quarta-feira, 9 de maio de 2012

MÁSCARAS E MASCARADOS VI - SAÚDE SOCIAL

POR MÁRIO INGLESI

Continuação de:



Exceção a esse emaranhado de fios que comportam as máscaras com os mais indizíveis sentimentos e manifestações, se nos apresenta, configurada numa ausência total de qualquer tipo de exteriorização de sentimentos identificadores, a “face nua”, sem máscara. Em princípio, se nos afigura uma impossibilidade, pois é como se as pessoas abandonassem as identidades plurais que as configuram como fonte primeira do conhecimento do outro, em direções as mais diversas, ou seja, dos sentidos, dos sentimentos, da linguagem, como da própria apresentação da figura humana, primordialmente através da face, ou, a bem dizer, de sua máscara. Isto representaria apenas uma face pétrea, imóvel, sem quaisquer sentimentos, uma máscara sem vida, de mármore, ou de pedras múltiplas, ou de gesso, para apresentação homenagem, de um mito-símbolo: um herói, um poeta, um gênio, e até, quem sabe, um marco na vida da Nação.
Tal face embora reconhecida e apreciada por alguns ou por muitos, não oferece nenhum grau emocional imediato, É como uma fotografia antiga, uma máscara mortuária, onde os personagens são reconhecíveis mas não causam nenhum sentimento, a não ser quando apela-se para a memória sócio-cultural afetiva, ou histórica, pois, afora isto, mostra-se como uma face desconhecida, como um nome de rua, cujo personagem desconhecemos, já que não fizeram parte de nossa vivência, não passando assim, de mera figura, de um nome de rua, que nos acostumamos a conhecer, sem motivos outros que não o da identificação para nossa possível localização.  Isenta de sentimentos ou de comunicação imediata, tal face ou sua máscara, é o vazio que nenhum ser humano pode apreciar e suportar.
E se acrescentar que, o portador dessa máscara acumula certezas, inclusive sobre a perenidade infinita do mundo como se lhe apresenta, podendo dizer, com João Ubaldo, em Sargento Getúlio:

“Eu não gosto que
o mundo mude.
Me dá agonia”.

Ou, em tempos mais recentes, no mesmo tom, radicaliza Haroldo de Campos em seu poema “circum-lóquio”
7.
o neo liberal
sonha um admirável
mundo fixo
de argentários e multinacionais
terratenentes terrapotentes coronéis políticos
milenaristas (cooptados) do perpétuo
status quo:
um mundo privé
palácio de cristal
à prova de balas:
bunker blau
durando para sempre – festa estática
(ainda que sustente sobre fictas
Palafitas
e estas sobre uma lata
de lixo)

Exemplar típico dessa face bruta, com marcas exacerbadas de um egoísmo monstruoso, que fazem de seu portador um ser de coração pequeno e de uma insensibilidade intensa, é Paulo Honório, personagem de São Bernardo, de Graciliano Ramos, cujo egoísmo o faz perder-se num emaranhado desértico de sentimentos, para consigo mesmo e para com todos os outros que o rodeiam.
O mais interessante que ocorre com a face imobilizada e bruta é que ela se espraia também sobre as instituições importantes como a educação, a escola, a política, a ética, e o assistencialismo – hoje tão em voga. etc. etc.
Veja-se o caso da educação. Num mundo cheio de dúvidas, que vem a pedir de todos nós uma interatividade compartilhada, a educação, por exemplo, na escola, seja pública ou particular, se pauta ainda na fragmentação e segmentação das matérias escolares, na aprovação dos alunos para medir o que sabem. Ainda, a educação é feita de modo a isolar aprendizes da sociedade, formando espaços para alienação, insatisfação, sacrifício, passividade, hierarquia desmesurada, onde ver, ouvir e pensar de modo amplo, profundo e conectado com a complexidade do mundo em pleno século 21, não constituem modalidades de aprendizado cultural e social.
Nessa mesma pauta insere-se o assistencialismo, cuja máscara usada principalmente em relação à África, encobre celebridades ocidentais, em sua maioria, brancas, com “marcas tribais” pintadas no rosto, sobre o slogan “sou africano” escrito em letras garrafais. Com essa identidade fictícia suas fotos circulam pelo mundo, sob a mais fantasiosa solidariedade assistencialista, pois afasta medidas de reconhecimentos, de parcerias equitativas com outros membros da comunidade internacional - estas sim capazes de fazer com que a África alcance um crescimento inusitado, por conta própria, conforme se depreende do trecho do artigo de Uzodinma Iweala – escritor nigeriano, reproduzido pela Folha de São Paulo, - Mais!, de 09.09.2007.
Contrariamente a tais máscaras e seu imobilismo, felizmente o ser humano, ainda que de modo particular, não se ajusta à realidade como ela se apresenta. Talvez em razão de sua vulnerabilidade, em face da limitação de sua existência. Com isso, sua relação se torna conflituosa com a natureza da imagem, procurando sempre ir além das aparências e suas reproduções fotográficas. O real, ainda que reproduzido fotograficamente em sua fidelidade o sufoca, o oprime. Melhor vê-lo não mais em abstrações, ainda que na arte, mas em suas distorções mais inusitadas. Para tanto, toma do real ilustrado, para destruí-lo em sua aparência comum e construir outra figuração, outra imagem, uma imagem imaginada, uma imagem criativa do mundo, ainda que distorcida e irreal, que nos pega como numa armadilha. Não podemos deixar de olhar, de admirar, de refletir e nos assombrarmos ou nos horrorizarmos com suas discrepâncias. Afinal, é uma marca figurativa, uma máscara inolvidável, uma máscara eterna, como aquelas vistas ou usadas em rituais de povos primitivos.  Essa é a atitude que marca o estranhamento imagético-distorcido da pintura de Francis Bacon, pintor irlandês (1909-92).
Neste como em outros casos, a distorção ou nova formação ou formatação, trás à tona a máscara do inconformismo diante do real. Em outro patamar, há artistas plásticos que tomam elementos do real para dar novos sentidos gráficos, com a criação de objetos imagéticos. São outras novas máscaras criadas a partir da transformação de “letras” do alfabeto em artes visuais, os chamados Grafemas, isto é, a codificação do processo linguístico plasticamente, como é o caso do artista plástico alagoano Jurandyr Valença, de 43 anos.  
 Por isso tudo, a face, com suas máscaras, de maior ou menor significação é sempre o nosso principal meio concreto de construção, desconstrução, visualização, de empatia para uma identificação imediata ou não com o mundo e, particularmente, com o outro.  Com isso - acreditamos - elas são fundamentais para o aprofundamento e conhecimento compartilhados, de modo consciente e democrático de todas as nossas ações em busca de soluções para os problemas comuns, ou de gêneros os mais diversos, inclusive de saúde, que nos afligem ou possam vir a nos afligir, ainda que, em alguns casos excepcionais, uma identidade sobremaneira agigantada como a de um pai, por exemplo, possa sufocar a identidade do filho ou vice-versamente, como por vezes tende a ocorrer com pessoas literalmente famosas.
Mas, de todo modo, como assevera o poeta e compositor Arnaldo Antunes, em 2 ou + corpos no mesmo espaço, (ed. Perspectiva, 1997)
“O seu olhar melhora o meu”.
Mas, para que esse olhar aconteça é preciso também a educação dele e dos outros demais sentidos, em prol de uma aculturação que nos leve ao saber em sua profundidade, eivado logicamente de democracia e popularidade.
Entretanto, só um talento excepcional, como o de “ATOR /ATRIZ”, para nos fazer ver com minúcias e profundidade as faces e as máscaras da alma humana em sua plenitude, seja qual for o suporte que use: “Palco”, “Tela Grande/ Cinema” ou Pequena/TV ou ainda as praças, rua, a vila, a viela ou o que se apresentar, como, aliás, faz o teatro da “Vertigem” que já encenou seus textos em hospitais, igrejas e até no rio Tietê, não para surpreender o espectador, mas, para melhor aproximar e aprofundar o teor que lhe vai ser apresentado e alçar a alma humana a patamares mais próximos de nós. Ou também, como se apresentam, ao ar livre e/ou a céu aberto, os grupos “Parlapatões” “O Galpão” e outros, para atingir a popularidade, sempre almejada, de seus espetáculos.
Juntem-se a isso os saraus ou recitais de poesias realizados em locais inusitados como bares, botecos ou outras dependências quaisquer, com o fito de levar a público as máscaras de faces inimaginadas, abstraindo-se em contornos ou esforços inúmeros para driblar os empecilhos de “uma pedra no meio do caminho”, como diria Drummond.
Continua...

2 comentários:

  1. Como nos mostra a excelente ilustração no topo do texto, a posse da máscara, talvez, seja imprescindível.
    Creio ser impossível viver sem ela, mas creio também que não deva ser ela necessariamente a da hipocrisia, e sim a do convívio harmonioso com a diversidade do ser humano. Um belo e singelo exemplo é a máscara do palhaço, que às vezes, escondendo um grande sofrimento do seu portador, leva a alegria a quem o assiste, principalmente às crianças. (Vale a pena ver o filme " Luzes da cidade" do Chaplin).
    Um grande abraço ao Mário e ao dr. Ricardo por nos proporcionar mais esta reflexão.

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    1. Melhor ainda, o filme "Luzes da Ribalta", também do Chaplin.
      Abraço.

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