POR MÁRIO INGLESI
Continuação de:
Ou, em tempos mais recentes, no mesmo tom, radicaliza Haroldo de Campos em seu poema “circum-lóquio”
Continuação de:
Exceção a esse emaranhado de fios que comportam as
máscaras com os mais indizíveis sentimentos e manifestações, se nos apresenta, configurada
numa ausência total de qualquer tipo de exteriorização de sentimentos
identificadores, a “face nua”, sem máscara. Em princípio, se nos afigura uma
impossibilidade, pois é como se as pessoas abandonassem as identidades plurais
que as configuram como fonte primeira do conhecimento do outro, em direções as
mais diversas, ou seja, dos sentidos, dos sentimentos, da linguagem, como da
própria apresentação da figura humana, primordialmente através da face, ou, a
bem dizer, de sua máscara. Isto representaria apenas uma face pétrea, imóvel,
sem quaisquer sentimentos, uma máscara sem vida, de mármore, ou de pedras
múltiplas, ou de gesso, para apresentação homenagem, de um mito-símbolo: um
herói, um poeta, um gênio, e até, quem sabe, um marco na vida da Nação.
Tal face embora reconhecida e apreciada por alguns ou
por muitos, não oferece nenhum grau emocional imediato, É como uma fotografia
antiga, uma máscara mortuária, onde os personagens são reconhecíveis mas não
causam nenhum sentimento, a não ser quando apela-se para a memória
sócio-cultural afetiva, ou histórica, pois, afora isto, mostra-se como uma face
desconhecida, como um nome de rua, cujo personagem desconhecemos, já que não fizeram
parte de nossa vivência, não passando assim, de mera figura, de um nome de rua,
que nos acostumamos a conhecer, sem motivos outros que não o da identificação
para nossa possível localização. Isenta
de sentimentos ou de comunicação imediata, tal face ou sua máscara, é o vazio
que nenhum ser humano pode apreciar e suportar.
E se acrescentar que, o portador dessa máscara acumula
certezas, inclusive sobre a perenidade infinita do mundo como se lhe apresenta,
podendo dizer, com João Ubaldo, em Sargento Getúlio:
“Eu não gosto que
o mundo mude.
Me dá agonia”.
Ou, em tempos mais recentes, no mesmo tom, radicaliza Haroldo de Campos em seu poema “circum-lóquio”
…
7.
o neo liberal
sonha um admirável
mundo fixo
de argentários e multinacionais
terratenentes terrapotentes coronéis políticos
milenaristas (cooptados) do perpétuo
status quo:
um mundo privé
palácio de cristal
à prova de balas:
bunker blau
durando para sempre – festa estática
(ainda que sustente sobre fictas
Palafitas
e estas sobre uma lata
de lixo)
Exemplar típico dessa face bruta, com marcas
exacerbadas de um egoísmo monstruoso, que fazem de seu portador um ser de
coração pequeno e de uma insensibilidade intensa, é Paulo Honório, personagem de
São Bernardo, de Graciliano Ramos, cujo egoísmo o faz perder-se num emaranhado
desértico de sentimentos, para consigo mesmo e para com todos os outros que o
rodeiam.
O mais interessante que ocorre com a face imobilizada
e bruta é que ela se espraia também sobre as instituições importantes como a
educação, a escola, a política, a ética, e o assistencialismo – hoje tão em
voga. etc. etc.
Veja-se o caso da educação. Num mundo cheio de dúvidas,
que vem a pedir de todos nós uma interatividade compartilhada, a educação, por
exemplo, na escola, seja pública ou particular, se pauta ainda na fragmentação
e segmentação das matérias escolares, na aprovação dos alunos para medir o que
sabem. Ainda, a educação é feita de modo a isolar aprendizes da sociedade,
formando espaços para alienação, insatisfação, sacrifício, passividade,
hierarquia desmesurada, onde ver, ouvir e pensar de modo amplo, profundo e
conectado com a complexidade do mundo em pleno século 21, não constituem
modalidades de aprendizado cultural e social.
Nessa mesma pauta insere-se o assistencialismo, cuja
máscara usada principalmente em relação à África, encobre celebridades
ocidentais, em sua maioria, brancas, com “marcas tribais” pintadas no rosto,
sobre o slogan “sou africano” escrito em letras garrafais. Com essa identidade
fictícia suas fotos circulam pelo mundo, sob a mais fantasiosa solidariedade
assistencialista, pois afasta medidas de reconhecimentos, de parcerias equitativas
com outros membros da comunidade internacional - estas sim capazes de fazer com
que a África alcance um crescimento inusitado, por conta própria, conforme se
depreende do trecho do artigo de Uzodinma Iweala – escritor nigeriano,
reproduzido pela Folha de São Paulo, - Mais!, de 09.09.2007.
Contrariamente a tais máscaras e seu imobilismo,
felizmente o ser humano, ainda que de modo particular, não se ajusta à
realidade como ela se apresenta. Talvez em razão de sua vulnerabilidade, em
face da limitação de sua existência. Com isso, sua relação se torna conflituosa
com a natureza da imagem, procurando sempre ir além das aparências e suas
reproduções fotográficas. O real, ainda que reproduzido fotograficamente em sua
fidelidade o sufoca, o oprime. Melhor vê-lo não mais em abstrações, ainda que
na arte, mas em suas distorções mais inusitadas. Para tanto, toma do real ilustrado,
para destruí-lo em sua aparência comum e construir outra figuração, outra
imagem, uma imagem imaginada, uma imagem criativa do mundo, ainda que
distorcida e irreal, que nos pega como numa armadilha. Não podemos deixar de
olhar, de admirar, de refletir e nos assombrarmos ou nos horrorizarmos com suas
discrepâncias. Afinal, é uma marca figurativa, uma máscara inolvidável, uma
máscara eterna, como aquelas vistas ou usadas em rituais de povos
primitivos. Essa é a atitude que marca o
estranhamento imagético-distorcido da pintura de Francis Bacon, pintor irlandês
(1909-92).
Neste como em outros casos, a distorção ou nova
formação ou formatação, trás à tona a máscara do inconformismo diante do real.
Em outro patamar, há artistas plásticos que tomam elementos do real para dar
novos sentidos gráficos, com a criação de objetos imagéticos. São outras novas
máscaras criadas a partir da transformação de “letras” do alfabeto em artes
visuais, os chamados Grafemas, isto é, a codificação do processo linguístico plasticamente,
como é o caso do artista plástico alagoano Jurandyr Valença, de 43 anos.
Por isso tudo,
a face, com suas máscaras, de maior ou menor significação é sempre o nosso
principal meio concreto de construção, desconstrução, visualização, de empatia para
uma identificação imediata ou não com o mundo e, particularmente, com o
outro. Com isso - acreditamos - elas são
fundamentais para o aprofundamento e conhecimento compartilhados, de modo consciente
e democrático de todas as nossas ações em busca de soluções para os problemas
comuns, ou de gêneros os mais diversos, inclusive de saúde, que nos afligem ou
possam vir a nos afligir, ainda que, em alguns casos excepcionais, uma
identidade sobremaneira agigantada como a de um pai, por exemplo, possa sufocar
a identidade do filho ou vice-versamente, como por vezes tende a ocorrer com
pessoas literalmente famosas.
Mas, de todo modo, como assevera o poeta e compositor
Arnaldo Antunes, em 2 ou + corpos no mesmo espaço, (ed. Perspectiva, 1997)
“O seu olhar melhora o meu”.
Mas, para que esse olhar aconteça é preciso também a
educação dele e dos outros demais sentidos, em prol de uma aculturação que nos
leve ao saber em sua profundidade, eivado logicamente de democracia e
popularidade.
Entretanto, só um talento excepcional, como o de “ATOR /ATRIZ”, para nos fazer ver com minúcias e profundidade as faces e as máscaras da alma humana em sua plenitude, seja qual for o suporte que use: “Palco”, “Tela Grande/ Cinema” ou Pequena/TV ou ainda as praças, rua, a vila, a viela ou o que se apresentar, como, aliás, faz o teatro da “Vertigem” que já encenou seus textos em hospitais, igrejas e até no rio Tietê, não para surpreender o espectador, mas, para melhor aproximar e aprofundar o teor que lhe vai ser apresentado e alçar a alma humana a patamares mais próximos de nós. Ou também, como se apresentam, ao ar livre e/ou a céu aberto, os grupos “Parlapatões” “O Galpão” e outros, para atingir a popularidade, sempre almejada, de seus espetáculos.
Entretanto, só um talento excepcional, como o de “ATOR /ATRIZ”, para nos fazer ver com minúcias e profundidade as faces e as máscaras da alma humana em sua plenitude, seja qual for o suporte que use: “Palco”, “Tela Grande/ Cinema” ou Pequena/TV ou ainda as praças, rua, a vila, a viela ou o que se apresentar, como, aliás, faz o teatro da “Vertigem” que já encenou seus textos em hospitais, igrejas e até no rio Tietê, não para surpreender o espectador, mas, para melhor aproximar e aprofundar o teor que lhe vai ser apresentado e alçar a alma humana a patamares mais próximos de nós. Ou também, como se apresentam, ao ar livre e/ou a céu aberto, os grupos “Parlapatões” “O Galpão” e outros, para atingir a popularidade, sempre almejada, de seus espetáculos.
Juntem-se a isso os saraus ou recitais de poesias realizados
em locais inusitados como bares, botecos ou outras dependências quaisquer, com
o fito de levar a público as máscaras de faces inimaginadas, abstraindo-se em
contornos ou esforços inúmeros para driblar os empecilhos de “uma pedra no meio
do caminho”, como diria Drummond.
Continua...
Como nos mostra a excelente ilustração no topo do texto, a posse da máscara, talvez, seja imprescindível.
ResponderExcluirCreio ser impossível viver sem ela, mas creio também que não deva ser ela necessariamente a da hipocrisia, e sim a do convívio harmonioso com a diversidade do ser humano. Um belo e singelo exemplo é a máscara do palhaço, que às vezes, escondendo um grande sofrimento do seu portador, leva a alegria a quem o assiste, principalmente às crianças. (Vale a pena ver o filme " Luzes da cidade" do Chaplin).
Um grande abraço ao Mário e ao dr. Ricardo por nos proporcionar mais esta reflexão.
Melhor ainda, o filme "Luzes da Ribalta", também do Chaplin.
ExcluirAbraço.