Paul Levy seguia usando aquele
desgastado colete de malha de carneiro mesmo nos prenúncios da primavera que
germinavam de seus campos de hortaliças e legumes. De tão querida e velha, a lã
já se resumia um estreito tecido de tear que mais lembrava uma penugem de
cordeiro, embora sempre fosse mantida com bálsamo perfumado e dobrada com
esmero nas prateleiras de madeira.
Não raramente, Paul caminhava até o
tanque de lavar antes mesmo das aves graúnas fazerem seu giro matinal
agourento, em pleno frio invernal, para revigorar com sabão as fibras de sua
antiga infância, deixando para o Sol o trabalho da secagem. Nesses últimos
dias, porém, os tomates já haviam se corado e esquecido todo o sofrimento da
estiagem e do gelo, anunciando apenas as felizes promessas do mormaço
primaveril. Eram chegados os tempos revigorantes, seus prediletos, do
surgimento da vida e do verde, quando até mesmo se permitia o exercício da
paciência ao receber vez ou outra algum conhecido em sua casa, o que logo lhe
custava enormes quantidades de energia para não se aborrecer.
Tão cedo as visitas se despediam e
cruzavam a robusta porteira de madeira tomada pelas trepadeiras selvagens, Paul
já buscava um Mozart entre seus discos, e assim deixava-se transportar para as
cortes de Esterházy, e compartia em êxtase a pureza de um mundo inocente, onde
se nutria de um éter essencial e vislumbrava as verdades que tanto buscara
durante sua carreira profissional de físico. Agora, maduro e sábio, já conhecia
os homens e suas leis, e lhe interessavam mais os tomates.
Maravilhoso!
ResponderExcluir"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros." Lispector
ResponderExcluirOoops: William Blake
ResponderExcluirAugúrios de inocência
Ver um mundo num grão de areia,
E um céu numa flor do campo,
Capturar o infinito na palma da mão
E a eternidade numa hora
Um tordo rubro engaiolado
deixa o céu inteiro irado
Um cão com dono e esfaimado
prediz a ruína do estado
Ao grito da lebre caçada
da mente, uma fibra é arrancada
Ferida na asa a cotovia,
um querubim, seu canto silencia....
....Toda noite e toda manhã linda,
uns nascem para o doce gozo ainda
outros nascem numa noite infinda
Passamos na mentira a acreditar
qdo não vemos através do olhar
que uma noite nos traz e outra deduz,
quando a alma dorme mergulhada em luz
Deus aparece e Deus é luz amada
para aqueles que na noite têm morada
E na forma humana se anuncia,
para aqueles que vivem nas regiões do dia.
Amigo, muito delicado e sesivel este texto, o que nos remete a um reencontro sinfônico com algo semelhante de nosso ser.
ResponderExcluirOs comentários revelam isto, e a mim, recordam outro poema pelo qual percebo a afinidade existente com muitos seres humanos. Eis :
OUVINDO BETHOVEN
Suave clamor que a alma extasia,
sabe a arte a melhor parte
Do que torna a existência luzidia.
Se do amor ate por si nasceu,
toca forte, além da morte,
acordes concordes com o meu.
Ouço. Longamente ouço vagas
mais sonoras que as do mar
ao ritmo de paixões, alegrias, sagas.
Som da vida, poderia se chamar...
Som piano, divino tecido humano
em eterna rotação inter-estelar.
Dulce Moron
( 1987 )
Obrigada pela recomendação das leituras que vêm resgatando, como sempre, algum dos meus singelos poemas de um
passado recente. E, ainda têm vida!
Abraço,
Dulce
Obrigada Dr. Ricardo
ResponderExcluirAs coisas simples, é tão boa.
A natureza é tão sábia, e o homem se esquece, que faz parte de tudo.
Quer tanto complicar, querendo modificar tudo...
O sorriso é espontâneo, e a beleza também.
Abraços