Veja também: Páscoa - um pouco mais...
Experimente escutar o Agnus Dei de Barber enquanto lê o texto...
Culminância e profundeza,
alegria e mistério, seiva e sangue permeiam a memória do planeta, que desde
seus primórdios celebra o momento presente enquanto símbolo maior da vida. A Páscoa
fundamenta tema de rara complexidade e limitado alcance ao humano, fadado à
parcialidade por melhor que seja a intenção. Este passeio denota uma
possibilidade, ainda que limitada, de contemplar o mistério vivo e seu
correlato: o ministério da vida.
Como tudo o que a vida
toca, o símbolo se transforma, e ainda que a visão não seja plena, sejamos
reverentes às faces que se nos apresentam, pois que talvez se trate apenas de
parte. De fato, mais que o símbolo, é o olhar que se transforma, passando a ver
o que sempre esteve ali com outra veste. Na antiguidade, Vesta (Vesta – romana;
Héstia – grega) portava e preservava o fogo sagrado, símbolo maior da vida.
Fora primavera e equinócio
que fundamentasse a força da terra que germina; fora o sangue do cordeiro que
sinalizasse à passagem do anjo da morte preservando os primogênitos antes da
fuga do Egito; fora o sangue do cordeiro (áries) que tenha se manifesto a
partir das águas do caos (peixes); fora o humano que compreendeu que a Vida é
mais e A escolheu, que a essência luza e em sua luz possamos banquetear ágape.
E que este passado seja mais que perfeito em forma, pois que é essência.
Rupert Sheldrake convida
que admiremos a natureza sob a perspectiva de hábitos que evoluem e não a
partir do paradigma de leis imutáveis – veja em: TED - Os Hábitos da Natureza. Curiosa e
desconfortável abordagem para aqueles de nós em busca de verdades apreensíveis,
inquestionáveis e inquebrantáveis, quem sabe verdades mortas; afinal só o que é
morto não muda, vida é mudança e transformação.
Olhar a Páscoa atualizada
por esta lente é descobrir semelhança clara entre as concepções acima; desde
Ostera (Easter) que carrega o coelho e representa as forças da natureza
primaveril do equinócio, passando pelos primogênitos que preservam a vida após
a passagem do anjo e culminando em Cristo que nasce na terra quando o sangue do corpo de
Jesus (Agnus Dei) toca o solo, em todas estas Páscoas é possível ler o que subjaz às
aparências; a vida que silenciosamente as permeia. Diferentes visões,
diferentes hábitos, apenas um movimento na transfiguração do símbolo que ganha roupagens
diversas ao se mesclar ao tecido temporal da história da humanidade. Afinal, as
coisas são o que são porque foram o que foram.
Por se tratar de
festividade móvel, no calendário solar,
a cada ano a celebração da Páscoa é calculada segundo algoritmos relacionados à
posição dos luminares celestes, o Sol e a Lua. Na época da Páscoa, do ponto de
vista calendário zodiacal, o Sol está na maioria das vezes relacionado ao signo
de Áries e menos comumente ao signo de Touro, visto variar entre os dias 22 de
março a 25 de abril, em ciclos que se repetem a cada 5,7 milhões de anos (vide
figura abaixo).
Práticas irmãs, podemos
observar que o judaísmo e o islamismo guardam nítida afinidade com a Lua, enquanto a prática
cristã com o Sol. A simples observação de como o dia é descrito no Gênesis torna
isso claro (Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o primeiro dia).
Veja sobre calendários
lunares:
Ora, a Lua apesar de eventualmente
diurna, reina soberana à noite; sendo assim, certas culturas assumem a noite como
princípio do dia. Até onde pude notar, verifique você, a Páscoa judaica sempre
ocorre na Lua cheia; de modo complementar, a Páscoa cristã nunca ocorre na lua cheia, menos
ainda com a lua se enchendo (caminhando para fase cheia), mas sempre que a
mesma está se esvaziando na direção de nova. Este fato, de forma alguma
coincidência, é o motor da mobilidade da Páscoa conforme observada no
calendário solar. Veja como é feito o cálculo da Páscoa:
A dificuldade em lidar
com a dicotomia simbólica do coelho e do cordeiro em relação à Páscoa,
especialmente quando se pensa em Cristo ou na passagem do anjo da morte,
decorre da superficialidade do olhar dos observadores. Aparência e essência; em
uma a multiplicidade da unidade, noutra a unidade da multiplicidade. Duas
situações, um símbolo, o sangue do cordeiro; no primeiro caso, Cristo Jesus é a
própria representação do cordeiro (Agnus Dei) a ser imolado; no segundo caso, a marcação
das portas com o sangue do cordeiro impedindo que os primogênitos das famílias
judaicas fossem levados pelo anjo da morte (vide pragas do Egito).
Páscoa - Coelho ou Cordeiro? |
Vale ainda lembrar que os
leporídeos coprófagos (coelhos) que não botam ovos e tem alta capacidade reprodutiva
(gestação breve (30 dias) e em alguns casos aptos à fecundação com menos de
seis meses de idade) encontram sua relação com a Páscoa em Ostara (Sobre Ostara - Wikipedia), entidade associada em mitologias
antigas ao início da primavera.
Quanto aos ovos, existem relatos
de que nem sempre foram comestíveis, apenas decorados com símbolos
primaveris e sagrados. Curioso que atualmente muitos acreditam comer chocolate
quando na verdade saboreiam essência de cacau misturada com leite e gordura
hidrogenada. O simples hábito de ler o rótulo do produto pode minimizar este “atentado”
à saúde decorrente de práticas comerciais que visam lucrar em detrimento da saúde alheia.
Em reportagem recente (2014) para revista de utilidade pública, especialistas
alertam:
“No geral, o trio de experts concluiu que os ovos testados
são "regulares". “Tenho pena das crianças de hoje, que crescem
achando que esse tipo de doce é chocolate”, lamentou Janaína. Para Corazza, o
cenário é “entristecedor e funciona como um desserviço à sociedade”. Critérios
como a qualidade do chocolate, a espessura da casca e a textura do recheio, bem
como a harmonia entre os dois fatores, deixaram a desejar. “Muitos deles nem
pareciam chocolate de verdade”, criticou Danielle. "Tinham sabor de
essência e gordura hidrogenada", diz ela. Fonte: Artigo Veja SP
Apesar de percalços como
estes, a época da Páscoa é ideal para melhor compreender as semelhanças entre as
visões judaica e cristã. Nesse sentido, a Wikipédia oferece um vislumbre
bastante razoável sobre o tema:
A despeito do
convencionalismo da época e dos costumes vigentes desde nossa infância, existem
abordagens do tema pouco conhecidas. Rudolf Steiner é um destes pensadores que exploram
com reverência suprema, em sua bela obra “O Evangelho Segundo João”, o evento Páscoa,
culminância da experiência de Cristo Jesus (Pode ser escutado em inglês no
link: Steiner - Evangelho São João). O autor nos apresenta a ideia de
Cristo enquanto entidade cuja “gestação” ganha espaço na figura histórica de
Jesus, no momento do batismo à margem do Rio Jordão. Por três anos Cristo Jesus
irradia em seus passos o fundamento de sua manifestação, a semeadura do
princípio do amor na Terra. Nessa linha a Páscoa representa a culminância de um
processo supremo no qual Cristo “gestado” em Jesus permeia, a partir do sangue derramado
no Gólgota (lugar da caveira), o corpo da Terra; neste momento a própria
entidade Cristo nasce no seio do
planeta. É curioso notar como este simbolismo unifica a Páscoa de modo sui
generis, visto transformar uma primavera exclusiva ao hemisfério norte em
outra, a Primavera de uma Terra unificada.
Max
Heindel e Corinne Heline também deixaram algumas pérolas sobre a mística pascal
que pedem atenção da parte do estudante interessado em se aprofundar no assunto:
De fato, toda Páscoa é
natividade e momento de reflexão. Kieslowski em seu “Decálogo” aguça a
percepção, sendo profilaxia às escolhas por vir...
Aqui o primeiro de dez, os outros são
fáceis de achar:
Nikos Kazantzakis, escritor, poeta e
pensador Grego; autor de “Zorba o Grego” e “A última tentação de Cristo”
(1951), filmado a posteriori por Martin Scorsese (1988), me acompanha nesta Páscoa
em sua curiosa obra: “O Cristo Recrucificado”. Natividade é o nome que ele usa
para descrever este momento em que Cristo revisita a terra. Finda a obra, uma
pequena parábola contada pelo personagem Photis, chamou atenção:
–
Era uma vez dois caçadores de pássaros que foram montar armadilhas numa
montanha. Armaram-nas e, voltando no dia seguinte, que viram? Estavam cheias de
pombos selvagens. Os pobres animais jogavam-se contra as redes num esforço
desesperado para escapar, mas as malhas eram muito cerradas; por fim os pombos
se encostaram uns aos outros e aguardaram, tremendo. “Estes animais danados
estão pele e osso”, disse um dos caçadores. “Como é que vamos vendê-los no
mercado?” “Nós os alimentamos bem por alguns dias para engordá-los”, disse o
outro. Deram-lhes grão em abundância, trouxeram-lhes água. Os pombos começaram
a comer e a beber com avidez. Um apenas se recusou a tocar no grão. Nos dias
seguintes, foram alimentados do mesmo modo. Engordavam à vista d’olhos. Só o
refratário emagrecia e tentava sem descanso passar através da rede. Vieram
enfim os caçadores buscá-los para os levar ao mercado. O pombo que recusara a
comida tinha emagrecido tanto que num golpe de asa voou, livre, no ar...
Na esperança de que tenhamos clara no coração a diferença entre Buda e Budismo, Cristo e Cristianismo, Páscoa e "Pascoalismo", ficam aqui os votos de uma Boa Páscoa!
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