segunda-feira, 23 de julho de 2012

APARÊNCIA x ESSÊNCIA


POR: EVA DIALETACHI

Paul Levy seguia usando aquele desgastado colete de malha de carneiro mesmo nos prenúncios da primavera que germinavam de seus campos de hortaliças e legumes. De tão querida e velha, a lã já se resumia um estreito tecido de tear que mais lembrava uma penugem de cordeiro, embora sempre fosse mantida com bálsamo perfumado e dobrada com esmero nas prateleiras de madeira.
Não raramente, Paul caminhava até o tanque de lavar antes mesmo das aves graúnas fazerem seu giro matinal agourento, em pleno frio invernal, para revigorar com sabão as fibras de sua antiga infância, deixando para o Sol o trabalho da secagem. Nesses últimos dias, porém, os tomates já haviam se corado e esquecido todo o sofrimento da estiagem e do gelo, anunciando apenas as felizes promessas do mormaço primaveril. Eram chegados os tempos revigorantes, seus prediletos, do surgimento da vida e do verde, quando até mesmo se permitia o exercício da paciência ao receber vez ou outra algum conhecido em sua casa, o que logo lhe custava enormes quantidades de energia para não se aborrecer.
Tão cedo as visitas se despediam e cruzavam a robusta porteira de madeira tomada pelas trepadeiras selvagens, Paul já buscava um Mozart entre seus discos, e assim deixava-se transportar para as cortes de Esterházy, e compartia em êxtase a pureza de um mundo inocente, onde se nutria de um éter essencial e vislumbrava as verdades que tanto buscara durante sua carreira profissional de físico. Agora, maduro e sábio, já conhecia os homens e suas leis, e lhe interessavam mais os tomates.
  

5 comentários:

  1. "Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros." Lispector

    ResponderExcluir
  2. Ooops: William Blake

    Augúrios de inocência

    Ver um mundo num grão de areia,
    E um céu numa flor do campo,
    Capturar o infinito na palma da mão
    E a eternidade numa hora

    Um tordo rubro engaiolado
    deixa o céu inteiro irado
    Um cão com dono e esfaimado
    prediz a ruína do estado
    Ao grito da lebre caçada
    da mente, uma fibra é arrancada
    Ferida na asa a cotovia,
    um querubim, seu canto silencia....
    ....Toda noite e toda manhã linda,
    uns nascem para o doce gozo ainda
    outros nascem numa noite infinda
    Passamos na mentira a acreditar
    qdo não vemos através do olhar
    que uma noite nos traz e outra deduz,
    quando a alma dorme mergulhada em luz
    Deus aparece e Deus é luz amada
    para aqueles que na noite têm morada
    E na forma humana se anuncia,
    para aqueles que vivem nas regiões do dia.

    ResponderExcluir
  3. Amigo, muito delicado e sesivel este texto, o que nos remete a um reencontro sinfônico com algo semelhante de nosso ser.
    Os comentários revelam isto, e a mim, recordam outro poema pelo qual percebo a afinidade existente com muitos seres humanos. Eis :

    OUVINDO BETHOVEN

    Suave clamor que a alma extasia,
    sabe a arte a melhor parte
    Do que torna a existência luzidia.

    Se do amor ate por si nasceu,
    toca forte, além da morte,
    acordes concordes com o meu.

    Ouço. Longamente ouço vagas
    mais sonoras que as do mar
    ao ritmo de paixões, alegrias, sagas.

    Som da vida, poderia se chamar...
    Som piano, divino tecido humano
    em eterna rotação inter-estelar.

    Dulce Moron
    ( 1987 )

    Obrigada pela recomendação das leituras que vêm resgatando, como sempre, algum dos meus singelos poemas de um
    passado recente. E, ainda têm vida!
    Abraço,
    Dulce

    ResponderExcluir
  4. Obrigada Dr. Ricardo
    As coisas simples, é tão boa.
    A natureza é tão sábia, e o homem se esquece, que faz parte de tudo.
    Quer tanto complicar, querendo modificar tudo...
    O sorriso é espontâneo, e a beleza também.

    Abraços

    ResponderExcluir