sábado, 10 de novembro de 2012

SOBRE AS DEFORMIDADES HUMANAS

Veja também o texto: Geração Z e TDAH - Saúde x Doença


 Um pedido de atenção...
O vídeo acima estava alojado em:


Nele era apresentada, por um psiquiatra estadunidense, uma visão crítica comparativa muito interessante sobre a medicalização e o sistema de classificação de doenças DSM4 e DSM5, assim como aspectos naturais ao ser como mágoa e timidez vem sendo vistos como doença em novas classificações. Um pouco disso ainda pode ser visto, não mais com aquela qualidade, nos links abaixo.
https://youtu.be/yuCwVnzSjWA 
https://youtu.be/-AMvrcBvYWk  
https://youtu.be/WtHIv3TW3qk

As deformidades humanas existem. Fácil ver as que acometem o corpo físico, mas e as que comprometem os outros corpos, como o emocional, o mental e especialmente o corpo ético (corpo da interação com o próximo e membro humano responsável pelo exercício de amor ao próximo)?
Certa vez, falando sobre malformações congênitas, após concluir a parte física das malformações, prosseguindo nas malformações do caráter, da moral e da ética, alguém perguntou: “Seria o nascer uma forma de malformação?”.
 Bem, se conforme algumas filosofias pregam, a vida tem um sentido de evoluir, isto leva a crer que deva haver um ponto em que o nascimento deixe de ser necessário; para uns, nirvana, para outros, vida eterna, corpo alma, corpos sutis, enfim, variações de um mesmo tema... Não seja esquecido e respeitado o pensar materialista dos que creem na procriação e perpetuação pela transmissão de seus genes, egoístas ou não... De qualquer modo, penso que o Monteiro Lobato explica isso melhor que eu:
 - Sei dizer coisas engraçadas e até filosóficas. (…) Sabe o que é um filósofo, Visconde?
O Visconde sabia, mas fingiu não saber. A boneca explicou:
- É um bichinho sujinho, caspento, que diz coisas elevadas que os outros julgam que entendem e ficam de olho parado, pensando, pensando, Cada vez que digo uma coisa filosófica, o olho de Dona Benta fica parado e ela pensa, pensa…
- Ficam pensando o quê, Emília?
- Pensando que entenderam.
O Visconde enrugou a testinha e quedou-se uns instantes de olho parado, pensando, pensando. Aquela explicação era positivamente filosófica.
- E como sou filósofa – continuou Emília – quero que minhas Memórias comecem com a minha filosofia de vida.
- Cuidado, Marquesa! Mil sábios já tentaram explicar a vida e se estreparam.
- Pois eu não me estreparei. A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais.(…)
O Visconde ficou novamente pensativo, de olhos no teto.
Emília riu-se.
- Está vendo como é filosófica a minha ideia? O Senhor Visconde já está de olhos parados, erguidos para o forro.(…) A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca;pisca e estuda; pisca e ama; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos; por fim pisca pela última vez e morre.
- E depois que morre? – perguntou o Visconde.
- Depois que morre vira hipótese. É ou não é?
(Monteiro Lobato, trecho de “Memórias de Emília”, 1936).

De fato, existe tensão acentuada entre as percepções espiritualistas e materialistas em relação ao significado e abordagem das doenças e malformações na espécie humana. Como exemplo, as referências abaixo, ilustram de forma rica, a perspectiva da visão de pensadores espíritas em relação à ciência e às pesquisas com células tronco e de fertilização in vitro:

É fato inconteste a existência do deformado social, pobre, faminto, desgraçado em qualquer quesito que o fator financeiro esteja envolvido, mas a principal questão atual diz respeito ao deformado ético. Pessoas que possuem patrimônios e poderes desproporcionais à sua estrutura de caráter e que não por maldade, mas por ignorância, usam sem o devido cuidado sua influência; como uma criança com uma arma em mãos...

Anakin - criança

Anakin Skywalker, personagem de George Lucas na saga guerra nas estrelas, é o protótipo deste indivíduo que representa literalmente o que o diretor definiu como o “lado escuro” da força. Curioso notar e fundamental lembrar a saudação dos personagens identificados com o “lado escuro”: “A força está conosco”, em detrimento daquele dos que representam o outro lado: “Que a força esteja com você”.
E você como cumprimenta os seus?

Anakin – Darth Vader

Na última década, prestando atendimento em uma instituição especializada no tratamento de deficientes físicos, aprendi ser comum que famílias com pacientes praticamente normais, com menos deformidades ou com malformações mais leves, se mostram frequentemente mais inconformadas com a doença, aceitando-a com mais dificuldade, salvo raras exceções. Pacientes com deformidades graves pertencem, geralmente, a famílias mais tranquilas, conformadas e que mais facilmente aceitam propostas de tratamento no sentido de prevenir pioras ou promover alguma melhora, situações distantes da cura ou do estabelecimento de um estado de normalidade. Nos casos de quase normalidade, é comum que as expectativas da família sejam maiores, talvez porque os responsáveis as comparem com pessoas “normais” e apenas raramente com aquelas com a mesma doença em formas mais graves. Consequentemente, são as famílias que geralmente sentem mais medo de procedimentos e que requerem maior cuidado na conversa sobre propostas de tratamentos, sejam eles clínicos ou cirúrgicos.
Interessante nesse sentido notar como o próprio contexto da deformidade do paciente se move para o contexto familiar, caracterizando outro tipo de deformidade, dessa vez agindo sobre a relação médico-paciente. No contato com a família é fundamental trabalhar a diferença entre os estados de prontidão e expectativa. A expectativa é restritiva e prende a intenção do familiar, do paciente e do médico a um resultado que não pode ser prometido, ainda que altamente provável e desejado por todos. Sempre melhor é o estado de prontidão, em que a relação familiar se estabelece na confiança e na certeza que cada parte fará o seu melhor e que de forma independente, problemas podem ocorrer no percurso do tratamento. Quando o terapeuta e o paciente concordam em baixar as expectativas e estabelecer seu vínculo na verdade ao invés de optar pelo endeusamento da figura do médico, tudo flui de forma muito mais saudável, para todos. 
O precioso filme francês "Intocáveis", uma história real, de Eric Toledano e Olivier Nakache, fotografa outra faceta da questão, e nos presenteia com a percepção do que é, e quem é "deficiente" sob a perspectiva do próprio deficiente físico! Fragilizado e frequentemente visto como digno de pena, um coitado ou inválido, o indivíduo deixa de ser tratado de forma natural pelas pessoas. O filme evidencia a necessidade do deficiente ser enfrentado, confrontado como ser humano em situação de igualdade nas situações cotidianas, e não apenas como motivo da piedade alheia. Interessante notar, como bem ilustrado no filme, que da mesma forma que a sexualidade passa por transformação drástica (no caso, a zona erógena do personagem passa a se localizar nas orelhas), o mesmo ocorre com o senso de humor do personagem que passa a rir daquilo que em outro contexto seria totalmente inusitado.
       Ainda em relação às deformidades do caráter, vale constar a recente atuação da Suprema Corte do país, ocorrida em 2012, no memorável episódio conhecido como do “mesadão”, amplamente documentado pelos meios de comunicação, que tornaram explícitas as atitudes pouco virtuosas de cidadãos escolarizados e domesticados, e também de outros, outrora defensores do público, ora privados do estado de sanidade moral. Talvez fosse essa deformidade que Raul Seixas cantava:

“... Meu último pedaço, antes de ser engolido ainda pensou grilado:
Quem será este desgraçado dono desta zorra toda?
Já tá tudo armado, o jogo dos caçadores canibais
Mas o negócio aqui tá muito bandeira
Tá bandeira demais meu Deus
Cuidado brother, cuidado sábio senhor
É um conselho sério pra vocês
Eu morri e nem sei mesmo qual foi aquele mês
 “Metrô linha 743”

O que é mais agradável ver, um deformado físico ou um deformado moral?

Deixando de lado o pouco caso com a saúde social, expresso nas mazelas dos praticantes da “lei de Gerson”, voltemos ao ponto de vista metafísico e a tal lei do carma. Se há mesmo essa lei, como alguns afirmam, de fato nascer pode ser uma forma de “deformidade”, como um defeito que se não houvesse, ninguém precisava saber...

Mas então o que dizer daqueles entre nós que já nasceram perfeitos?
Por que nasceram?
Existe a luz e o iluminado, quanto de mim está de cada lado?



9 comentários:

  1. Perfeito!

    Adorei o texto, o blog, tudo!

    Sucesso!

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  2. Tanta bondade e doçura só poderia vir de alguém que assina e trabalha com MEL...

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  3. Gostaria de comentar sobre a pergunta "seria o nascer uma forma de malformação?", a qual carrega muitos questionamentos a respeito de uma forma de existência que só me parecem legítimos no momento em que, quase derrotados,estocamos a natureza sutil de nossa presença. É neste momento que esquecemos que habitar um corpo humano precioso é de um valor imenso e que pensar, existir, refletir, filosofar e ser hipótese, é obra da consciência que agregamos a este corpo físico. Somente por ele podemos ser. Então, sejamos gratos e revirenciemos a vida como ela se nos apresenta. E sejamos o mais íntegros possível, bons ou maus por escolha, jamais por passividade.

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    1. Gratidão e Reverência à vida que nos acolhe!

      Bela alternativa como significador para o Ser em formação.

      Na integridade possível, que venha a Vida!

      E que as escolhas sejam boas escolas.

      E que o Amor prevaleça, na medida do possível, sobre a dor.

      E que a Verdade seja como Carlos ensinou:

      A porta da verdade estava aberta,
      mas só deixava passar
      meia pessoa de cada vez.

      Assim não era possível atingir toda a verdade,
      porque a meia pessoa que entrava
      só trazia o perfil de meia verdade.
      E sua segunda metade
      voltava igualmente com meio perfil.
      E os meios perfis não coincidiam.

      Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
      Chegaram ao lugar luminoso
      onde a verdade esplendia seus fogos.
      Era dividida em metades
      diferentes uma da outra.

      Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
      Nenhuma das duas era totalmente bela.
      E carecia optar. Cada um optou conforme
      seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

      Carlos Drummond de Andrade

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  4. Gostei muito do texto. abs... Ana Cassia

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  5. Muito interessante... e real. E a vida está aí mostrando tudo que você escreveu em exemplos e mais exemplos. E o pior é que o lado obscuro tem sido muito mais unido, e isto perpetua no ser humano uma força que abafa e sufoca o caráter que já deveríamos ter conquistado na nossa evolução...Beijo, Fabíola Bechara

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  6. Boa noite!
    Texto interessante!
    Penso, que para tudo tem um propósito, nós desse planeta, estamos ainda muito atrasados, talvez na 5ª geração. Dependendo do grau de evolução de cada um, temos um aprendizado.
    Acredito, que não existem julgamentos, por parte dos seres evoluídos. Apenas estágios de evolução.
    É o nosso olhar julgador, com referências pobres, que nos fazem nos sentirmos melhores ou piores.
    Fazemos parte de um todo, somos todos humanos. Talvez seja difícil para alguns enxergar as diferenças, a não conformidade.
    Contudo existe um sentimento sublime, que transpassa todas as barreira, uma aceitação incomensurável. O amor transpassa todas as diferenças.
    Amemos mais.
    É só começar.

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    1. O Amor!

      Bem lembrado, neste dia, simbolismo de seu representante primeiro!

      Amemos mais!

      Ricardo Leme 25/12/12

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