segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

A FARRA & A FORRA



Pelo Dr. Mário Inglesi 
 



A FARRA



De há muito vem se expandindo pelas cidades brasileiras, uma farra das mais inusitadas, provinda talvez do grande alvoroço de atingirmos o ápice de cidades desenvolvidas, com plena configuração da abundância de luxo e riqueza.

 Essa farra – eta, belezura inconsequente! – hoje, podemos chamá-la de A FARRA DA ÁGUA. Principiou – acredite se quiser – com a expansão imobiliária, e o erguimento – como num passe de mágica – para os “novos ricos” de então, de prédios, e mais prédios, contendo piscinas ou piscinões, para gáudio da satisfação do ego de seus proprietários ou locatários.

Com esse esbanjar de aparências, veio o insuflar de carros nas garagens e, obviamente, com eles, a enxurrada de água para mantê-los limpos, como manda o figurino, dentro ou fora dos prédios, nos ditos lava-rápidos, que abundam por aí afora em óbvia consonância aos ditames da higiene.

Mas, a farra nesses prédios, não para por aí. Afinal há todas as demais áreas a serem limpas, não apenas com um esfregão molhado, mas com jorros e mais jorros de água por mangueiras, em horas e horas de trabalho dos encarregados da limpeza.

Essa prática, infelizmente não se atém a prédios de moradia ou de escritórios, ela se estende e abarca todo o fluxo do comércio, cuja lavagem das lojas e calçadas começa logo às primeiras horas do dia, num festival de mangueiras jorrando água, todos os dias, em proporções gigantescas, uma vez que o lixo acumulado não é varrido, mas apenas afastado das guias e calçadas e jogados pelos jorros e jorros de água para o meio da rua.

Isso, sem contar a limpeza das vitrines, cujos vidros são limpos a toque do mesmo procedimento, isto é, a jorros de água das mangueiras.

A farra do uso da água é incentivada desde cedo. Os supermercados vendem, a rodo, piscininhas de plásticos de tamanhos diversos para as crianças menos aquinhoadas brincarem e, assim, esbanjarem mais e mais litros de água.

Afora o conforto, bem estar, e ostentação, dos diversos banheiros (social, privativo, lavabo, de empregada) com suas respectivas banheiras de hidromassagem, e banhos de espuma, de relaxamento, adjudicados evidentemente, ao desperdiçar água e energia a granel, a farra da água manifesta-se como fato corriqueiro na vida diária, no que concerne especificamente à higiene, limpeza de pessoas e seus quilométricos imóveis de moradia.

Nesse entremeio, há os cuidados de higiene aos seus queridos companheiros, o tais animais domésticos, que se espalham por milhares de pet-shops, em mais um item de uso de água em abundância, sem falar no bebericar de água por cada um desses animais, diariamente.

Enquanto isso, na periferia, as torneiras pinga-pinga e os vazamentos afloram a olhos vistos, no desperdício de água e energia, inclusive pela limpeza braçal da casa, da louça, e quiçá, muitas vezes, até da roupa.

Afora, esses pequenos detalhes do uso exacerbado da água pela população, há ainda toda a imensidão de água consumida pela indústria, inclusive no congelamento de produtos destinados à exportação.

Nesse quesito, há ainda a indústria de cervejas e refrigerantes que abarcam água de poços artesianos para fabricação em embalagens não mais de garrafas ou garrafinhas de produtos, mas gigantescos envases de conteúdo de refrigerantes.

Outra faceta dessa farra são os litros e galões de água vendidos por distribuidoras, cujas marcas de duvidosa existência, fazem concorrência a outras já consagradas, cujo slogan televisivo, alerta “Beba Água TAL” isso fará bem a sua saúde.

Tanto assim se apresenta, que, agora, nas caminhadas e corridas de pedestres lá vão todos com suas garrafinhas de água industrializada.

Tudo isso, é apenas um pequeno detalhe da “FARRA DA ÁGUA”. Sua extensão é muito maior do que sabemos ou imaginamos.

Mas como tudo tem o seu preço, eis que “de repente, não mais que de repente” a canoa virou e aconteceu e ainda vem acontecendo em graus nunca vistos e imaginados:






A FORRA



A estiagem que vem assolando nossas diversas cidades vem, consequentemente, ajudando na promoção brusca da queda dos reservatórios de água, fazendo com que – embora o setor público e seus agentes continuem não admitindo: a vigência e escassez de água em diversas regiões do país, sem que se admita um racionamento ou se faça uma campanha pela mídia, em favor do uso adequado e consciente da ‘ÁGUA’, apresenta-se avassaladora e preocupante.



Com ares de futurólogo, Glauber Rocha já alertava em seu famoso “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, inspirado na obra, Os ”Sertões”, de Euclides da Cunha:

“O Sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão”.

É a “FORRA” da natureza contra todo esse esbanjar alucinatório do precioso líquido, cuja existência, assim como a do petróleo, e a de todos nós humanos, é finita e limitada. Não adianta rezar – ainda que rezar seja bom, e, muitas vezes até gratificante, nem contorcer-se em perjúrios ou esbanjar lágrimas inocentes.

É preciso convir e sempre ter presente no pensamento diário, que sem o “precioso líquido” o que será de nós, e do planeta, afinal aqui no Brasil, “Água também é Energia”. Nossa incompletude irracional no caso demonstra o quanto somos desvalidos e atilados em enfrentar situações de risco ou impedir sua existência.

Portanto “Saúde é Consciência”, é evidente. Mas Consciência é de todo modo, vital para nós todos, na multiplicidade de nossos usos, costumes e afazeres cotidianos, de modo diligente e eficaz, no que diz respeito ao uso da água. Tê-la, ainda que com parcimônia e de modo adequado, em benefício de todos nós habitantes deste planeta terra, não só é necessário, mas também é de urgência urgentíssima. De caráter, aliás, incontestável.

Nesse contexto, urge ter em mente, ainda e sempre, o milagre da inteligência: a capacidade de nós humanos, de, em todo trabalho fazer jorrar água pelas torneiras distribuídas em profusão pelos mais diversos cantos e recantos da casa ou fora dela, em nosso dia-a-dia, não só para uso pessoal de ingestão, como, também, para limpeza e higiene nossa e de tudo que usualmente nos cerca.

Esse milagre está aliado a outro grande milagre humano, o da produção de energia elétrica para iluminar nossas vidas e contribuir e facilitar nossos afazeres diários, por meio da gestão do uso de aparelhos elétricos, - domésticos - que nos dão uma sobrevida indispensável ao nosso bem estar benfazejo.





Esses milagres fazem-nos crer, firmemente, no dizer do poeta Manoel de Barros (19.12.16 - 13.11.2014).

“As águas são a epifania da criação”

Em assim sendo, manifesta-se de toda conveniência que reinventemos nossos hábitos, usos e costumes comportamentais, em prol da continuidade do fluir constante de nossas águas, e, obviamente de nossa saúde e bem estar.



Mário Inglesi


Um comentário:

  1. Reflexões fluidas e salutares, derramdas sobra a alma. Muito oportuno o texto - num tempo em que mesmo as almas parecem se ressecar, no abuso da água fora do corpo, mas também no corpo, já que somos mais água que terra. Obrigado!

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