segunda-feira, 16 de julho de 2012

COMO PINTAR UM PÁSSARO





Jacques Prévert – Tradução - Carlos Drummond de Andrade

Pinte primeiro uma gaiola com a porta aberta.
Em seguida pinte alguma coisa graciosa,
alguma coisa simples, alguma coisa bonita, alguma coisa útil...
ao pássaro.
Depois, coloque a tela contra uma árvore
no jardim, no bosque ou na floresta
e esconda-se atrás da árvore sem dizer nada, sem se mexer.
Às vezes o pássaro chega logo,
mas pode levar muitos, muitos anos
até se resolver.


"Pássaro de dia"  por Ana Alice Francisquetti

Não desanime,
espere.
Espere, se preciso, durante anos.
A velocidade ou a lentidão da chegada
do pássaro, não tem a menor relação
com a qualidade da pintura.
Quando ele chegar
(se chegar)
mantenha o mais profundo silêncio,
espere que ele entre na gaiola.
Depois que entrar,
feche lentamente a porta com o pincel.
Aí então apague uma por uma todas as varetas.
(Cuidado para não esbarrar em nenhuma pena do pássaro.)
Finalmente pinte a árvore, reservando o mais belo de seus ramos
ao pássaro.
Pinte também a verde folhagem e a doçura do vento,
a poeira do sol, o rumorejo dos bichinhos da relva no calor da estação.
Depois aguarde que o pássaro se decida a cantar.
Se ele não cantar,
mau sinal:
sinal de que o quadro não presta.
Mas bom sinal, se ele canta:
sinal de que você pode assinar o quadro.
Então retire suavemente uma pena do pássaro
e escreva o seu nome a um canto do quadro.
"Pássaro ao anoitecer" por Ana Alice Francisquetti

3 comentários:

  1. Ri !
    Obrigada por dividir conosco algo tão belo e suave !
    Que possamos sempre ouvir o canto dos pássaros !

    ResponderExcluir
  2. Pássaros também são poemas...
    "Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês.
    Quando fechas o livro, eles alçam vôo como de um alçapão. Eles não têm pouso nem porto; alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem.
    E olhas, então, estas tuas mãos vazias, no maravilhoso espanto de saberes que o alimento deles, já estava em ti..." Quintana.

    ResponderExcluir
  3. Olá, Ricardo !

    Agradecemos por mais esta leitura que, como sempre, nos leva a reflexões e a nos conectarmos com a nossa alma.
    E o Pássaro nos diz muito mais com o seu vôo, seu canto, suas asas e sua liberdade , símbolo exato e perfeito que e'.
    Assim voando surgiu este Pássaro em desejo, em seguida pintado em tela, num poema e ,finalmente há poucos anos, em outra tela e desta vez glorioso e vivaz.

    Trouxemos o poema, hoje melhor compreendido com a nova introspecção :

    CANTO DO PÁSSARO CATIVO

    Muito além do urbano muro
    floresce reservada a floresta.
    Vegeta e pulsa o viver seguro
    longe da agitação que nos resta.

    Quem cativa o sabia'
    ouve o gorjeio de lá.

    Chega o filho do maltrato,
    serra em punho, venda a vista,
    cobiçando um bom contrato
    bem ao gosto calculista.

    Corre e serra o aço impune
    ferindo o lenho nobre
    que a ave ao mundo une.
    E nao há ninho que sobre.

    Treme e fulge a serra em ronco.
    Trina e foge a avezinha.
    Tombam copa, galhos, tronco,
    que os membros do homem espezinha.

    Recorta o todo em retalho
    banhado de seiva e dor.
    Só testemunha o orvalho
    que cobre a relva em frescor.

    Raiz de sono desperto,
    pena sem culpa, extração,
    impõem a terra o peito aberto
    da secular germinação.

    Segredos mortos e expostos
    do vegetal sem história,
    as aves, em outros postos,
    têm saudade... ou memória.

    Quem cativa o sabia'
    ouve o gorjeio de lá.

    Dulce Moron
    ( 1987 )

    Então, ... embora pareça tratar-se mais de ecologia, percebi a inserção da
    alma / pássaro no mundo, inseparável deste, aprendendo crescer e voar, tanto no seu habitat como fora e acima dele, quando possível.
    Assim liberta-se o sabia' do cativeiro pessoal. Transcender e' preciso.
    Abraços e gratidão,

    Dulce Moron

    ResponderExcluir