Continuação de:
Simetrias I
Simetrias um pouco mais
Simetrias II
Simetrias III
Simetrias I
Simetrias um pouco mais
Simetrias II
Simetrias III
Narciso e Eco - Observe-se a verticalidade x horizontalidade além da cor das vestes |
Existe como que uma
simetria linguística, conceitual, envolvendo as ciências duras e moles. Dura e
mole são, neste caso, sinônimos para o entendimento respectivo das ciências
natural e social (Ciência - wikipedia).
Grosso modo, a sustentação conceitual para que uma ciência seja considerada
dura é a existência de um paradigma (modelo) sobre o qual ela possa ser
constituída (Paradigma - wikipedia).
Os proponentes mais exaltados deste pensar argumentam que as "ciências
moles" não usam o método científico, e que ousam admitir evidências “anedotais”
ou não matemáticas, carecendo de rigor em seus métodos!
Oponentes moderados
argumentam que as "ciências sociais" se articulam sobre sistemáticos
estudos estatísticos em ambientes estritamente controlados e que essas
condições nem sempre são respeitadas sequer pelas ciências naturais. Cite-se a
Astronomia, ciência observacional que se desenvolve peculiarmente, haja vista
as grandezas e distâncias envolvidas.
Galáxia Sombrero |
De fato, para uma teoria
classificar-se como científica, deve obedecer aos rigores do método científico
sem que transcenda o paradigma vigente
sob o qual foi concebida. Mas, e se a teoria não couber no paradigma, for maior
que ele? Isso implica que para um conhecimento em humanidades adquirir grau de
científico, deveria se articular sobre um paradigma. Neste caso, isso
implicaria em estabelecer um modelo ou compreensão básica em relação à questão
magna: “O que é a Vida?”. Mas como alcançar questionamentos desta envergadura neste momento em que o humano chafurda em preconceitos? Pré conceitos falsos assumidos a priori decorrentes de seu próprio desinteresse a respeito do que seja a vida. Para muitos, até hoje, a Terra orbita um Sol central estático, ignorando o fato do mesmo ser um viajor sideral a cerca de 72000 Km/h ou 20 Km/s!
Supondo que tal paradigma
pudesse ser estabelecido, uma ciência, gramaticalmente constituída e
funcionalmente equipada, com sua matemática própria e com suas leis daria os
ares de sua graça. Curioso notar, entretanto que o próprio método científico e
seu atual paradigma dificulta a possibilidade de um novo olhar, visto ser hoje
pedra angular de toda estrutura social. Na mesma medida em que é palavra última
a respeito do que se trata a vida e sobre qual é a direção do “progresso” e
sobre o que é desenvolvimento, silenciosa e sub-repticiamente determina como as
pessoas devem viver.
“Uma mentira
repetida mil vezes torna-se verdade” (J.G.)
Lembre-se que o humano,
sendo sugestionável e respondendo instintivamente a muitas situações,
presentemente tem pouca consciência do processo maior que subjaz à própria
existência. De fato, viver menos de um século deveras dificulta esta
compreensão, especialmente em momentos de liquefação nas relações e aceleração
do ritmo de vida decorrente do estado sutil de adoecimento social.
Fundamentalmente isso deságua em outra questão magna da qual o humano se afasta
mais a cada dia: “Qual é o sentido da vida?”. Ocuparam-se desta questão com
propriedade solene, dois pensadores de ascendência judaica, Viktor Frankl e
Erich Fromm.
Em vista da
insolubilidade epistemológica desta questão, Schrödinger, físico fundamental na
elaboração da teoria quântica (cuja equação de onda leva seu nome), interessado
em religiões tradicionais e filosofia da física, deu um pequeno passo em seu
modesto e profundo ensaio: “O que é a vida” (What is life – 1944). Sem entrar
nos pormenores, a parte curiosa diz respeito à sua colocação em relação às
simetrias e à biologia. Nesta obra, leitura imprescindível, o autor esmiúça um
olhar simétrico e comparativo aos cristais periódicos e aperiódicos. O
cromossomo (DNA) pode ser visto como um cristal aperiódico carregador da vida,
segundo ele. Em suas palavras:
“Para dar à
sentença vida e cor, permita-me antecipar o que será explicado em muito mais
detalhes à frente; seja que a parte mais essencial de uma célula viva, o
cromossomo, possa ser chamada apropriadamente um cristal aperiódico. Em física
temos lidado, até então, apenas com cristais periódicos. Para a mente de um
físico humilde, estes são objetos muito interessantes e complicados, constituindo
uma das mais fascinantes e complexas estruturas materiais pela qual a natureza
inanimada arquiteta sua perspicácia. Ainda assim, comparados aos cristais aperiódicos, eles são
mais simples e sem graça. A diferença em estrutura é do mesmo tipo que aquela
entre um papel de parede ordinário no qual o mesmo padrão se repete
indefinidamente em periodicidade regular e um bordado artístico, digamos uma
tapeçaria de Rafael, sem repetições óbvias, mas um desenho elaborado, coerente,
significativo traçado pelo grande mestre. Ao chamar o cristal periódico como um
dos mais complexos objetos de sua pesquisa, eu tinha em mente o físico
propriamente. A química orgânica, na verdade, ao investigar moléculas mais e
mais complexas, se aproximou muito mais daquele “cristal aperiódico”, que em
minha opinião, é o material carregador da vida.” (E. Schrödinger –
What is life? The Physical Aspect of the Living Cell – 1944. p.3-4)
Cerca de nove anos após as
palavras de Schrödinger, Watson e Crick em 1953 descreviam a molécula de DNA, sendo
em 1962 agraciados com o Nobel de Medicina. Mais recentemente, em 1995, uma
nova obra: “O que é a vida? 50 anos depois” – traduzida pela editora UNESP –
revisita a proposta de Schrödinger e nos presenteia com várias novas pérolas e
especulações sobre o futuro da biologia; merece ler e reler!
Recentemente, alguma
atenção foi dada aos cristais aperiódicos conforme citação na segunda parte da
presente reflexão, em relação aos quasicristais. Mas enquanto a ciência não
monta o “quebra-cabeça”, sempre vale apreciar visões menos convencionais, que fora
do paradigma vigente possam oferecer alternativas ao pensamento cristalizado,
mineralizado e quiçá morto.
A fim de explicitar
graficamente as relações possíveis no mundo fenomênico, os físicos utilizam o
diagrama de Minkowiski (Diagrama Minkowski - wikipedia).
Pelo diagrama é possível observar três tipos de intervalos na
descrição da realidade: tipo tempo, tipo espaço e tipo luz. Grosso modo,
habitamos uma realidade do tipo tempo, caracterizada pela observação sucessiva
de eventos que interpretamos a partir da noção de que uma causa gera um efeito
consequente. Simplificando, no intervalo tipo luz, o tempo pararia e a
causalidade cessaria como se fosse um mundo de simultaneidade atemporal. No
intervalo tipo espaço, é concebida conceitualmente a ideia de um espaço de realidades
fenomênicas ocorrendo a velocidades superiores à da luz, o que ocasionaria um
desacoplamento da relação de causa e efeito conforme estamos habituados,
podendo o efeito se manifestar antes da causa, por exemplo. Esta concepção aparentemente
insana é bem ilustrada por Steiner abaixo. Autores como Alan Lightman em “Sonhos
de Einstein” e Italo Calvino em “Cidades Invisíveis” encaram estas ideias com
galhardia e estimulam a criar espaço interior para conceber a realidade sob
perspectivas inusitadas até o momento presente.
Rudolf Steiner proferiu
uma palestra em 17 de maio de 1905 sobre possibilidade insólita e ainda pouco
considerada em nossos dias, senão repudiada. Trata-se de um olhar à quarta
dimensão como outro plano de existência, chamado pelo autor de mundo astral. O
pré-requisito básico para a compreensão das ocorrências neste espaço seria a
interpretação simétrica de eventos! Nas palavras de Steiner, os eventos
posteriores ocorreriam primeiro e os anteriores ocorreriam a posteriori, ocorrendo
aqui como que uma inversão na relação de causalidade (causa-efeito). Se no
plano físico o nascimento ocorre primeiro e nascimento significa que algo novo
nasceu de algo antigo, no plano astral o antigo emergiria do novo, de modo que
a paternidade e a maternidade estariam de fato no interior do filho ou da
filha.
Usando a mitologia grega
como instrumento, Steiner simboliza três mundos a partir das divindades gregas Urano,
Cronos e Zeus. Urano representando o mundo do pensamento (devachan), Cronos o
mundo astral e Zeus o mundo físico. É dito que Cronos devorava suas crianças.
No mundo astral, a criação não nasce, mas é devorada. Nas palavras de Steiner:
“A questão se torna ainda
mais complexa quando consideramos a moralidade no plano astral. A moralidade,
também aparece de forma reversa, ou como sua própria imagem espelho
(simétrica). Você pode imaginar o quanto as explicações dos eventos lá diferem
de nossas explicações habituais no mundo físico. Imagine, por exemplo, que
vejamos um animal selvagem se aproximando de nós no mundo astral e que ele nos
devora. Assim é como parece para alguém habituado a interpretar eventos externos,
mas não podemos interpretar este evento como o faríamos no mundo físico. Na
realidade, o animal selvagem é uma qualidade interna, um aspecto de nosso
próprio corpo astral que nos devora. O ataque devorador é uma qualidade
residente em nossos próprios desejos. Se tivermos um pensamento de vingança,
por exemplo, o pensamento pode assumir uma forma exterior e nos atormentar como
o Anjo da Morte. Na realidade, tudo no mundo astral irradia de nós. Devemos
interpretar tudo que se aproxima de nós no mundo astral como irradiado a partir
de nosso interior. Este conteúdo retorna a nós por todos os lados como vindo da
periferia, do espaço infinito. Na verdade, entretanto, estamos nos confrontando
apenas com o que nosso próprio corpo astral emitiu.” (R. Steiner –
The Fourth Dimension – Sacred Geometry, Alchemy and Mathematics – p.20)
É preciso parcimônia
neste momento em que tudo parece vitimado por explicações quânticas, apesar de até
agora a teoria estar dando conta do recado, ao menos dentro do domínio físico
material. Aferir realidades suprassensíveis com técnicas e materiais de uma
realidade inferior parece contrassenso a ser repensado. Ao que tudo indica pode
ser necessária uma transformação na própria forma como concebemos a realidade antes
de prosseguir.
Explicar o inexplicável
ou inefável com substratos do mundo da matéria pede atenção! A razão e a lógica
são ferramentas indiscutivelmente poderosas dentro de suas arenas, mas podem
não sê-lo em outras questões. Um modelo alternativo de elaboração, nem melhor
nem pior, apenas diferente, é o pensar analógico que encontra nos mitos sua
expressão plena. Os mitos funcionam como um milagre ou espelho que por
concessão simétrica nos permite algum vislumbre do incognoscível, desde que
haja mínima reverência no coração do buscador pelo fundamento de sua busca
(Michael Ende trata disso no capítulo 6 e 7 da obra "História sem Fim").
Não bastasse isso tudo,
um afastamento temporal ainda mais ousado, permite o vislumbre de um fenômeno
simétrico significativo, ainda pouco compreendido, descrito por Paulo na
primeira carta aos Coríntios.
Conversão de Saulo - Note-se a horizontalização do humano e a verticalização do animal - Damasco (Cidade do Jasmin) |
“A nossa ciência é
parcial, a nossa profecia imperfeita. Quando chegar o que é perfeito o
imperfeito desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, pensava
como criança, julgava como criança, quando me tornei homem, acabei com as
coisas de criança. Porque agora vemos
por um espelho, obscuramente; mas então veremos face a face. Agora conheço
em parte; mas então conhecerei plenamente, assim como também fui plenamente
conhecido.”
A provocativa simetria poética
do texto acima se faz ainda mais significativa quando vista à luz da concepção
Paulina de corpo psíquico (Soma Psuchicon - Psiqué – Alma), corpo alma – que animaria
o corpo físico (anima = alma) e permitiria o despertar consciente nos planos
suprafísicos; enfim, a ideia de um corpo representando a própria manifestação conceitual
e funcional de simetria.
Loucura ou caminho para
um pensar mais vivo?
Acabou...? Quero mais!
ResponderExcluirPor falar de simetrias, parece q estamos caminhando em espaço-tempo paralelos.
Colocar Schoredinger, Steiner e Paulo de Tarso em conexão foi uma obra de arte.
Obrigada por compartilhar.
Muito bom mesmo.
Saudades.
MP
Cara MP!
ExcluirEu que lhe agradeço a bondade das palavras!
Sobre quero mais, só posso lhe dizer que já está sendo feita a massa para a próxima pizza, adianto que será sabor simetrias literárias e mitológicas...
Ainda guardo nas mangas material de estudiosa renomada sobre o infinito e sobre o efeito Schumann.
Sendo assim, não acabou, apenas começou...
Até já
Ricardo, obrigada pelas reflexoes e textos maravilhosos compartilhados.
ResponderExcluirExcelente Pascoa, Feliz renascimento. Shirley