PELO MESTRE: MANOEL DE BARROS
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
Era o mesmo que roubar um vento e sair correndo
com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos
A mãe reparou que o menino gostava
mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito
Porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever
seria o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu que era capaz
de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde
botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde
botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor
Esse Manoel de Barros!
ResponderExcluirO simples, eis a questão.
Não seria a solução?
Mas não. O ser humano quer a sofisticação, esquecendo-se que ela está ali nos nossos Manoéis(?) Drumonds, Guimarães, Pessoas, enfim, na vida que circunda a todos e que se perde numa busca adoidada do nada. "Êta vida besta" como diria o Carlos. Ou, "vai ser gauche na vida", que a sorrateira tá ali só de butuca...
Beijos.
Muito lindo e sensível! Obrigado Ricardo, bj
ResponderExcluirem breve teremos outras 365 chances de escolher.. mas hoje ainda é uma! (presente do ano-novo-quase-passado, ainda presente). agora é ainda uma chance..! agora - tempo prolongado pela poesia, dessa vez assinada pelo "caçador de achadouros da infância", Manoel de Barros, de garças, árvores e azuis..
ResponderExcluirhoje é ainda chance de virar borboleta.. "de ver com amor aquilo que não é.." de "voar fora da asa"..
Feliz hoje, feliz finzinho de 2012, feliz ano novo, novamente..!
Talvez Rilke
ResponderExcluirQue farás tu, meu Deus, se eu perecer?
Eu sou o teu vaso - e se me quebro?
Eu sou tua água - e se apodreço?
Sou tua roupa e teu trabalho
Comigo perdes tu o teu sentido.
Depois de mim não terás um lugar
Onde as palavras ardentes te saúdem.
Dos teus pés cansados cairão
As sandálias que sou.
Perderás tua ampla túnica.
Teu olhar que em minhas pálpebras,
Como num travesseiro,
Ardentemente recebo,
Virá me procurar por largo tempo
E se deitará, na hora do crepúsculo,
No duro chão de pedra.
Que farás tu, meu Deus? O medo me domina."
Que bela parceria essa não?
ExcluirChego a perder de vista o medo...
Ele e Nós...
Dr. Ricardo
ResponderExcluirRealmente todo menino - como tal – sempre foi ligado em despropósitos e peraltices das mais desbaratadas e intermitentes possíveis.
Sem dúvida – em última instância – a maior peraltice que mais nos encantou, e nos elevou no exercício de ser criança pela vida afora, e sermos humanos e únicos no planeta terra, foi, sem dúvida, o exercício de juntar letras, formar as palavras, de conhecê-las em sua profundidade e de usá-las em peraltices tamanhas de criação as mais diversas e impossíveis de serem imaginadas, como “uma pedra dar flor”, “animais falarem”, príncipes virarem sapo e toda uma gama de situações que deliciam nossa vida, enriquecendo a nossa criatividade na imaginação sempre crescente e perene de um mundo fantasioso e belo, sem paralelos com o mundo real, ainda que com seu substrato.
Usar as palavras, seja em que suporte for, até mesmo no silêncio de nossas horas diárias, é o nosso maior bem, como melhor exercício de ser criança e de elevarmo-nos à categoria de adulto sensível e de interação contínua com o mundo que nos cerca, numa viagem de “mil e uma noites” voando num tapete mágico, a exemplo das peraltices palavrosas do poeta e prosador emérito Manoel de Barros.
Mário Inglesi
02.01.2013
Têja dito senhor menino Mário!
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