terça-feira, 9 de abril de 2019

ASPECTOS DA PSICANÁLISE E RELAÇÃO AMOROSA



Por: José Geraldo M. Meireles - Psicólogo

No contexto convulsionado em que estamos inseridos, não acredito que os anseios do homem consciente restrinjam-se a uma casual e modesta participação no cenário socioeconômico contemporâneo. As mudanças têm sido rápidas e profundas. Não nos resta, em nível individual e coletivo, outra alternativa senão procurar soluções novas e vencer desafios.
Muitos se sentem perplexos. Angustiam-se, e a incerteza instala-se. Deparam-se com dilemas inevitáveis que englobam “o princípio do prazer” - o desejo é inquietante e indomável - e "o princípio da realidade".
Situar a psicologia moderna significa reconhecer que se iniciou com Freud, pois coube a ele o grande mérito da descoberta do inconsciente: objeto da psicanálise. Sua descoberta revolucionou o início do século XIX e a nossa compreensão em relação a nós mesmos. Deduziu a existência do inconsciente, após contatos persistentes e minuciosos com seus pacientes. Pela fala, é possível curar e aliviar o sofrimento psíquico. Por inovar, encontrou muitos opositores. Sua genialidade permitiu supor estar na sexualidade a causa dos transtornos psíquicos: descarregar a energia (no ato sexual, por exemplo) dá prazer. Contê-la ou reprimi-la, ao contrário, provoca desprazer. Ao considerar-se a vitalidade física e psíquica, a sexualidade faz parte da existência, porém desvinculada do afeto, resulta em decepção e frustração.
Em se tratando de decepção e frustração, Hélio Pellegrino – psicanalista – ilustra que o homossexual elege por objeto de desejo, alguém que se iguale, alguém que é seu duplo perfeito, imagem radiosa de si pela qual se apaixona. A tensão das relações narcisadas, ao extremo, tende para a possessão intensa. Cada um vê no outro o seu próprio retrato idealizado ou deificado – isso rarefaz e mesmo impede a possibilidade do encontro autêntico. A pulsão narcísica não aceita diferença, limite ou separação. O desejo narcísico é insaciável, porque pretende transfigurar a imperfeição do ser que sou, através da ilusória radiância da imagem – mais que perfeita que quero ser e penso possuir. Esse drama, conforme Pellegrino, ilustra as peripécias do narcisismo.
Além da abordagem psicanalítica em relação à sexualidade, a neurocientista Dra. Suzana Herculano – Huzel – (UFRJ) afirma que a preferência sexual não é opção. Para a neurociência, a orientação sexual é inata (não aprendida) e determinada biologicamente, antes mesmo do nascimento.
A relação homossexual ou heterossexual é preferência e não opção. A preferência não se escolhe: descobre-se. Interessar-se sexualmente por homens ou mulheres é o que o cérebro faz automaticamente e pouco importa o que a pessoa pensa. A opção é o que se faz com a preferência: assume-se e curte publicamente, abafa ou esconde. Essa abordagem nova necessita, ainda, de pesquisas cautelosas e criteriosas. É essencial salientar que sou psicólogo e não pesquisador da sexualidade.
Com a nova legislação, casais homoafetivos passam a ser considerados famílias, com direito à adoção de crianças, contudo o preconceito e as agressões são ainda intensos.
O Conselho Federal de Psicologia despatologizou a relação homoafetiva: não é distúrbio (doença). Abre-se, pois, espaço para a compreensão das diferenças.
À luz da psicanálise, nossas tensões e angústias não vêm do outro, daquele que se diferencia de nós, mas daquilo que desconhecemos em nós mesmos. Para a convivialidade social, é fundamental respeitar o direito e a singularidade do outro.
Com efeito, a técnica de investigação psicológica criada por Freud acrescentou dimensão nova para a ciências humanas. Na clínica, pela interpretação, o psicoterapeuta ou psicanalista mostra quais forças destrutivas ou construtivas movem seu cliente. “Desfazem-se os nós”, quando ocorre a travessia da barreira entre o consciente e o inconsciente.
Muitos de nós ficamos presos ao passado que nos condena e ao futuro que nos inquieta - alerta o psicanalista Pessanha. A psicanálise privilegia sempre o presente.
Pelo prisma da psicanálise ou psicologia profunda, o traço característico da psicologia humana é a interferência intensa e contínua dos impulsos de amor, de um lado, e ódio do outro: “nosso bem-estar ou mal-estar depende das forças destrutivas ou construtivas do inconsciente”; equilibrando-se ou não, predominando com maior intensidade as forças construtivas ou destrutivas haverá vida mais saudável, valorização pessoal, relação amorosa e de amizade gratificantes; ou ideias persecutórias tendentes à autodestruição, à depressão, à agressão descontrolada, à relação amorosa e de amizade conflitantes.
A relação intrapsíquica (subjetiva) e interpessoal (com os outros) rege-se pelo jogo dos antagonismos: eros e tánatos - vida e morte - que nos movem, a cada instante, em permanente entrelaçar-se, confundir-se e, outra vez, juntos, porque é dessa simbiose (integração) que resulta a vida.
In Sêneca – filósofo - ter vida longa não é ter a cabeleira branca semelhante à neve, tampouco ter as faces sulcadas pelas rugas; se o homem dissipou seus dias, não viveu longo tempo, muito embora tenha existido longos anos: “Vida é profundidade e não extensão”.
Antes do advento da psicanálise, inquieto e perplexo, o ser humano acreditava que os mistérios de seu destino e as ameaças à sua estabilidade provinham apenas do mundo externo e nunca da intimidade de seu ser.
À época de Freud, (início da psicanálise) as pessoas recorriam ao tratamento psicanalítico, porque temiam realizar seus desejos. Hoje, a psicanálise desperta muito interesse. Isso ocorre, não porque reprimem seus desejos, mas por não saberem, efetivamente, o que desejam. Quando buscam a psicoterapia, esperam que o profissional se converta em aliado confiável, para que possam confidenciar-lhe seus mais íntimos segredos sem o receio de traição.
Desvela-se, assim, o perfil do ego maduro e livre: não autoritário, integrado e seguro; predomina nele o equilíbrio, porque é capaz de manter-se sob controle, de não se deixar levar pela desmotivação, de tolerar frustrações, de não negar sua agressividade-combustível da ação - de portar-se serenamente diante de pressões. Contudo, é imprescindível pensar.
Um conjunto harmônico de qualidades psíquicas herdadas e adquiridas caracteriza esse perfil, tornando a pessoa original a sua forma de ser e agir.
Há décadas, psicólogo clínico trabalho em clínica particular. Atendo adolescentes e adultos. Meu trabalho baseia-se na psicoterapia psicanalítica, psicologia biodinâmica (massagem psicoterapêutica), e avaliação psicológica.
Ao longo desse tempo, percebo, na clínica, que as relações amorosas, por diferença têm sido, às vezes, dramáticas. O amor obsessivo e a inveja transtornam a vida da pessoa pela qual a que se tem fixação doentia em inferno. Sendo a inveja o subproduto doentio da admiração destrói a pessoa invejada. Nem sempre se percebe o transtorno, e a infelicidade impera. Sei que a temática é muito complexa, mas é possível compreendê-la.
Geralmente, admiramos pessoas possuidoras de características físicas ou psíquicas que valorizamos muito. O critério dessa escolha é sempre pessoal. Há fascínio pelo conjunto harmônico de qualidades que tornam alguém original na sua forma de ser e agir. Esse fascínio pode levar a dois modos de amar: por diferença ou semelhança.
As pessoas que se sentem inferiores - e esse sentimento é mais acentuado na adolescência - tendem a admirar outras que trazem consigo características ideais, às vezes, inatingíveis (sempre do ponto de vista do(a) admirador(a)). Assim sendo, o amor surge entre pessoas de temperamento diferente, havendo recíproca admiração.
O humor - tendência situacional - é a disposição afetiva para a introversão ou extroversão. O introvertido: reservado, pouco combativo, voltado mais para a solidão e reflexão une-se ao extrovertido: participante, voltado mais para os outros, de fácil adaptação, combativo, preferindo mais atividades práticas.
Obviamente, os componentes de admiração podem desencadear relações tensas, não só em decorrência, das diferenças de temperamento, mas também da inveja recíproca. A insatisfação pessoal e a precária auto-avaliação, com forte tendência a subestimar-se, despertam raiva e inquietação.
As pessoas que se sentem bem consigo mesmas e, consequentemente, mais estáveis e maduras não se comportam opressivamente e envolvem-se em relacionamento de intimidade mais intensa e harmoniosa, pois o vínculo é regido por afinidades. O amor, por semelhança, é mais gratificante, porque não há, na relação, os elementos desestabilizadores do vínculo: a inveja (é difícil invejar pessoas com características semelhantes), e irritações que decorrem das diferenças de temperamento. Sob a égide da estabilidade psíquica e das afinidades, as relações de amizade tornam-se também harmoniosas e duradouras; os amigos propiciam bem-estar e asseguram a saúde psíquica.
Em seu livro: Ser livre – que tive o privilégio de revisar – o psiquiatra Flávio Gikovate (1943 – 2016) enfatiza que ser livre não é ser desta ou daquela maneira; ser livre não é agir desta ou daquela forma. A liberdade é a sensação íntima de alegria que deriva da coerência entre pensamento e conduta.
Por esse prisma, a liberdade é um estado muito gratificante. As afinidades e não as diferenças é que podem determinar ligações profundamente gratificantes.
Renovar-se significa entregar à morte tudo o que é ultrapassado para que o novo possa expandir-se com toda a liberdade. Desprender-se de coisas que, um dia, foram boas e de ideias que foram relevantes, mas com o passar do tempo, ficaram ultrapassadas, ou seja, ter ânimo para recomeçar, estar aberto para escutar, aprender e buscar novos paradigmas.
Para a efetiva compreensão das diferenças e do lado sombrio das emoções a ajuda psicológica é sempre bem-vinda para busca do bem-estar físico, psíquico e social.
Profissional da psicologia discuti, sumariamente, com base na psicanálise, diferenças e semelhanças no amor, sem desconsiderar a árdua vida diária e o mundo atual, terrivelmente injusto, impiedoso, individualista e abalado pela crise de valores e predadores sociais.

Referências

Jung. C. G.- Tipos Psícolágicos- Zahar Editores - Rio de Janeiro, 1981.
Gikovate, F. - Falando de Amor- MG. Editores Associados - São Paulo, 1976.
Pellegrino, H. - A Burrice do Demônio – Rocco - Rio de Janeiro, 1989.
Boff. L. - Coragem para Renovar in Rede - Ano XXI - nº 241 - Petrópolis, 2013.
Pessanha, A. L. S. - Além do Divã - Casa do Psicólogo - São Paulo, 2001.
Revista - Mente Cérebro - Ano XIX - nº 242 - São Paulo, 2013.
Green, A. - Psicanálise Contemporrânea – Imago - Rio de Janeiro, 2001.
Melman, C. - A Família está Acabando – Veja - São Paulo, 2008.

Um comentário:

  1. O amor obsessivo e a inveja transtornam a vida da pessoa pela qual a que se tem fixação doentia em inferno. Sendo a inveja o subproduto doentio da admiração destrói a pessoa invejada. Nem sempre se percebe o transtorno, e a infelicidade impera. Sei que a temática é muito complexa, mas é possível compreendê-la. Essa parte do texto é bem o que estamos assistindo na TV todos os dias. Parabéns pelo post.

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