Por Mário Inglesi
A pessoa e a literatura de Clarice Lispector (1925-1977) levam sempre a estigmatizá-las sob o rótulo de difíceis de trato a primeira e de leitura não menos subjetiva e inexplorada a segunda.
Esse posicionamento nos parece insuficiente para uma análise mais profunda e abrangente de ambas, configurando sempre em mistérios a serem desvendados com vagar e não menor esforço.
Daí a imagem, - talvez não alusão a Clarice Lispector, mas perfeitamente cabível a ela, dos versos de Caetano Veloso e Capinan:
Que mistérios tem Clarice?
Que mistérios tem Clarice?
Pra guardar-se assim tão firme
No coração
Que mistérios tem Clarice?
Pra guardar-se assim tão firme
No coração
Avessa a entrevistas e à difusão de fatos ou ocorrências de sua vida pessoal, Clarice se escondia quase impenetrável, sempre alegando cansaço, sob uma máscara própria, que segundo ela mesma diz “é o primeiro gesto voluntário humano. E solitário”.
Essa atitude, talvez seja decorrência do próprio duelo que ela travava com o mundo do Ter, que a amesquinhava e a compungia literalmente, em detrimento do seu “Ser” – próprio da simplicidade que sempre buscou e lutou em toda a sua vida existencial.
Mulher de diplomata, tendo de acompanhá-lo em viagens ocasionais a inúmeros países e tendo de enfrentar o “sucesso social” com agendas de compromissos com pessoas de máscaras fictícias, de inteligência pouca, educação frívola e medíocre, de beleza mentirosa, sempre postadas sob muitos subterfúgios, e de pensamentos ilusórios e propostas mesquinhas de salvar a humanidade, mas com um pensamento único: “Eu”.
Essa situação, só lhe oferece uma única saída – sempre perquirida -, escrever para se renovar e continuar a viver: “Eu nunca pretendi assumir atitude de superintelectual Eu nunca pretendi assumir atitude nenhuma. Levo uma vida corriqueira. Crio meus filhos. Cuido da Casa. Gosto de ver meus amigos. O resto é mito”. “A palavra foi aos poucos me desmistificando e me obrigando a não mentir.”
Essa simplicidade, sob o manto enigmático de uma pessoa difícil e complicada, é revelada em sua literatura, sem mistérios, apenas eivada de muita profundidade. “Sou complicada? Não, eu sou simples como Bach”. E é também configurada pelo seu “gosto pelos bichos, desde a infância quando era rodeada de gatos, que faziam a sua alegria e o inferno para os adultos”.
Assim, apesar de todo o ciclo de fatalidades que a assoberbou, a sua vida, como a separação do marido, nascer mulher, não se entregar a devaneios de luxo e riqueza, Clarice, de todo modo, representa bem a luta insana que ainda se trava em favor do mundo do “Ser” para fugir ao mundo inclemente da superficialidade de mostrar-se apenas como “diferencial” de um inócuo falso brilhante, que se esgota em si mesmo.
Clarice
Veio de um mistério,
Partiu para outro.
Ficamos sem saber a essência do mistério.
Ou o mistério não era essencial,
Era Clarice viajando nele.
Carlos Drumond de Andrade
Veio de um mistério,
Partiu para outro.
Ficamos sem saber a essência do mistério.
Ou o mistério não era essencial,
Era Clarice viajando nele.
Carlos Drumond de Andrade
O perfil de Clarice Lispector aqui pouco bem exposto – dado principalmente à grandiosidade da autora - tem por único objetivo trazer algumas reflexões sobre o mundo do Ser e suas dificuldades de conquista e implantação.
PS.: as declarações de Clarice Lispector, bem como o poema de Drummond foram extraídos de “Clarice Uma Vida que se Conta” de Nádia Batella Gotlitb, da Editora Ática, 1995
Abraço maior, de vez em sempre compartilhado
Mário Inglesi 07.11.2011
Clarice Lispector, uma mulher iluminada, que tentou de toda maneira não ser contaminada pelo ter, e de certa forma conseguiu. O bem é silencioso, não almeja nada de ninguém, apenas é. Não depende de coisas externas para viver, mas sabe dar o valor as suas necessidades. Num mundo tão superficial, o que é verdadeiro é invejado. O homem querendo viver, acaba morrendo por querer possuir.
ResponderExcluirAbraços
Clarice Lispector é uma mulher que mostrou o seu verdadeiro valor em escritos maravilhosos e são belos os seus ensinamentos.
ResponderExcluirAmo Clarice LIspector.
Parabéns ao meu anjo da guarda pelo bom gosto.
Beijos!