POR MÁRIO INGLESI - "A ALEGRE SORRATEIRA"
A partida - filme japonês imperdível
Dr. Ricardo
“Nesta vida somos todos passageiros”
Pedro de Almeida, garimpeiro
In
Doc.: A Terra deu, A Terra come
Tão logo nos apercebemos no mundo como
seres humanos, já somos estigmatizados, em nossas vidas, com duas determinantes
que vão marcar significativamente o rumo de nossa vida terrena. A primeira, a
mais pesarosa, para todos nós – realmente uma condenação – é a de que “viemos
do pó e a ele retornaremos”. É certo que o dia, o lugar, a hora, o modo que tal
desventura ocorrerá são incógnitas. Ainda bem! Mas, o fato de não sermos
eternos, sem dúvida, causa sempre um mal estar profundo e insolúvel,
demarcadamente, um trauma com que teremos de conviver, a não ser que tal
infortúnio seja tão intenso que resolvamos sair da vida por conta própria, o
mais depressa possível, abreviando e antecipando aquele determinismo que nos
rege e sufoca.
Com o passar dos tempos, surge a religião
e nos afaga com a promessa de uma vida eterna, pós morte, desde que façamos
“Boas Obras”, dedicação à vida social, principalmente no que diz respeito à
vida religiosa e seus mandamentos, em prol da santificação individual das
pessoas e seu mundo terreno.
Essa promessa ainda hoje vigente e aceita,
teve uma reviravolta significativa no século 19, com Nietzsche e seu conceito
de “morte em vida”, ou seja, a visão da morte como um elemento intrínseco e
individual da vida.
Tal visão foi sendo compreendida e aceita
com larga abrangência com o advento das 1a e 2a Guerras
Mundiais, que destruíram de modo bastante objetivo o conceito de “Boas Obras” e
enfatizaram a compreensão da morte como parte intrínseca da vida: “Vivemos para
Morrer”.
O ruim dessa nova ordem talvez seja,
notadamente, a demonstração da nossa fragilidade e vulnerabilidade. Não há como
fugir, escapar, contornar, jogar, transacionar, driblar, ou afastar de vez,
essa “sombra”, essa escuridão de nossas vidas – como, aliás, muito bem ilustrou
o grande cineasta sueco Ingmar Bergman (1818- 2007) em sua filmografia.
De todo modo, o mais certo da vida é a
morte e, nesta, o que mais chama atenção é a “dúvida” filosófica da qual ela vem
impregnada, ou seja, quando? onde? como? por quê? e outras tantas perguntas que
enfeixam o seu acontecimento e se revelam na letra de ‘Canto Para a Minha
Morte’, de Raul Seixas:
“Eu sei que determinada rua que eu já
passei
Não tornará a ouvir o som dos meus passos.
Tem uma revista que eu guardo há muito anos
E que nunca mais vou abrir.
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa
Pode ser que essa pessoa esteja me vendo
pela última vez.
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me
beijar
Com que rosto ela virá?
Será que ela vai deixar eu acabar o que eu
tenho que fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio do
copo de uísque?
Na música que eu deixei para compor
amanhã?
Será que ela vai esperar eu apagar o
cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher, a
mulher que me foi destinada,
E que está em algum lugar me esperando
Embora eu ainda não a conheça?
Vou te encontrar vestida de cetim,
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho
Que eu quero e não desejo, mas tenho que
encontrar.
Vem, mas demore a chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida.
Qual será a forma da minha morte?
Uma das tantas coisas que eu escolhi na
vida.
Existem tantas… Um acidente de carro.
O coração que se recusa a bater no próximo
minuto,
A anestesia mal aplicada,
A vida mal vivida, a ferida mal curada, a
dor já envelhecida.
O câncer já espalhado e ainda escondido,
ou até, quem sabe
Um escorregão idiota, num dia de sol, a
cabeça no meio-fio…
Oh morte, tu que és tão forte,
Que matas o gato, o rato, e o homem.
Vista-se com a tua mais bela roupa quando
vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado e que minhas
cinzas
alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem,
Nos meus filhos, na palavra rude
Que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de
beber aquela noite…
Vou te encontrar vestida de cetim,
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho que
eu quero e
Não desejo, mas tenho que encontrar.
Vem, mas demore pra chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o
segredo desta vida.
Assim, com todo esse mistério, esse segredo
que ronda a morte, a grande batalha que enfrentamos no dia a dia, ao longo de
nossa existência, se manifesta na preservação da vida, e de sua escorreita
evolução, correndo, para tanto, todos os riscos de vida e de morte, sejam eles
quais forem, em toda a sua plenitude.
Concomitantemente a essa descoberta, pesa
sobre nós humanos, uma outra determinação - a segunda - “ganharás o pão com o
suor do seu rosto”, o que nos leva a intrincada situação de que para vivermos
necessitamos, obrigatoriamente trabalhar sempre, e cada vez mais, para
usufruirmos aquilo que desejamos para nosso conforto e subsistência, ou, por
imposição social, bem assim, aquilo que precisamos ter para uma imagem social
que nos distinga socialmente.
Para que essa segunda determinação não se
afigure outro fardo rotineiro, sem alcance social significativo, é preciso
cuidar culturalmente de si e dos outros, constituindo-se assim, como seres
humanos dignos desse nome com o pensar a vida e o trabalho, como fatores
existenciais de relevância incomum.
“A vida é ao mesmo tempo seu conteúdo e
seu continente. Não tem fora nem dentro, ou melhor, tem ambos, ou se anulam e
se completam. Holismo ou Autofagia. Portanto procure, ao viver, ser tão vivo
quanto tão morto ao morrer”.
Millôr Fernandes, in Folha de São Paulo –
Mais!, 17.09.2000
Sofro muito ao pensar sobre a morte... Este texto trouxe-me um certo conforto....que bom!...obrigada.
ResponderExcluirGostei da reflexão, como sempre.
ResponderExcluirA morte, palavra tão pesada, as vezes tão incompreendida. Uns falam: melhor não falar, pode atrair...
Realmente, tem pessoas que passa pela vida morto. E quando se depara com a morte quer viver.
Eu particularmente, acredito que somos eternos, independente de religião.
Somos seres eternos, mas a vida é para ser vivida, da melhor forma possível.
Sei que um dia vou partir; enquanto estiver aqui, estou aqui...
E quando chegar a hora de eu partir, irei tranquila, viver uma outra experiência.
BJS
Nós somos todos aprendizes aqui nesse planeta para que com a morte do corpo conheçamos qual é a verdadeira vida.
ResponderExcluirBjs!
Ricardo , algumas considerações pessoais.
ResponderExcluirComo a anônima , que postou em seu blog, sofro muito com a morte, em minha lembrança ,desde os 5 anos de idade . A despedida inexorável sempre me incomodou pelo sofrimento.
Alguns filmes recentes foram para mim muito pesados ao abordarem o tema, um deles o que consta de seu blog, o japones " A partida ". O filme enfoca , pelo menos uma vez, a maior causa de sofrimento brutal do ser humano, em minha opinião, que se chama remorso diante da separação final de uma vida de relação ( pai/filho) , fracassada por ter sido mal compreendida . Outro filme recente , que me trouxe grande inquietude , por que não dizer sofrimento, foi Biutiful, de Alejandro Inharritu , com Javier Bardem, a morte de um pai, permeada pela miséria material e pelo grande amor que nutria pelos filhos menores.
Já me delonguei, mas ao enviar texto do Raul Seixas , tomo a liberdade para dizer que , mesmo delirante, ele teve sensibilidade muito acima da media.
É de sua autoria a alegoria muito clara da morte , com o linguajar nosso, sertanejo : " O trem das sete horas" , quem vai ficar, quem vai partir, é o trem das sete horas, o último do sertão ; ói , ói o céu, já não é mais o mesmo que vc. conheceu.
Um diretor, que virou meu ídolo, Clint Eastwood, que aborda a morte /eutanásia, sublime, em Menina de Ouro ( One million dollars baby) ; volta ao assunto em um filme pesado , Gran Torino, morte finalística para trazer o bem para uma comunidade de imigrantes e , finalmente, considerando a morte com certa esperança espiritualista em, " Além da vida ( Hereafter) ; aí sim, saí leve do cinema , pois o fime é muito bonito. Talvez em outro extremo, tenho outro ídolo cineasta , Lars von Triers , cujo último trabalho foi uma obra de arte impressionista : " Melancolia" .
Como atento que sou ao rio da Prata , Balada para mi muerte, Astor Piazzolla e Horacio Ferrer:
Morriré em Buenos Aires, será de madrugada , guardaré mansamente las cosas de vivir, mi tabaco, mi tango y mi penultimo whisquy quedará sin beber.
Fui demorado, o tema agudizou o que sinto.
Um grande abraço .
Grato e bom final de semana.
Paulo
Gostei. Mas quem é Mário Inglesi? Ele disponibilizou este texto para ser publicado em primeira mão aqui? Abraço.
ResponderExcluirOlá José!
ExcluirFico feliz que tenha apreciado.
O Sr. Mário Inglesi é um ilustre amigo e cidadão brasileiro, que para minha alegria, aniversaria no mesmo dia que eu! Ele publica algumas de suas reflexões aqui neste espaço, para a alegria e felicidade dos leitores. Caso o senhor esteja interessado, me envie seu email para meu endereço: "rjleme@hotmail.com" e me comprometo a encaminhar sua solicitação ao ilustre colaborador.
Quanto à pergunta sobre o texto que o senhor faz, a resposta é sim, disponibilizou este texto para ser publicado em primeira mão.
Por gentileza, caso o senhor seja possuidor de dom semelhante ao do Sr. Mário, e se interesse no assunto saúde é consciência, será um prazer receber seus textos para o deleite dos leitores.
Abraço
Ricardo José de Almeida Leme