Maria Inez de Almeida Leme Guimarães – Mãe e Psicóloga da Saúde
Desenhos animados e jogos
eletrônicos podem ser prejudiciais às crianças?
Quando
perguntamos às crianças o que lhes vem em mente quando o assunto é
entretenimento, surgem diversas atividades. Porém, as brincadeiras que exigem
movimento tem perdido espaço para as “atividades estáticas”, voltadas a jogos
de celular, computador, ipad, iphone e televisão, entre outras.
A grande diferença é que as
atividades onde o movimento é priorizado colocam a criança em ação, há troca de
energia. Enquanto as estáticas as deixam em uma atitude extremamente passiva, e
sua única "atuação" é como espectadora. Buddemeier, especialista na
Ciência dos Meios de Comunicação, descreve como é fácil, em entretenimentos
desse tipo perceber a cabeça e o restante do corpo imóveis, assim como uma
completa inatividade dos sentidos. A visão também é subestimada pois a criança
enxerga tudo sempre à mesma distância e o mecanismo sensível da visão não
recebe estímulo, se degenerando e atrofiando pouco a pouco. É
interessante notar que técnicas de fixação do olhar são utilizadas pelo
tratamento através da hipnose, ou seja, nesse estado a consciência assume papel
secundário, deixando o indivíduo extremamente suscetível. Apenas o ouvido
funciona, e mesmo assim parcialmente, devido ao som localizado e à distorção
sonora. As crianças acabam ficando desorientadas e se acostumam com imagens
prontas, inibindo seu potencial criativo e as fantasias tão imprescindíveis
para futuramente, saberem lidar com novas situações.
Crianças e mídia: Buddemeier
alerta para o papel dos pais
Todo passatempo pronto,
enfraquece a vontade e o incentivo. A vontade é reprimida, pois tudo acontece
sem a contribuição da criança. No caso da televisão, esta já pensou, já
escolheu e já disse. Mais tarde, seus pais ou seus futuros chefes se queixarão
de jovens estagnados e sem iniciativa. E a origem está aí, nos primeiros anos
de vida.
Alguns pais se contentam com o
fato do jogo, programa ou desenho ao qual a criança está exposta ser
“educativo”. Mas será que eles sabem o que de fato educa? Sabem que para uma
criança realmente aprender e para algo ganhar sentido, é preciso a criação de
um vínculo afetivo e que vínculos só são criados através de relacionamentos
reais e não virtuais? O que é aprendido virtualmente não pode ser
transposto para a realidade. Além disso, que pais são esses que delegam a um
aparelho eletrônico, a tamanha responsabilidade que é educar um filho? O que é
realmente educativo? Uma criança ouvir uma canção vinda da própria mãe,
promovendo uma troca de emoções vívidas, onde a atenção é dirigida de maneira
singular e única, ou ouvir um bicho animado pulando e cantando através de um
aparelho frio e distante de maneira mecanizada e voltado para a grande massa?
Quem se habitua a ouvir sons emitidos por aparelhos eletrônicos, torna-se
insensível à voz humana, aos suaves timbres de um instrumento musical ou aos
delicados sons da natureza. Desta forma, há um reforço do isolamento e o
contato interpessoal deixa de ser exercitado.
Rosely Sayão - Que tal deixar o celular em casa? (Folha SP)
Homem Objeto - O acesso das crianças à tecnologia pede cuidados (Estadão)
Gamificação e Saúde (Estadão)
Homem Objeto - O acesso das crianças à tecnologia pede cuidados (Estadão)
Gamificação e Saúde (Estadão)
Então aparecem frases do tipo:
“Mas meu filho adora ouvir a fulana colorida cantando, ele fica vidrado, nem
pisca!”. No início do texto encontra-se a explicação para isso. Essa postura
fixa nada tem de positiva, pelo contrário, denota quão prejudicial é tal
imagem. E é claro que ele gosta! Que criança não gosta de uma canção? Mas
será que esses pais já se deram conta do quanto seus filhos também adoram
ouvi-los cantar ou lhes contar uma história? A diferença é que nestes casos,
seus olhos brilham. Essas experiências são insubstituíveis! A criança
precisa de vivências concretas, somente estas lhes fornecerão bases profundas
para um desenvolvimento sadio. Se lhe oferecerem apenas conteúdos desprovidos
de reais sentimentos, só lhe restarão emoções superficiais a serem expressas. E
é este um dos grandes males dos jovens e adultos contemporâneos.
Uma crítica comum ao ponto de
vista que evita o contato excessivo com conteúdos dessa espécie é se a criança
não vai ficar alienada do mundo. A réplica se caracteriza por vários fatores: o
mundo está formando seres humanos tão exemplares assim, a ponto de deixarmos
nossos filhos fazerem exatamente o que a maioria faz? Ou será que andarmos na
contramão é um sinal de consciência saudável e percepção diferenciada?
Substituir a atenção das crianças a sensacionalismos excessivos por leituras
inteligentes e formadoras de opinião não seria um caminho mais apropriado do
que mantê-las presas a um pensamento massificado e que tem trazido resultados
desastrosos para a humanidade? Por que deixar o mundo lá fora orientar nossos
filhos se estamos cansados de saber que os valores estão invertidos e que algo
precisa mudar? Portanto, há realmente algo de tão perfeito e valioso a ser
aprendido através de programas televisivos ou softwares “educativos”? Não ser
conformista é o primeiro passo rumo à conscientização e ao consequente
progresso da humanidade.
Na Europa já existem hospitais
especializados nos males causados pela televisão. Segundo Buddemeier, pesquisas
mostraram que: “Utilizando como critério a frequência de cenas violentas,
observa-se que os programas de ficção ocupam o primeiro lugar, sendo que 93%
deles contêm cenas de violência. Surpreendentemente, o segundo lugar é ocupado
pelos programas infantis: 89% deles contêm violência”. As crianças se acostumam
de tal modo ao conteúdo agressivo ao qual são expostas frente às telas, que se
tornam necessárias sensações e estímulos cada vez mais fortes para
mobilizá-las. Aos poucos, a sensibilidade é perdida.
Em um estudo americano intitulado
“Television and violence” realizado por Centerwall, ele afirma que “a violência
grave explode frequentemente em momentos de grande estresse, e o mais provável
é que, exatamente nessas ocasiões, jovens e adultos recorram às suas mais
arraigadas ideias sobre o significado da violência. Grande parte desses
conceitos terá advindo da televisão”.
Enfim, é cada vez mais
preocupante saber onde estão esses pais enquanto seus filhos requerem atenção e
direcionamento. Será que esse apelo ao fator dito educativo dos programas ou
essa busca frenética por preenchê-los de atividades e informações, não é muito
mais uma fuga de suas próprias responsabilidades? Pois não basta proibir ou
ignorar a televisão e outros tipos de diversões fáceis, deve haver uma
substituição por algo saudável. Contudo, para oferecer opções positivas para os
filhos, esses pais precisam estar disponíveis.
Aí entramos em mais um âmbito
repleto de contradições. A sociedade moderna abre mão de todas as suas relações
em nome de retorno financeiro. Não basta ter o dinheiro suficiente para o
necessário. É preciso ter mais. É claro que não podemos generalizar essa
situação para famílias de baixa renda que não tem alternativa a não ser
trabalhar noite e dia. Aqui está em pauta pais que acabam gastando grande parte
do seu salário terceirizando suas relações, mas não abrem mão dessa mesma
quantia para passarem mais tempo com seus filhos. Trabalham excessivamente para
pagar a babá, para proporcionar-lhes atividades extras e para chegarem exaustos
em casa apenas no momento de desejar boa noite. Há um contrassenso aí, não? Por
que a opção de trabalhar menos e ganhar o suficiente para estar com o filho,
não é levada em conta? Criança não precisa ter seu tempo entulhado com
atividades intelectuais, precisa sim de mais tempo recebendo atenção, carinho e
afeto.
Ser mãe é muito diferente de simplesmente
ter filho e educá-lo é trabalhoso, delegar essa função o prejudica. É preciso
pensar antes! Se os casais planejassem a chegada de um filho, assim como
planejam sua festa de casamento, sua viagem de lua de mel, o apartamento onde
desejam morar ou até mesmo como planejam a compra do enxoval do bebê nos EUA...
Já seria meio caminho andado!
Estamos em um círculo vicioso que
requer uma nova consciência. A televisão e a tecnologia em geral não são os
únicos vilões da história, mas é importante notar que ambos estão a nosso
serviço e não nós a serviço deles, como tem acontecido. Devem ser
utilizados com bom senso e parcimônia. Além disso, o materialismo atingiu tal
nível, que o ser humano não consegue diferenciar necessidade de prioridade. E
nessa contramão de valores, a educação ganha um presente grego: educadores
despreparados.
Devemos cultivar valores internos
onde a essência se sobrepõe à aparência, onde o ser prevalece ao ter e onde o
real e verdadeiro seja priorizado. Somente assim haverá pais conscientes e com
conteúdo passível de imitação para seus filhos. Crianças imitam o tempo todo,
há inclusive uma imitação inconsciente presente sem cessar. Se o exemplo que
elas têm em casa as alimentarem de maneira superficial, teremos futuros adultos
com esse mesmo perfil atuante. É preciso iniciar uma mudança de dentro para
fora. Quem quer viver em um mundo melhor, deve ser melhor e dar exemplos
melhores. Uma andorinha não faz verão, mas se não existir a primeira para
começar, nada nunca irá mudar.
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