sexta-feira, 7 de novembro de 2014

CONSUMO E MEDICINA - BLACK FRIDAY x BRIGHT FRIDAY

Por Dra. Ana Cristina Guimarães, médica.

 

Durante o mês de fevereiro, pré-carnaval, com o consultório mais tranquilo, estive lendo um livro que me chamou a atenção, a ponto de desejar repassar alguns conceitos para meus amigos e colegas. Seu nome é “Vidas para Consumo”, o autor Zygmunt Bauman. Nele, nossa sociedade e modo de viver são discutidos de uma maneira tão realista e transparente que nos causa até uma sensação de angústia e nos faz reavaliar alguns atos que realizamos no dia a dia, sem muitas vezes pensar sobre as consequências.

Na sociedade atual, sociedade consumista como o autor chama, nós não vivemos mais para produzir (trabalhar) e sim para consumir. Vivemos para satisfazer nossas necessidades, cada vez mais crescentes e mais caras, sob o impulso de adquirir e juntar. Nosso trabalho é somente uma ponte para podermos comprar coisas, com a consequente diminuição do orgulho do que somos e fazemos.

Para aqueles que acham que isso é um exagero, notem... Em poucos anos os imóveis subiram cinco vezes ou mais (um apartamento de 160m2 está 1.600.000 reais na planta! E pensem rápido porque já é um dos últimos...).

Um carro não é mais um fusquinha... Tem que ser um BMW ou Land Rover mesmo que pago em 100 prestações... E do ano! Uma amiga entrou no meu carro que já tem três anos e fez cara de nojo, - você não vai trocar?!!

A bolsa tem que ser Louis Vitton, a calça Seven, o óculos Gucci, o relógio sei lá qual e com certeza já estou defasada porque estes já não são mais a Última Moda.

E aí entra outro ponto importante! Da mesma maneira que compramos temos que nos livrar dos objetos rapidamente, para podermos comprar outros da Última Moda. Nunca estaremos satisfeitos com o que já temos, pois o Mercado sempre pede novidades. Logo, estamos sempre insatisfeitos, sempre buscando mais... Quero trocar meu carro, minha casa precisa ser maior, meus móveis já estão velhos etc.

É a cultura da insatisfação, da infelicidade! Estimulada por todos os meios de comunicação, novelas, jornais e revistas. É impossível abrir um simples jornal sem que sejamos bombardeados por anúncios gigantescos de apartamentos e carros.

Muitos enquanto leem isto devem estar pensando: e daí, eu quero e eu posso comprar, qual o problema? Quero ter o melhor ou quero dar o melhor para meu filho, esposa...

O problema é que cada vez mais, se não pensarmos no assunto, vamos ter que trabalhar mais – mais rápido, mais horas e com menos qualidade- para mantermos esta roda de consumo que esta cada vez mais cara e veloz. E se trabalhamos muito e consumirmos muito também pensamos menos, aceitamos uma qualidade de vida menor, não ficamos com a família, não vemos os filhos crescerem, não fazemos amigos, enfim, abdicamos de tudo o que realmente importa para ser feliz.

Outro problema- as pessoas também estão se transformando em objetos de consumo. Quantas vezes ouvimos dos amigos ou pacientes – meu Médico é o Fulano de tal, aquele que aparece nas revistas! Especialmente na dermatologia, o médico tem que ter uma marca e um nome, para que os pacientes contem nas rodinhas que ele frequenta Aquela Dermatologista Famosa!

E também nós médicos fazemos a mesma coisa com nossos pacientes, quando atendemos de 10 em 10 minutos , o próximo e rápido, por favor... Muitos entram na sala sem saber o nosso nome e também não sabemos o nome deles. Objetos, números de carteirinhas de convênios...

Outro dia, ouvi que nós médicos somos substituíveis. Dormi vários dias com isso na mente. Como posso não ser substituível? Como posso agir para que meu filho se for médico, não tenha que ouvir estas palavras tão dolorosas...

Uma das maneiras que encontrei foi esta, divulgar um pouco mais o que eu penso. A outra e mais importante é prestar cada vez mais atenção para que eu não trate as pessoas, família, amigos, colegas e pacientes como substituíveis.

            E gastar menos, prestar atenção quando for comprar, ensinar aos filhos que eles têm que SER e não TER!

 Qual a vida e a sociedade que queremos deixar para nossos filhos? Queremos que eles trabalhem até às 3 da manhã por que eles aprenderam que eles PRECISAM de um carro novo? Se eles se tornarem médicos, gostaríamos que eles atendessem 100 pacientes dia a 20 reais a consulta? É o que vai acontecer se fingirmos que está tudo bem. Se não brigarmos agora por eles, se cada um de nós não tomar um pouco de consciência hoje, nossos filhos sofrerão no futuro. Serão mais substituíveis do que nós fomos, ganharão menos por uma consulta, trabalharão muito mais do que já trabalhamos, e serão mais infelizes.

Um dos motivos por que parei de atender os convênios foi por que não aguentava mais não saberem o meu nome (meu nome era aquela médica lá do fundo do corredor...). Outro motivo foi pelos meus filhos.

Muitos vão pensar, ah eu não consigo... mas minha especialidade não é assim... Mentira! Todos conseguem, não de repente, não sem certo sacrifício pessoal, inicio de agendas vazias, sensação de abandono. Mas um paciente particular por dia é igual financeiramente a quantas consultas convênio? E qual é o valor inestimável deste paciente saber o seu nome e falar que veio indicado por alguém, procurando por você e nenhum outro? Não tem preço e não dá para comprar com Mastercard!

Se você já for um milionário ou morar na Islândia talvez o que discuti não tenha nada a ver com a sua vida. Do contrário pare pelo menos 5 minutos para pensar e discutir este assunto e talvez tomar uma atitude, pequena que seja. Talvez você concorde comigo, talvez não, mas o que importa é que parou e pensou. E quando pensamos não fazemos mais parte da manada nem agimos por impulso.

Começamos a nos tornar Humanos e Insubstituíveis!

Um comentário:

  1. Obrigada, Ricardo, por mais este "alerta"... Precisamos a cada momento, nos vigiarmos com mais "atenção" e estarmos "conscientes" de nossos propósitos... Vera Neisser

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