terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

O MÉTODO CIENTÍFICO DE GOETHE II

Por: Clara Oliva Antoniazzi - clara.antoniazzi@gmail.com / http://sejamosseres.blogspot.com.br
Continuação de: Ciência Goetheana

Esse capítulo introduz Goethe como cientista através de seu método de pesquisa. No começo explicarei a ciência de Goethe baseando-me nos seus próprios textos, em seguida elucidarei sua metodologia através da interpretação de Nigel Hoffman.
“Você precisa confiar em seus sentidos:
eles não te mostrarão nada falso
se sua inteligência se mantiver acordada.
Mantenha seus olhos puros e abertos e lépidos,
e mova-se com passos certos, porém flexíveis,
por entre campos de um mundo ricamente dotado”
(Goethe, citado em Nayldler, 1996: 29)
Johann Wolfgang von Goethe nasceu na Alemanha dia 28 de agosto de 1749. É considerado um dos maiores escritores da literatura moderna, sendo conhecido mundialmente por seu memorável trabalho literário Fausto. Por isso é possível surpreender-se ao saber que Goethe também era um cientista e que ‘considerou suas pesquisas científicas seu feito mais significativo’ (Miller, 2009: xvi). Dentre suas realizações na área da ciência encontramos: a descoberta do osso intermaxilar no ser humano (o que ajudou a preparar a base para a teoria moderna da evolução); uma investigação original sobre o processo de crescimento das plantas; foi o primeiro a usar o termo morfologia e o primeiro a compreender corretamente a resposta fisiológica normal às cores (Miller, 1995: xi). Seu trabalho dentro da ciência inclui as áreas de morfologia, botânica, zoologia, geologia, meteorologia e física, onde ele realizou seu trabalho científico mais substancial, Teoria das Cores em 1810 (Miller, 2009: xvi), no qual ele oferece uma alternativa à visão Newtoniana.
Com o avanço tecnológico e o uso de instrumentos mais precisos e sensíveis do que o corpo humano no estudo dos fenômenos, a abordagem mecanicista e reducionista ganha espaço quanto ao modo de apreensão do mundo. Goethe batalhou contra a maneira pela qual a ciência estava sendo feita na sua época. Ele não concordava com o pensamento newtoniano mecanicista, com a forma reducionista de quebrar um sistema em partes e estudá-las cada vez mais profundamente esquecendo o todo e ignorando o contexto maior. Goethe ‘podia ver o benefício da observação cada vez mais precisa através do uso de instrumentos, [mas] ele acreditava que a menos que essas observações fossem reconectadas com a relação viva humana com a natureza, elas iriam levar ao entendimento unilateral distorcido do mundo’ (Naydler, 1996: 28). Para Goethe partes e todo deveriam ser estudas em relação uma com a outra. Ele escreveu: ‘Mentes fracas cometem o erro mental de pular diretamente do particular para o geral quando, na verdade, o geral pode ser encontrado somente dentro do todo’ (Goethe, 1995: 307). Ele estava olhando para as partes para encontrar o todo e para o todo para encontrar as partes; ele estava vendo um todo múltiplo ao invés de partes diferentes que formariam um tudo ou um todo que poderia ser dividido em partes. Henri Bortoft, em seu livro “The Wholeness of Nature: Goethe’s Way of Science” (A Totalidade da Natureza: A Ciência de Goethe), escreve maravilhosamente sobre a relação entre as partes e o todo:
“O risco da emergência é tal que o todo depende das partes para poder aparecer e as partes dependem desse aparecimento do todo para serem significantes ao invés de superficiais. O reconhecimento da parte só é possível através do ‘surgimento’ do todo” (Bortoft, 1996: 11).
A relação entre partes e todo é um processo dinâmico. Isso é exatamente o que interessava Goethe: a dinâmica dos sistemas vivos, como o processo no qual organismos vivos surgem. Mas, como Goethe percebia essa relação das partes com o todo?
A metodologia científica de Goethe, a qual ele chamou de empirismo delicado, era baseada em observação empírica. Ele observava os fenômenos deixando-os falar por eles mesmos, ignorando o preconceito. Seu objetivo era encontrar o que ele chamava de Fenômenos Arquetípicos (Ürphänomen), os fenômenos originais, conceitos ou ideias que podem ser captados através da percepção intuitiva. Goethe descreveu os fenômenos arquetípicos como ‘ideais, reais, simbólicos, idênticos. Ideais como o conhecimento máximo que podemos ter; reais como aquilo que podemos saber; simbólicos porque incluem todas as instâncias; idênticos a todas as instâncias’ (Goethe, 1995: 303). Para ele o limite da nossa percepção é quando reconhecemos os fenômenos arquetípicos. Ele acreditava que é um erro tentarmos ir além dos Ürphänomen já que a partir deles é possível tornar tudo o que foi observado inteligível.
‘O máximo que alguém pode alcançar é maravilhar-se. Quando o Fenômeno Arquetípico faz alguém maravilhar-se, que esse alguém fique contente. Não é possível permitir-se uma experiência além disso, e buscar algo mais é fútil. Aqui está o limite. Mas é regra as pessoas não se satisfazerem com a contemplação de um Fenômeno Arquetípico. Elas acreditam que deve ter algo além. Elas são como crianças que, ao olhar para um espelho, viram-no para ver o que é que tem do outro lado’ (Goethe, 1996: 109).
Goethe considerava os Fenômenos Arquetípicos divinos, núcleo essencial que faz o fenômeno ‘ser o que é e o que se torna’ (Seamon, 1998: 4). Ele acreditava que a maneira de captar os Ürphänomem é vivê-los em uma experiência pura, tentando racionalizar o menos possível, mas ao mesmo tempo não esquecendo a teoria. Ele queria entender fato e teoria juntamente. ‘A meta suprema é: captar que tudo no domínio dos fatos já está lá. O azul do céu nos mostra a lei básica da cromática. Permita-nos não buscar algo além dos fenômenos – eles próprios são a teoria’ (Goethe, 1995: 307).
Em seu artigo “Goethe, Nature and Phenomenology” (Goethe, Natureza e Fenomenologia), David Seamons argumenta que a metodologia goethiana era incomum para sua época, uma vez que focava em observações qualitativas, sendo por isso seus estudos rejeitados pela ciência convencional. Com a atual articulação filosófica da fenomenologia, seus escritos podem ser melhor compreendidos (Seamons, 1998: 1). Fenomenologia é a ciência que estuda fenômenos com foco na percepção humana: seu intuito central é ‘a própria coisa’ como diria Edmund Husserl, seu idealizador. Em outras palavras, ‘fenomenologia é a exploração e descrição de fenômenos, onde os fenômenos são coisas ou experiências da forma que os seres humanos as experienciam’ (Seamons, 1998: 2). A metodologia científica goethiana, o empirismo delicado, era baseada no uso dos sentidos humanos e na percepção intuitiva, os quais ele considerava os maiores instrumentos científicos. Essa abordagem é encontrada em suas palavras:
“Meu pensamento não é separado de objetos; os aspectos do objeto, a percepção do objeto fluem em direção ao meu pensamento e estão totalmente permeados por ele; [...] minha percepção é ela própria um pensamento, e meu pensamento uma percepção. [...] O ser humano conhece ele mesmo somente na medida em que conhece o mundo; ele percebe o mundo apenas nele mesmo, e ele mesmo apenas no mundo” (Goethe, 1995: 39).

Nesse sentido é possível dizer que Goethe era um cientista fenomenológico antigo. Portanto, Goethe estava vendo a relação entre partes e todo através de uma abordagem fenomenológica do mundo a fim de entender os Fenômenos Arquetípicos. Ele estava usando diferentes formas de conhecimento, mudando do pensamento racional para percepção intuitiva, unindo o intelectual com o imaginativo, o científico com o artístico, ele estava misturando modos mentais para poder entender melhor a Natureza.

Um comentário:

  1. ate aqui tudo bem, ou como diria goethe; a natureza sem rogar e aem prevenir nos acolhe no circuito de sua dansa

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