Texto autoral de Ana Cristina Guimarães
A medicina atual é
dominada pela técnica científica, pensamento racional e mercantilismo. Caduceu e Bastão de Asclépio, acima representados, dois símbolos, duas realidades diversas que ilustram a tensão entre comércio e medicina; mas qual é qual? quem é quem?
No argumento técnico
científico os seres humanos são considerados aglomerados de células comandados
pela genética e pelo cérebro. Todos são considerados iguais, o que possibilita
o desenvolvimento de “protocolos” para o tratamento de doenças, onde a
individualidade do paciente ou do médico é desconsiderada. Eles são “peças de
uma máquina”, comandados por “operadores da saúde”, onde o principal objetivo
não é mais a cura, mas sim o lucro financeiro.
Nos “seguros- saúde” o
paciente é um “cliente” e o médico uma mão de obra “qualificada e barata” como
afirmou publicamente um presidente de uma destas empresas. A lógica do “bem comum” proposta pela saúde
massificada foi transformada em planilha de custo, e o homem e sua saúde,
avaliados tais como um fazendeiro avalia o seu rebanho para venda.
No microcosmo de uma
consulta médica, a relação médico paciente foi progressivamente se
deteriorando, a ponto de pacientes escolherem o seu médico através de uma
relação do convênio, e entrarem na consulta sem sequer saberem o nome do
profissional que irá atendê-lo.
-Se sou insignificante,
também quem cuida de mim deve ser insignificante!- é o pensamento arquetípico
por detrás desta conduta.
Segundo o filósofo Bauman, Z.(4), as relações humanas se
tornaram líquidas, frouxas, permeadas de uma falta de compromisso de ambas as
partes. Assim também aconteceu na prática médica. O paciente não conhece mais o profissional
que o atende, e nem este também tem interesse em conhecer o paciente a sua
frente. Pede-se apenas uma resolução objetiva, prática e rápida da doença
apresentada. Se isto não ocorre, segue-se ao próximo profissional da
lista.
A modernidade produziu
segurança e abundância, isto é inquestionável. Na medida em que a população vai
aumentando em número, mecanismos de controle vão se intensificando em nome da “paz,
felicidade e segurança”. Um destes mecanismos de controle é a afirmação de que
o homem nada mais é do que um animal racional e biológico, igual a todos os
outros. Isto bloqueia a procura por um pensamento original, criativo. E pessoas
que não pensam por si podem ser facilmente controladas.
Soma-se a isso o
narcisismo doentio, característico de nossa sociedade - “Se sou apenas um
animal e tenho só esta vida, então é melhor aproveitá-la o máximo possível”. A
finalidade da vida deixa de ser construir significados e relacionamentos ou adquirir
sabedoria para apenas se tornar uma busca interminável de prazeres momentâneos,
como ressaltado por Lash, C.(2,6) – O
consumo torna-se desenfreado. No âmbito da saúde vemos isto transformado na
busca do médico da moda, o melhor tratamento e o hospital mais caro para os que
podem arcar financeiramente com estes custos. Para os que não podem, resta
apenas o “muro das lamentações” no serviço público.
Como o Homem se permite
ser tratado assim? Como um ser que era a imagem e semelhança de Deus,
considerado único, um ser com alma e espírito imortal, permitiu-se involuir
para uma engrenagem de uma máquina, mais insignificante que uma barata ou um
animal de rebanho... - esta é a grande questão!
E o médico, cujo símbolo
era o bastão de Asclépio, conhecedor dos mistérios da vida e da morte da Grécia
e Egito foi transformado em mão de obra barata e qualificada,
portando um crachá de Prescritor em Congressos Médicos?!
Os profissionais da saúde
precisam aprender novamente a “pensar
mais alto”. A ciência e a técnica são extremamente bem vindas desde que o
Homem as controle, e não seja dominado por elas. O nível da consciência do
Homem deve se elevar acima delas para poder manipulá-las, associando-as a
outros conhecimentos e a uma visão ampliada que o Homem antigo possuía. Neste
âmbito de conhecimento é tão importante o estudo da filosofia, história,
psicologia entre outros, tanto quanto a biologia e a química.
O entendimento ou a busca
do que é verdadeiramente o Homem deveria ser fundamental na esfera da saúde e
da pesquisa.
Raciocinando em longo
prazo, nas escalas cosmológicas, estamos cotidianamente sendo alertados por
cientistas da importância da mudança de nosso estilo de vida, padrões de
consumo e prioridades, para que o Homem sobreviva na Terra. Precisamos decidir
o que somos e se vale a pena se preocupar com nossa espécie. A vida e a
consciência são raras e preciosas no Universo, ou apenas um evento
insignificante, no qual o desaparecimento produziria apenas mais um relampejar
de luz? O paciente a minha frente é único, também raro e precioso ou apenas
mais um animal no rebanho...
Prezada Ana, Ouço sua angustia e indignaçåo como ser humano. Me angustio tambem ao te ouvir. Venho pensando muito a respeito e vejo a sociedade rendida aos encantos da "modernidade", tecnologia e soluçøes compradas. Estas caracteristicas såo vendidas, intrjetadas no cotidiano das pessoas que acabam tomando isto como verdade. O medico, este profissional treinado para corrigir os "defeitos do organismo"tambem como ser humano pertencente a esta sociedade, passa a ter isso com verdade, e pior, acredita ter dominado totalmente a tecnica elevando-se a categoria de deus. Como deus é a verdade seus paragmas se tornam imperiosos a toda a sociedade. Vendido caso a caso ou na midia pode-se perceber o perigo. As pessoas chamadas de pacientes ou clientes passam a se tornar refens destas verdades, digo mais, principios, mais ainda, designios de deus. Agora terao que a qualquer situaçåo consultar os detentores do saber. Nåo poderåo ter ideias ou opinioes sobre o assunto.
ResponderExcluirQue soluçåo? Formar um medico aprendiz, ou seja, aprendendo com o seu "paciente"ao ouvi-lo e faze-lo participar do seu processo de "cura" ou retorno ao equilibrio. Sou um pediatra, é assim que me chamam, e comentam que a minha funçåo maior é cuidar das måes que eståo descontroladas ou "neuroticas" e outros adjetivos mais. Acho que a rendiçåo antes aos encantos acima citados impedem-nas de deixarem suficientemente tranquilas a respeito de como cuidar daquele ser. Ficam entåo dependentes deste deus e passam a olhar este ser, seu filho, como uma bomba prestes a ëxplodir". Dar a elas o controle da situaçåo e auxilia-las a vencer os obstaculos talvez seja a melhor conduta. Ary
Ola, Ary, concordo com suas palavras.Muitas vezes o proprio paciente sabe a causa de sua doença e até como soluciona-la.Basta apenas Ouvi-lo com O maisculo.E a coparticipaçao dele em todo o tratamento é essencial. Obrigada pelo seu comentario!
Excluir