segunda-feira, 22 de setembro de 2014

QUE MEDOOOOOOOOO!!!

       Dr. Ricardo
Há uma onda gigantesca que continua encobrindo avassaladoramente nossas grandes cidades, intimidando, apavorando, atemorizando e paralisando seus cidadãos sob a alcunha, de “medo”.
Ela surgiu como que de repente e foi engrossando à medida que os interesses econômicos e comerciais dela puderam tirar proveito até formarem um conglomerado que, a cada dia se renova e se estende, com a oferta de produtos os mais variados, agora de uso obrigatório na defesa de bens e patrimônio físico e material.
Seu nome comum e familiar cingia-se, inicialmente, a poucas e corriqueiras situações fortuitas e inusitadas – diga-se - de pouca frequência, pois ocupava principalmente, o meio rural, onde, insetos, animais de grande porte ou não, assim como os fenômenos naturais, como raios e trovões, deixavam seus moradores solertes. Aliados a isso, abundavam historietas fantásticas de seres como saci, mula sem cabeça e mil outros seres imaginários que, hoje, boa parte preenche nossas tradições sob a rubrica de folclore.
Isto advinha de situações cercadas de mistérios, e abarcava então objetiva e subjetivamente a maioria das pessoas, afinal não se tinha meios de segurança, a não ser o enfrentamento e morte dos possíveis algozes.
Felizmente, hoje, são bastante restritas tais áreas, dado o avançar do progresso, ungido pelo poder socioeconômico, elevando assim, a patamares citadinos muitas e muitas dessas regiões.
Com isso, o “medo” mudou, tornou-se, ainda mais agudo e ferrenho, fazendo dos sujeitos seres quase impotentes diante da infinitude dos medos imaginários ou não, dominantes e predominantes em cada ser humano.
Daí começou o trancar de portas e janelas com grades e mais grades. Mas isto não bastou, foi preciso promover os guardiões do patrimônio pessoal e físico, os denominados “policiais, seguranças etc.”. Hoje, nem eles servem tanto aos desígnios propostos, pois também caíram em desgraça: do descrédito e da desimportância.
Nesse contesto, apelou-se então para aparelhos como interfones, câmeras, sirenes, olhos mágicos nas portas.
Toda essa parafernália não afastou o medo, que os acometia. Então, surgiu o mais poderoso promotor da tranquilidade: o seguro de bens e pessoas, para salvaguarda financeira dos perdidos
Essa nova modalidade prosperou e prospera a cada dia, oferecendo pacotes e mais pacotes de segurança e indenização.
Paralelamente, recorreu-se, e, ainda recorre-se, a psicólogos, ou a baldes de tranquilizantes, ou então à escolha múltipla de livros de autoajuda ou, ainda, nos esparramamos em ritos e preces nas igrejas das multifacetadas religiões de plantão.
Mas, tudo isso, foi suplantado pelo maior engenho então descoberto e usado, em escala nunca vista e imaginada: “a arma” de fogo, de calibres vários a escolher. Sua grande vantagem é não exigir força do usuário, ser indolor, para quem a usa e, alcançar os objetivos, em caráter de urgência, urgentíssima: Acabar com os medos.
A indústria armamentista pessoal alcançou desde então, pícaros de venda e seus usuários espalharam-se por todas as camadas da população, uma vez que, usufruíram dela, tanto os “bons” quanto os “maus”, - os denominados assassinos – sejam diretos ou de aluguel.
Em caso de dificuldade em comprar ou arranjar armas e seus projéteis, busca-se o seu tráfico, cujo trabalho é fácil e não exige nada além do dinheiro.
Nesse patamar alcançamos, então, a propalada e tão desejada igualdade: a matança alcança um nível geral, indistintamente também, igualitária, seja em que circunstância for, de importância e de requintes ou não.
Com ela, entretanto, perdemos a liberdade. O medo tomou conta de todos. Trancafiamo-nos, e isolamo-nos em verdadeiros “Bunkers”. O outro só vemos do alto de nossos edifícios, a comunicação, caiu por terra, agora só pelos meios eletrônicos, Nada de tête-à-tête. Sair só de carro particular, assim mesmo, com blindagem, sempre que possível.
A paranoia do “medo”, sufoca e paralisa, atingindo-nos com doenças as mais diversas, em sua maioria duradouras, pesarosas e mortais, além de forçar discriminações, e preconceitos, atiçar ódios e revoltas, ver o “outro” apenas como inimigo, a ser combatido e eliminado, nos torna carcereiros covardes, estátuas de olhos que não veem, de ouvidos moucos e bocas sem vozes, mudas como o material que as fez.
Todavia, as indústrias afins ou paralelas, ligadas às doenças e à morte, em razão do “medo” crescem dia a dia e seus índices, hoje, atingem percentuais altíssimos – talvez maiores que os das guerras espalhadas pelo nosso universo -, sendo necessário então, criar, - oh céus! - de maneira “populista” todo um arcabouço de incentivos e, obviamente, programas de incremento ao “mais médicos”, mais hospitais, mais funerárias, mais terrenos destinados à moradia eterna’, mais isso, mais aquilo, etc. e etc.
Afinal, tal como nos declara o poeta português Alexandre O’Neil (1924-1986):

“O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém os veja
Mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos”
........................................................

(“O Poema Pouco Original do Medo)

Mas, para todos os fins, tal como no poema de Drummond, precisamos alijar a pedra ou o “medo”, ou qualquer outro empecilho que nos impeça de viver, para podermos então, declarar como o poeta, nesse mesmo poema:

“Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra”

Se não soubermos lidar com os medos que nos afligem – a exemplo das crianças com a sua leitura dos contos de fadas infantis ou trabalhá-los de modo a afugentá-los de vez do nosso cotidiano, com visões e práticas adequadas, isentas de moralismos e ajuizamentos apriorísticos inidôneos – aí sim, os medos nos envolverão objetivamente, em vista de fatos políticos, sociais e econômicos que realmente nos colocarão numa teia kafkiana amedrontadora, de emaranhado sem precedentes e de difícil ou impossível saída ou retrocesso.
Portando, ao abraçar o desfraldar do “Saúde é Consciência”,  conviria lembrar-se - sempre que possível - da abrangência e profundidade que o lema pode ter para o alcance e plenitude de uma vida única, quiçá curta, mas vivida de modo íntegro e participativo, sempre na busca precípua da feliz convivência com todos os nossos pares, neste pequeno e único espaço que habitamos.
Se isso não se fizer- Oh Senhor! – Valei-nos:

“Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente”(1)

Poesias Completas, Vinicius de Moraes. (1), Ed. Aguilar

E mais, sentir medo, - acreditem - é destruir as possibilidades de aceitar e usufruir das coisas novas que a própria modernidade vem mudando radicalmente em nossas vidas com a chegada benfazeja da informática, e de aparelhos novos que ajudam e programam a vida diária, modificando, inclusive, o nosso tempo de ócio, prazer e lazer.

Mário Inglesi

4 comentários:

  1. Parece que estamos mesmo num beco sem saída!
    Mas, será que não estamos com medo de nós mesmos, e, com a nossa alma trancada?
    Pensemos nisso!!!
    Beijo ao Mário e ao Ricardo e, parabéns por levantarem um problema consciencial como este que assola a todos.

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    1. Quando a alma tranca aí o medo se alevanta...
      E se tranca não tem conversa franca!
      E se o beco é sem saída a viagem é só de ida.

      Mas se alma branca aí não tem treta.
      Veja que se ponha clara e a malícia desmascara.
      Se é medo é franga; se não franca.

      Fausto da alma em penhora
      diz cada tempo ter sua hora;
      Medo de si mesmo é sina
      do humano que não ama.
      O amor é vitamina quando a alma é refém.

      Só ama quem tem alma
      Observe quem não tem...
      Se não tem está na lama lamentando essa lamúria.
      Se tem ama, ama e almeja e a alma voa leve e boa

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    2. Lindo poema Ricardo, lindo e significativo.
      Adorei!!!
      Bj

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  2. Obrigada Ricardo, pela rica e "temerosa fonte" de reflexão e porque não dizer também, pelo enfoque "saudável" de um "elo" para a "mudança" ao nos tornarmos mais fortes e eficazes administradores dos desafios que nos cercam...
    Luz e Paz...

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