terça-feira, 14 de maio de 2013

A ARTE DO COZIMENTO




Por: Taunay Daniel - taunaydaniel@terra.com.br

Coloquemos num grande caldeirão de ferro, contendo bastante água pura de mina, um pouco de praticamente tudo o que é de origem vegetal (todos orgânicos): inhame, cenoura, cará, repolho, salsa, vagem, aipo, mandioca, alho-poró, feijão, cebola, batata, alecrim, couve, quiabo, brócolis, chuchu, abóbora, nabo, manjericão, beterraba, alho, tomate, etc, etc, etc…

Cada novo ingrediente que vamos introduzindo no caldeirão tem seu próprio aroma, sua textura, sua cor e seu sabor. Por fim, acrescentamos um pouco de sal (muito pouco) para funcionar como uma espécie de animador e incentivador de todas essas qualidades.

O fogo põe-se a crepitar sob a base espessa do caldeirão. Decorrido algum tempo, começa a haver uma certa tremulação geral, um estado de excitação, um frenesi: a água borbulha e os vegetais se inquietam.

Quanto mais a temperatura aumenta, mais a energia circula entre os participantes do cozimento geral, e quando a energia circula, os intercâmbios tornam-se inevitáveis. Um pouco do sabor do alecrim penetra no inhame que se torna, então, “alecrinizado”. Um pouco da cor do tomate impregna a mandioca que fica, digamos, levemente “tomatizada”. Do inhame alecrinizado despregam-se algumas partículas que acabam se encontrando com as da batata “arrepolhada”. Desse modo, todas as texturas, cores e sabores originais acabam cedendo algo de si e contribuem para a composição do caldo grosso que é a maravilhosa sopa que se anuncia.

Como no início do cozimento pusemos muita água e mantivemos o fogo brando, há muito tempo ainda pela frente até que tudo isso fique pronto (na verdade, é difícil podermos determinar com precisão esse momento final). De qualquer modo, por precaução, mantenhamos uma grande chaleira de reserva com água em aquecimento para que agreguemos, de quando em quando, um pouquinho desse líquido sagrado ao caldo, caso ele se torne demasiadamente denso. É absolutamente necessário que prolonguemos ao máximo o tempo de cozimento. Atenção: esta sopa não está sendo preparada para ser comida, embora não haja nenhuma razão para não fazê-lo. Seguramente ela ficará saborosa, não há nada que possa nos fazer suspeitar do contrário.

O que se quer é que o cozimento sirva como uma espécie de instrumento para estimular nossas reflexões sobre a vida, o amor, a morte e o conhecimento. Olhemos, então, com atenção para a sopa que está se fazendo lentamente. É bem possível que o Universo no qual estamos imersos seja uma espécie de enorme caldeirão borbulhante, como este à nossa frente, e que cada um de nós seja como um dos vegetais dentro da sopa. Hoje em dia, diga-se de passagem, é bastante comum ouvirmos falar na hipótese de que o Universo inteiro é um único ser vivo (os pensadores mais criativos e atrevidos são muito inclinados a pensar assim) e não, como se vinha pensando antes, que ele apenas contém seres vivos (uns aqui, outros acolá).

Se o Universo for mesmo assim, podemos perguntar o que significa “conhecer” e como isto acontece?

Eu sou, digamos, como um vegetal dentro da sopa geral. Estou imerso desde sempre e participo junto com todos os outros vegetais dessa dança fervilhante. Isso vale também para os meus ancestrais e os ancestrais dos ancestrais, que podem ser minúsculas moléculas orgânicas ou mesmo inorgânicas (aliás, essa diferença entre “ter” e “não ter” vida vem sendo posta em questão pelas pesquisas e especulações atuais mais avançadas). Se eu sou, por exemplo, um inhame, então “conhecer” é como alecrinizar-me, tomatizar-me, cenourizar-me. Deixar-me, enfim, impregnar pelos outros aromas, cores e sabores.

Os mais resistentes a essa idéia dirão: mas, se é assim, eu deixo de ser inhame, que é o que “eu sou”! Os mais flexíveis responderão: nunca se esqueça de que você não foi sempre inhame, que antes de ser inhame você foi terra e, além disso, do estado terra para o estado inhame você “foi sendo”, no percurso, muita coisa. Conhecer é, então, transformar-se. É alquimia pura. É doar cores, aromas e texturas, mas também e ao mesmo tempo, recebê-los sem cessar. Conhecer é não resistir, é perder sempre, para ganhar sempre mais. Nenhum conhecimento está fora de nós, ele só se consuma quando nos impregnamos daquilo que recebemos da sopa dançante. E, no mesmo instante em que o fazemos, já não somos mais os mesmos: morremos para imediatamente renascer. Entretanto, para receber é preciso haver espaço. Por isso temos que doar.

Não há como se manter inalterado onde tudo fervilha e flui. Podemos tentar permanecer, com todas as forças de que dispomos, numa única posição. Congelar o ego, defender ardorosamente um único ponto de vista, uma suposta verdade. Tentar manter o mesmo aroma, a mesma cor e o mesmo sabor. Entretanto, quando fazemos isso, nós encruamos. É aquele inhame que não cozinha, fica duro. Mas o fogo é brando e o tempo é vasto! Mesmo os mais petrificados irão cozinhar inevitavelmente. Esse é o destino dos componentes do caldeirão: doar tanto e receber tanto que todas as identidades se dissolverão, um dia, num único caldo espesso de conhecimento puro. Todas as coisas aparentemente separadas irão se tornar, enfim, a mesma e única coisa: a Grande Sopa.

Olhemos de novo para o caldeirão onde o cozimento segue seu curso. Essa transmutação incessante que borbulha diante de nós vai revelando algo que já poderíamos ter suspeitado antes: conhecimento é um ato de amor. Amor é a energia que entrelaça e vincula todas as coisas. Que faz tudo dentro do caldeirão, dançar e transmutar. Para intercambiar cores, aromas e sabores é preciso estar aberto, receptivo, disponível atento, flexível. É preciso sintonizar, sincronizar, concordar, conceder, confiar, consentir. Desvestir para revestir. Decompor para recompor. Tudo isso são atributos do amor. Quem resiste encrua, quem aceita cozinha. Os encruados ficam estagnados por um tempo indeterminado. Os bem cozidos integram-se na evolução da sopa. Ganham um novo sabor, um novo estado de consciência.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

DIA DAS MÃES






Dr. Ricardo,
Caro amigo de sempre.

Mãe

De há muito apregoam aos quatro ventos que “ser mãe é padecer no paraíso”. Mas não se dão conta do real significado dessa afirmação. E, talvez, nem poderiam, pois ela é deveras esdrúxula, para não dizer intrigante, por aliar dois elementos díspares completamente excludentes: sofrimento e paraíso. 
O que é certo é que a mulher, como tal, está muito sujeita a sofrimentos. Um deles, realmente, é o de ser mãe. Principalmente hoje que deve conciliar todos os afazeres domésticos com o seu trabalho fora de casa, ou ainda seus estudos em andamento, levando a cabo, assim, uma dupla jornada estafante e, sendo mãe, uma jornada ainda mais exaustiva e pouco gratificante ou compensadora.  A não ser saber que entregou ao mundo um ser cuja proteção e problemas estarão sempre a seu cargo a solução.
Isto porque, cabe a ela, logo de início, a gestação desse ser, com todos os engulhos, que de início a acometem, os medos e aflições e expectativas que a assomam, combinados com sonhos mais propensos a pesadelos, a antevisões de dores do parto, nascimentos prematuros ou antevisões de problemas congênitos.
Afora, tudo isso, as implicações econômicas de consultas médicas, e os exames preventivos e de acompanhamento não cobertos pelos planos de saúde, desfalcando o já escasso orçamento familiar.
Aí, paira no ar o questionamento: porque ter filho agora? Porque não deixar para uma outra ocasião? Afinal, pelo bem ou mal, tudo ia correndo dentro de uma ordem que se não era o ideal, dava para se encaixar e encarar com certa tranquilidade.
Mas, também, como satisfazer a sexualidade, sem culpas ou temores? Como usar preservativos com efeitos colaterais de monta, que nos podem levar a tromboses, enfartos e, em última instância até a morte?
Como fazer com que no momento do ardor de uma transa o marido se conscientize de usar preservativos, que ele deplora? Como permanecer casada sem filhos, ouvindo cobranças de parentes próximos ou distantes, amigos, conhecidos, desconhecidos, com açulamentos invariáveis com ditos maliciosos de preconização de infertilidades mil?
Eta mundo insano! O que fazer? Não há jeito. A sociedade cobra, o marido quer ou exige, as políticas sociais são poucas e inidôneas e geralmente omissas, a Igreja aponta heresia em tudo que foge aos seus conformes, os governos punem, criminalizam quaisquer medidas contraceptivas. O jeito é acatar a ordem - dita natural – e rezar para que tudo dê certo.
O lema edificante consubstancia-se, deste modo, em deixar todos os sonhos de uma vida pessoal melhor, mais produtiva, e enclausurar-se na criação da prole, indefinidamente: Os filhos são para sempre! Em amor, alegrias, dores e pensares vãos, preocupações, cuidados, angústias pelas tardanças, noites mal dormidas pelos embates e disputas de somenos. Mas, também é preciso convir: Filhos são para o mundo!
Esta é a triste sina - não de vaqueiro-, mas da mulher, ainda que sonhadora ou não.
Afinal, como poetiza Vinícius de Moraes, em seu “Poema Enjoadinho”:
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!

Portanto, no “Dia das Mães” em prol da implantação e vigência de uma Saúde Social, ao invés de mesuras e salamaleques em torno da data, é de toda conveniência refletir, com desabusado destemor sobre: “Ser mãe é padecer no paraíso” e, assim valorizar as Mães, e não sua mera data ficcional.

Mário Inglesi

segunda-feira, 6 de maio de 2013

BURACOS E FUROS II – NEUROPLASTICIDADE E SABEDORIA V

Continuando...


Do mesmo modo que a voz e seu som preenchem o vazio do silêncio exterior, por meio do ar que vibra as cordas vocais, existe outra, que vem de dentro, mas que vibra as “cordas da alma”. Esse som da alma, que para cada um é diferente, é medicação de primeira escolha, pílula de saúde, no sentido do despertar para o significado existencial pleno. Escutá-lo pede algum grau de silêncio e saciedade quanto à necessidade de preencher buracos, sejam eles das bolsas, sapatos, carteiras, carros, assim como todos os outros símbolos fálicos e uterinos da autoprojeção social do mundo contemporâneo.

O espaço dos sentidos deve ser protegido com amor da influência do neuromarketing, assim como hoje se guarda o dinheiro protegido nos bancos. O que se apresenta aos olhos, ouvidos, olfação, tato etc., importante saber, quando repetidos ad nauseum, se tornam verdades interiores, se acostuma a elas. De tanto os órgãos dos sentidos serem estimulados a crer que precisam ser preenchidos por algo, a pessoa pode passar a acreditar que isto seja verdade, afinal de contas, se há um buraco ele precisa ser preenchido! A estrutura empática do humano, relacionada ao sistema dos neurônios em espelho (veja aqui: http://saudeconsciencia.blogspot.com.br/2011/10/neuroplasticidade-e-sabedoria-parte-iii.html), o coloca em situação de fragilidade frente aos estímulos midiáticos ao preenchimento de buracos e “vazios” (consumo).




(Envelhecendo em 1 minuto)



            Mas e o buraco existencial daquele ser que já se fartou de todas as formas de preenchimento disponíveis nas lojas de conveniência, “lojas de conivência” e centros de compras? Como preenchê-lo? De fora para dentro ou de dentro para fora? Ou será um espaço que deve ser mantido vazio? Por que geralmente se cuida mais em preencher o vazio material que o existencial? Buracos assim, como os abismos, muito comumente se associam a situações de queda e de oportunidades, como no conto autobiográfico:

Autobiografia em cinco capítulos

 1. Ando pela rua.

Há um buraco fundo na calçada.

Eu caio...

Estou perdido... Sem esperança.

Não é culpa minha.

Leva uma eternidade para encontrar a saída.



2. Ando pela mesma rua.

Há um buraco fundo na calçada.

Mas finjo não vê-lo.

Caio nele de novo.

Não posso acreditar que estou no mesmo lugar.

Mas não é culpa minha.

Ainda assim leva um tempão para sair.



3. Ando pela mesma rua.

Há um buraco fundo na calçada.

Vejo que ele ali está.

Ainda assim caio... É um hábito.

Meus olhos se abrem.

Sei onde estou.

É minha culpa.

Saio imediatamente.



4. Ando pela mesma rua.

Há um buraco fundo na calçada.

Dou a volta.



5. Ando por outra rua.

(Texto extraído de "O Livro Tibetano do Viver e do Morrer" -“ Sogyal Rinpoche -“)



            Se como vimos surpreende a proximidade etimológica de buraco e todo (Hole x Whole), causa assombro, no inglês mais uma vez, a intimidade entre as anteriores e santidade (Hole x Whole x Holy); coincidências? Talvez, mas a proximidade de santidade, sanidade e saúde enquanto estados de coerência interior não pode passar despercebida.

Viver com a sensação da necessidade constante de ter que preencher um buraco, seja por fome ou por carência, é condição comum àqueles que se encontram em estado de sub-saúde ou mesmo de pré-doença, situações diversas que antecedem o estado de doença. É precisa muita atenção para desviar deste buraco! De fato, quando se vive em um buraco, como aquele do sapo que morava no fundo do poço, é custoso acreditar nas coisas que os sapos que vêm de longe contam...




Os dois sapos.



Os “vazios” de algumas personalidades como Francisco de Assis, Sidarta Gautama, Mohandas Gandhi, bem nascidos que se fartaram de seus ambientes cheios, foram preenchidos com algo que hoje nos serve de nutrientes ou de certa forma inspiração para o viver. Ser inspiração, um dos efeitos do esvaziar-se para ser parte ao invés de ter parte de algo, é marca de quem cavou fundo em si e tornou-se recipiente para a graça, que para ser plena requer que o cálice de cada ser esteja esvaziado para que sua sacralidade seja alcançada na aliança do humano com o sobre-humano. Este estado de graça ou sacralidade acontece quando a pureza do Ser, que é eterno, é depurada do prazer do ter, que é temporal.






Possível aproximação do simbolismo do chamado “Santo Graal”; abrir-se para que a graça do sobre-humano irradie para o interior do humano, transformando-o e transformando-Se. Nesse sentido, vale lembrar a advertência de Cristo no episódio do buraco da agulha, sugerindo que em diferentes reinos ser rico se aproxima mais de um estado de esvaziamento que de preenchimento.

Finalmente, mas não menos importante, há que se lembrar: buraco e vazio são coisas muito diversas! Ao que tudo indica o vazio inexiste na natureza, já os buracos são ubíquos e vão desde os negros até os dos queijos suíços. De fato é custoso à razão conceber o conceito de vazio. Como vimos, o próprio conceito contemporâneo de vácuo traz em seu cerne a ideia de uma população infindável de partículas em estados energéticos muito baixos e próximos a um equilíbrio, que se mostra nos modelos e aos aparelhos medidores como algo que se aproxima da ideia de nada; mas, nada mesmo, como ideia de ausência de qualquer coisa ou como um vazio absoluto, só pode ser concebido pela mente e pelo pensar humanos que, aliás, são capazes de qualquer coisa. De resto, a natureza abunda em exemplos do continuum ou plenum que caracteriza o cosmos.

            Mas, dentre todos os buracos, clama cuidado supremo aquele que leva à prisão da liberdade. Michael Ende com maestria explora esse buraco no seguinte conto que conduz ao buraco que mergulha na região do círculo do caos:




Se depois desse singelo voo ainda houver espaço livre em seu Ser, permita uma sugestão respeitosa de preenchimento:

quarta-feira, 1 de maio de 2013

DIA DO TRABALHO - 1 DE MAIO 2013

OPERÁRIOS - TARSILA DO AMARAL 1933


Dr. Ricardo,
Caro amigo de partilha

Neste dia do trabalho, não há como não lembrar da abertura dos discursos do então presidente da República Getúlio Vargas: “Trabalhadores do Brasil!”, enfatizando a nova classe surgida com a Revolução Industrial implementada e, em expansão no Brasil com o incremento de indústrias fabris, então chamadas de fábricas, onde a mão de obra originária era então denominada Trabalhadores. Como tais, eram, a partir de então, remunerados com salários.
Com essa nova classe vem em seu bojo, o salário mínimo, os direitos trabalhistas, cuja consolidação data de 1943, sob os auspícios do governo Vargas, e tantas outras aspirações que vieram a se concretizar, com a implantação dos Sindicatos, cujos membros diretivos, indicados pelo próprio governo eram pejorativamente chamados de “pelegos”, por atuarem em consonância com o governo e a classe patronal.
Na roda viva do tempo, estabeleceu-se, a partir de então, o 1o de Maio, em comemoração ao Dia do Trabalho, oportunidade em que os trabalhadores aproveitavam para promover junto ao governos municipal, estadual e federal as suas reivindicações mais imediatas e prementes, em prol de melhores condições de trabalho e salário.
Mas, a roda viva não para. As condições se modificam e muitas vezes não dignificam, antes, pioram, principalmente com o advento e expansão em escala crescente do funil  do “Mercado” em que tudo é arrastado e avaliado, fazendo com que os direitos adquiridos sejam acintosamente deixados de lado e outros, advindos com a nova situação, não sejam implementados como legislação a ser exercida e cumprida.
Com isso perdeu-se as estribeiras, os parâmetros foram degringolados em favor de interesses os mais diversos, porém eminentemente escusos do lucro e da ganância sem fim. Nesse patamar, as fábricas fecharam ou se juntaram a outras para formar os grandes conglomerados de empresas, abastecidas  em grande parte não só  do lucro mas ainda do dinheiro público. Afinal, os dirigentes do governo só o são graças as grandes benesses recebidas, num jogo aberto de “toma lá, dá cá”, sem fim.
Nessa onda, o trabalhador amesquinhou-se e perdeu-se no emaranhado de interesses, substituídos por máquinas, informatização, especialistas, executivos e, em última instância, meros prestadores de serviço. Por outro lado, os dirigentes sindicais, tornaram-se afilhados dos governos, seus apoiadores ou até mesmo partícipes: como prefeitos, vereadores, deputados senadores, ou, até mesmo, presidentes de partidos ou da Pátria, quando ufanamente dizem-na “amada e idolatrada”. Por sua vez, os governos tornaram-se meras massas de manobras com fins de salvaguardar interesses próprios e imediatos de natureza eletiva, em grau desproporcional eleitoreiro e populista, num projeto apenas de poder.
Mesmo assim, ele ainda poderá gabar-se e agigantar a razão:

“De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em Construção”

Vinicius de Moraes, in “O Operário em Construção”

O Dia do Trabalho, - sem trabalhadores -, transformou-se num mero projeto de poder, agora com sua programação determinada pelas CGT e CUT que – quer queiram ou não – tornaram-no mera data de entretenimento, sem qualquer vinculação social, econômica ou política, com os trabalhadores, apenas com uma farta distribuição de prêmios, como qualquer programa de auditório ou show de megaevento, recheado de luzes, pirotecnia e muito barulho por nada.
E assim, como “La Nave Vá” singrando mares recheados de esgotos à céu aberto, saúde em pânico, mortes à granel, infância abandonada, preconceitos em ascensão, higienização humana, e democracia claudicante, etc., etc. etc.
É lógico que dirão todos, ou talvez a maioria: esse é um quadro, de uma visão passadista, pessimista, azeda, perplexa. E é, de fato tudo isso, mas não se pode dizer que não seja real: os índices e pesquisas estão aí para quaisquer confirmações.
Mas a matéria é bastante pertinente, basta lembrar que a dignificação do trabalho e do seu sujeito, o trabalhador, ou o mero prestador de serviço, não faz jus a sua inserção na pauta: “saúde é consciência”, pois o amparo pela legislação trabalhista, ainda que defasada no tempo e espaço, faz parte de um campo mais amplo e geral, constituindo a “saúde social, cujos meandros insere-se primordialmente à vida, finita, dura, trágica, mas “Vida”:

“E não há melhor resposta/
que o espetáculo da vida:/
vê-la desfiar seu fio/
que também se chama
vida,/ ver a fábrica
que ela mesma,/
teimosamente, se
fabrica, vê-la
brotar como há pouco/em nova
vida explodida.

Morte e Vida Severina – Trecho –,
de João Cabral de Melo Neto.

Feliz Dia do Trabalho a todos.
Mário Inglesi