos ou entramos: supermercados, shoppings, lojas, estacionamentos, salas de espera, portarias, etc, etc. e etc.

      Isso sem contar a gritaria e os burburinhos dos camelôs, os latidos de cães de todo tipo e raça, as campainhas ou musiquinhas das mais diversas que soam em todos os lugares e recintos, sejam eles fechados ou não. Enfim, a informática a serviço do barulho e dos ruídos.

     Desse modo, como pensar adequadamente, como ensimesmar-se, transcender-se, como voltar-se a ouvir o outro, em suas angústias, queixas ou mesmo suas alegrias e satisfações, como separar-se desse mundo insano para ungir o infinito, viver a vida em sua simplicidade em sua grandiosidade, bem como a ter boas ações, ser criativo, ser humano em sua plenitude, ser não um, mas tão somente parte de uma espécie, dentro desse caos urbano?

      É, preciso repensar tudo, a começar pela lição de Baudelaire, que não teve pejo em romper com todas as amarras, e gritar a sua sôfrega necessidade de solidão, de silêncio, de repouso e de solidariedade quando:

 “todos os sofrimentos virão apenas de mim mesmo”. “Antes de tudo, uma volta dupla à fechadura.” “Parece-me que essa volta de chave aumentará minha solidão e reforçará as trincheiras que atualmente me separam do mundo”. (1)
 
“De coração contente escalei a montanha.
De onde se vê – prisão, hospital, lupanar,
Inferno, purgatório – a cidade tamanha.”
Em que o vício, como uma flor, floresce no ar.
Bem sabes, ó Satã, senhor de minha sina,’
Que não vim ter aqui para lagrimejar (sic)
...................................................................
..................................................................
- Amo-a, a infame capital! Às vezes dais,
Ó prostitutas e facínoras, prazeres
Que nunca há de entender o comum dos mortais. (2)

      Assim, Baudelaire, também, poderia muito intimamente cantarolar sem pejo, sufoco ou qualquer humilhação:
 
Vida, minha vida.
Olha o que é que eu fiz
Toquei na ferida,
Nos nervos, nos fios
Nos olhos dos homens
De olhos sombrios
Mas, vida, ali
Eu sei que fui feliz (3)

      Ah, Baudelaire! Baudelaire!: Atualidade. Modernidade. Beleza de criação. Profundidade. Exemplo em muitas e diversas direções: literárias, poéticas, humanas,
 
                *
(1) Trechos extraídos de “A Uma da Manhã”, págs. 31 e 32, de “Pequenos Poemas em Prosa, de Baudelaire, Ed. Civilização Brasileira, 1966.
(2) – Extrato de “Epílogo”, de Baudelaire, trad. de Manuel Bandeira, de Poemas Traduzidos, Ed. Aguilar, 1958.
(3) Vida - canção de Chico Buarque de Holanda.
 
Abraço solidário e compartilhado.
 
Mário Inglesi 20.11.2011


Um comentário:

  1. Esse é real.
    Parece que estou lendo a minha vida que coisa obrigada.
    Parabéns.
    Anjo"

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