domingo, 21 de outubro de 2012

SOBRE VIVER E MORRER COM SAÚDE IV

POR MÁRIO INGLESI - "A ALEGRE SORRATEIRA" IV - CONTINUAÇÃO


O sétimo selo (1957) - Ingmar Bergman - Imperdível

Mas, preocupar-se com a morte própria ou alheia e individual, manifesta-se dobrar-se a ela e entregar-se, como, aliás, fazem muitos, inutilmente, esquecidos de que, na vida, nunca se passará pelo mesmo caminho.
É preciso, antes de mais nada, olhar ao redor, verificar quantos olhos, de matizes diversos estão aí para serem observados e vistos em sua profundidade; quantos rostos de fisionomias díspares e intrigantes estão em nossa frente para serem admirados; quantos braços estão abertos para receberem o entrelaçar de abraços; quantos desejos estão despertos para serem satisfeitos em bocas e seios; quantos rituais belos como o amanhecer ou alvorecer, o anoitecer, estão para serem apreciados juntamente com os gorjeios dos pássaros, os ruídos dos ventos, o farfalhar das folhas nas matas e o rugir dos animais, o marulhar das ondas, enfim, que a natureza e a humanidade estão a nos oferecer. Então para que ensimesmarmo-nos com a morte, se tudo em volta viceja em favor da vida, da continuidade dela. É preciso, isto sim, aprender com a morte, repensá-la continuamente com o caminhar dos jovens e suas vidas em floração.  Esse é o mote que se nos apresenta, tal como a personagem do cineasta polonês, Krystof Kieslovski, (1941-1996) no filme “A Liberdade é Azul”, pois, se a morte – segundo dizem – é destino, diga com Paulo Leminski (1944-1987):

“não discuto com o destino
o que pintar eu assino”
(in Poesia Jovem Anos 70, Ed. Abril Educação, 1982).

A morte como o futuro é coisa imprevisível, de inocuidade total de se preocupar. É um non sense, como mostra o poeta Cacaso (1944-1989).

- Como foi?
- Com revólver, arrebentou
 a cabeça. E nem sangue bastou
pra desatar seus cabelos.
O desespero cortou-se
pela raiz.
- Impossível, como foi?
- Assim.
- Mas como?
Dizia que estava desanimado,
que as coisas não faziam sentido.
Ultimamente
já nem saía de casa.

(Cacaso, - “O Futuro Chegou”, in Poesia Jovem Anos 70. Ed. Abril Educação, 1982).

Agora, se você é fissurado em morte, o melhor mesmo é vê-la através da literatura ou do cinema e outras artes, ou compungir-se com a morte de Jesus Cristo. Aí sim, são mortes advindas da criatividade e, portanto, dignas de compreensão, admiração, de choro, de piedade, de reflexão, de sonhos e devaneios, como são as mortes das heroínas Marguerite Gautier (A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas), Emma Bovary (A Madame Bovary, de Flaubert) ou Ana Karenina (Anna Karenina, de Leon Tolstói) e outras heroínas e heróis como Romeu e Julieta (Shakespeare) ou Ceci e Peri (O Guarani, de José de Alencar), Hamlet e Ofélia (também de Shakespeare), Dom Quixote (de Cervantes), bem como outras mais de heróis e heroínas gregos. Todos eles ainda vicejam mundo afora: são mortes, belas, sensíveis, encantadoras e, vejam só: imortais!



2 comentários:

  1. Na mesma pedra se encontram,
    Conforme o povo traduz,
    Quando se nasce - uma estrela,
    Quando se morre - uma cruz.
    Mas quantos que aqui repousam
    Hão de emendar-nos assim:
    "Ponham-me a cruz no princípio...
    E a luz da estrela no fim!"
    Mario Quintana.

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    1. Grande Quintana né? Sábio até na morte.
      Bj.

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