segunda-feira, 9 de maio de 2016

O MÉTODO CIENTÍFICO DE GOETHE III

Por: Clara Oliva Antoniazzi - clara.antoniazzi@gmail.com / http://sejamosseres.blogspot.com.br
Continuação de:


Nigel Hoffmann descreve a metodologia de Goethe por meio de quatro estágios e quatro modos de conhecimento, conectando-os com os elementos míticos: Terra, Água, Ar e Fogo. Hoffmann explica que na imaginação mítica humana a fusão dos quatro Elementos formaria a Unidade da Vida, a anima mundi, e que o mesmo é verdadeiro para a mente humana. Ele continua sua explicação dizendo que ‘a sabedoria antiga entende que a anima mundi se diferencia nas formas de todas as coisas mesmo enquanto permanece una e mesma’ através do poder criativo arquetípico dos Elementos (Hoffmann, 2007: 22). Em outras palavras, na sabedoria antiga os Elementos eram considerados o poder divino, o qual formaria a Totalidade da Vida, que por sua vez se diferenciaria em formas particulares de vida através dos Elementos. Goethe percebeu essa multiplicidade na unidade estudando o crescimento das plantas, quando descobriu que todos os órgãos de uma planta são na verdade diferenciações de um mesmo órgão. Pode-se achar mais detalhes sobre esse tema no livro “The Metamorphosis of Plants” (A Metamorfose das Plantas). Os estágios da metodologia de Goethe introduzidos por Nigel Hoffmann são baseados no processo de pesquisa goethiana de Rudolf Steiner. Steiner associava os Elementos com modos de conhecimento: Terra seria o pensamento físico; Água a imaginação; Ar a inspiração; e Fogo a intuição.
O primeiro estágio descrito por Hoffmann é o conhecimento terrestre, o pensamento físico, onde o objeto estudado será abordado de maneira puramente logica teórica. Nesse estágio o objeto é separado em partes que podem ser contadas, medidas e pesadas; o fenômeno é abordado de maneira reducionista, mecanicista usando lógica de causa e efeito, procurando detalhes, aprofundando-se cada vez mais nas partes. Essa abordagem busca leis, teorias, explicações. O perigo é ficar preso neste estágio, acreditando que é o suficiente para entender o fenômeno por completo. Isso é exatamente o que acontece na ciência convencional, a qual acredita que subjetividade, considerando seus aspectos qualitativos, não pode ser usada para provar nada na ciência. A ciência está viciada no modo mecanicista de conhecimento, vendo-o como o único meio de provar hipóteses. O problema é que esse estágio não pode pensar o crescimento; ele não pode ver o processo dinâmico de vida, o vir a ser do fenômeno. É aqui que o próximo estágio entra em ação.
O conhecimento aquoso ou imaginação é o que pode entender crescimento, evolução, transformação. Esse modo de conhecimento flui como água em direção ao fenômeno permitindo que ele venha a ser na imaginação do observador; ele molda o fenômeno e dissolve-o em um movimento vai-e-vem. “No pensamento Água aprendemos a ‘habitar’ imaginativamente a forma de seres vivos com um pensamento que participa ao invés de permanecer como um observador externo” (Hoffmann, 2007: 39). Nesse estágio o observador começa a se relacionar com o fenômeno, a entendê-lo em um nível pessoal. Goethe chamava esse estágio de ‘imaginação sensorial exata’. Essa etapa une todas as partes que foram identificadas no primeiro momento conduzindo para em entendimento do processo dos fenômenos, permitindo-nos aprofundar neles, pensar a dinâmica, o movimento deles. O conhecimento aquoso traz à tona a possibilidade de ‘pensar com nossos sentimentos’, não sentimentos emocionais, mas sentimentos como um meio cognitivo. Esse modo imaginativo de cognição tem seus limites assim como o conhecimento terrestre. Ele entende o organismo estudado como puro movimento formativo. Mas organismos são mais do que apenas plasticidades, do que movimento formativo; ‘dentro de cada movimento formativo na natureza existe um gesto definido’. O pensamento precisa expandir o nível do movimento formativo para ‘uma esfera mais ideal ou supersensível’ (Hoffmann, 2007: 43).
O terceiro estágio, conhecimento aéreo ou inspiração, é onde se pode encontrar significado através de uma forma material permitindo que os outros dois estágios, terrestre e aquoso, se tornem transparentes de forma que seus caráteres essenciais se desdobrem para o entendimento de alguém. Deve-se estar em um estado mental receptivo, nem passivo e nem ativo, mas pronto e aberto para que o significado se apresente. Nas palavras de Henri Bortoft: ‘quando a vontade se torna receptiva, então a consciência torna-se participativa. [...] Consciência participativa significa participação consciente nos fenômenos’ (Bortoft, 1996: 242). Portanto, o estágio de inspiração é onde permitimos que nosso entendimento artístico capte o significado dos fenômenos, deslocando do movimento formativo para o gestual dinâmico, que significa movimento que expressa uma ideia ou significado. Por artístico quero dizer a habilidade de usar criatividade como um meio de conhecimento ou como um meio de expressar a compreensão. Nesse estágio estamos além da ciência convencional, o empirismo científico e a lógica; aqui juntamos arte e ciência, fundindo essas duas maravilhosas esferas de conhecimento a fim de ter uma apreensão mais detalhada dos fenômenos. Mas o conhecimento aéreo ainda é limitado para a experiência do fenômeno como algo além de nós; está tão perto de se tornar uma experiência de ser uno com o fenômeno, entendendo-o verdadeiramente através do que Goethe chamou de fenômeno arquetípico. Nesse ponto adentramos o conhecimento ígneo, do fogo.
O último estágio, conhecimento ígneo ou intuição, é quando o conhecimento do observador torna-se expressão criativa, a qual irá conduzir para a compreensão da essência dos fenômenos, para o impulso criativo existente nos fenômenos. ‘Quando percebemos o organismo com “o olho do espírito” (pensamento Fogo), estamos experienciando na verdade [a] atividade de formação como auto-brilhante, verdade espiritual autogerada, um impulso criativo surgindo de nada mais que ele mesmo’ (Hoffman, 2007: 58). Nesse estágio estamos ‘pensando com nossa vontade’ acordando ‘uma capacidade da alma humana comensurada com o impulso criativo da ideia viva na natureza’ (Hoffman, 2007: 60). Aqui nos tornamos ativamente criativos, nos tornamos um com o fenômeno por captar seu core de vida, seu impulso de formação, seu vir a ser, sua atividade criativa, e expressando-o através de uma autêntica ‘linguagem criativa’. Nesse ponto é possível encontrar o fenômeno arquetípico.
Recapitulando: a jornada através dos quatro modos de conhecimento da metodologia goethiana explicados por Hoffman começou no conhecimento terrestre ou pensamento físico, onde se trabalha com observação clara e mente racional exata, o que torna essa abordagem científica e não mística. Essa lógica puramente mecânica, empirismo exato, flui para o conhecimento aquoso ou imaginação, um pensamento escultural que nos permite ver o crescimento, movimento formativo. Aqui adentramos em um modo de conhecimento mais artístico onde escutamos nossos sentimentos. Então permitimos que o movimento, o crescimento nos mostre seu gestual; começamos a ver a expressão do fenômeno através do conhecimento aéreo ou inspiração, ainda conscientes dos nossos sentimentos. De repente, nos percebemos expressando o impulso criativo da forma, o fenômeno arquetípico, como se fossemos o fenômeno e o fenômeno fosse nós, nos encontramos em uma experiência de totalidade, nos tornamos um com o fenômeno através do conhecimento ígneo ou intuição.
Um modo que encontrei para aprofundar meu conhecimento sobre a ciência de Goethe foi participar de uma investigação cooperativa baseada em sua metodologia – que será explicada em mais detalhes no próximo capítulo – sem mencionar minha visita e trabalho voluntário em Pishwanton Woods na Escócia, um projeto da expert em ciência goethiana Margaret Colqhoun. Nos próximos dois capítulos é possível encontrar um vislumbre dessas duas experiências enriquecedoras. Eu digo um vislumbre porque palavras não podem definir o quão poderoso e satisfatório foi estar imersa nesses oceanos de conhecimento, além de vivenciar lugares e paisagens surpreendentes.

REFERÊNCIAS
Bortoft, H. (1996) The Wholeness of Nature: Goethe’s Way of Science. Edinburgh: Floris Books.
Goethe, J. W. (1996) Goethe on Science: An Anthology of Goethe’s Scientific Writings. Selected and introduced by Naydler, J. Edinburgh: Floris Books.
Goethe, J. W. (2009) The Metamorphosis of Plants. Introduction by Miller, G. L. London: The MIT Press.
Hoffmann, N. (2007) Goethe’s Science of Living Forms: The artistic Stages. Hillsdale: Adonis Press.
Miller, D. (1995) Introduction – page xi to xxi - Goethe The Collected Works: Scientific Studies. New Jersey: Princeton University Press.
Miller, G. L. (2009) Introduction – page xv to xxx – The Metamorphosis of Plants by Goethe, J. W. London: The MIT Press.
Naydler, J. (1996) Chapter 1: The Human Being is the most Exact Instrument – page 27 to 35. Goethe on Science: An Anthology of Goethe’s Scientific Writings. Edinburgh: Floris Books.

Seamon, D. (1998) Goethe, Nature and phenomenology – page 1 to 14. Goethe’s Way of Science: A Phenomenology of Nature. Edited by Seamon, D. and Zajonc, A. Albany: State University of New York Press.

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