Tudo o que existe, o que é, e também tudo o que se crê existir
define um ente. Em outras palavras, somos entes na medida em que nos
emancipamos, nos individualizamos da massa amorfa, nos tornamos saudáveis,
enfim nos pertencemos.
Se por algum motivo nos afastamos desse estado fluídico do
ente, do ser, da saúde, alteramos nosso estado de pertencimento a um novo
estado que podemos denominar como ser possuído por. Quando me
torno possuído por, deixo de ser ente e passo a pertencer a alguma
entidade. Ou seja, me torno do ente; do ente que me possui. Nesse caso estou
doente, vivencio a doença, enquanto refém desse estado.
Ao procurarmos em outros idiomas, pois idiomas têm uma vida
interior, vamos encontrar semelhantes constatações em relação à doença. No
inglês uma possível tradução da palavra vontade é "will". O
processo de adoecer implica em perder o acesso ao livre exercício da vontade
(no inglês livre arbítrio = free will). Quando minha vontade não é suficiente
para que eu aja com liberdade eu me encontro doente (ill). Tornar-se
"ill" no inglês é tornar-se refém das circunstâncias e portanto do
ente ou da doença. Um "w" a menos e quanta diferença, não é mesmo?
(When I loose my will I get ill). Um "do" a mais e quanta diferença
faz!! (do-ente).
O convite atual proporcionado pelos meios de comunicação, pela
opinião pública e pelo senso comum, é um risco potencial à saúde. Radical? Não,
claro! Apenas lembremos que vivências dessa natureza deslocam a pessoa de si em
direção aos valores oferecidos a partir de convenções externas ao ser. É comum
que alguém seja constrangido em sua forma de ser, por uma forma de ser assumida
por um grande número de pessoas ou, ainda mais maquiavélico, por alguma
personalidade marcante com quem me identifico.
Nessa medida, a pessoa constrangida pode perder-se de si. Pode
momentaneamente deixar de pertencer-se e passar a responder a outros valores,
seja uma ideia, um sonho, uma ilusão ou mesmo algo que a desvia de seu
propósito ou princípio existencial. Esse tipo de perder-se equivale a tornar-se
doente, um estado de dependência de um modo operacional externo a seu ser.
Uma sociedade doente é toda aquela onde o individual é visto com
indiferença. Viver em uma sociedade doente significa esquecer de si e seus
propósitos existenciais, mergulhar na manada, na massa, na moda e na mídia.
Vejamos bem que somos livres para escolher esse caminho, mas a questão é
fazê-lo conscientes da existência de outra opção, e não como que forçados pela
ignorância de podermos optar! Posso ser materialista ou não, posso escolher.
Dar a César o que é de César. O que escolho determina o que sou e como
atuo no mundo.
As sociedades superorganizadas, plasmadas na competição,
pragmatismo e utilitarismo, enfrentam, a despeito de seu alto nível social e
cultural alguns efeitos colaterais desafiadores. Arriscando elencar alguns
encontramos: o suicídio em grande escala, o uso
indiscriminado de drogas alucinógenas legais ou ilegais, as doenças
cerebrovasculares (derrames cerebrais e enfartes), a dissolução da família
e a mercantilização do erotismo associada ao decorrente aumento nas estatísticas de abusos sexuais os mais diversos e perversos.
Para o materialista, o humano é o topo da cadeia evolutiva, não há
nenhuma forma de vida superior à forma humana. É uma escolha, portanto uma
escola e, portanto, uma parcialidade. Saúde é inteireza, doença é parcialidade.
Toda pessoa que adoece se transforma após o processo quando sobrevive. Que
possamos continuar a sobreviver até que possamos transcender o tempo e suas
intempéries. Transcender o tempo é entrar em paz. Estar em paz é estar inteiro
e, portanto, saudável. Para ser saudável é imprescindível a clareza conceitual
entre desejo, necessidade e vontade. Se tudo isso é a mesma
coisa para mim, sou sociopata, careço do discernimento fundamental
para o ser saudável.
Vivemos a idade mídia, momento delicado para os interessados em
aprofundamento, autoconhecimento e sentido. Essa escolha atual de
desfrontalização (deixar de usar os lobos frontais do cérebro - sede da razão e
do pensamento abstrato) não deve em absoluto ser vista de forma preconceituosa
ou pejorativa, mas de forma alguma deve passar despercebida ao humano em busca
da saúde. Isso pois, sentido existencial interior e saúde caminham de mãos
dadas.
Parte considerável dos alimentos disponíveis são inflamatórios e
parte considerável dos estímulos aos quais estamos submetidos são
desorganizadores mentais, não se excluem os noticiários! As doenças
crônicas como diabetes e hipertensão aliadas aos distúrbios do humor decorrem
em grande parte da forma insana como nos alimentamos na atualidade. Um processo
irreversível decorrente da péssima qualidade das escolhas que
fizemos em passado recente.
Por outro lado, sejamos otimistas, não sejamos preconceituosos,
experimentemos estabelecer uma relação viva com conceitos emancipadores. Não se
revolte, senão apenas volte a si e reconheça o porquê do ambiente à sua volta
ser como é. Reflexões simples, mas que nos esquivamos da responsabilidade
diariamente.
Diminuir o uso de antidepressivos, moduladores de humor, sedativos
do ser, talvez seja opção a ser considerada com certa urgência. Parar de
apontar fora e reconhecer dentro aquilo que cabe apenas a mim realizar.
Tornar-se pílula de saúde individual.
É possível ser saudável dentro dessa sociedade! Mas é preciso
atenção às fórmulas, respostas prontas e receitas, pois cada vida é única.
Não nos esqueçamos que o contrário de algo é a mesma coisa ao contrário e que
para que a integralidade seja alcançada, os opostos devem ser integrados em um
todo, ou seja compreendidos. Oposição é parcialidade, integração é saúde. Uma
sociedade partida é uma sociedade condenada, onde tudo o que muda visa
apenas fazer com que tudo permaneça como está!
O caminho para a vida saudável é o caminho das perguntas, das
possibilidades e raras vezes o das respostas e do tic-tac dos relógios. O poeta
cantou que temos nosso próprio tempo. Entrar em relação com este tempo interno
que é único para cada ser é primeiro passo solitário e certeiro para a
possibilidade da vida saudável.
Não é preciso ficar doente para habitar uma sociedade doente. A
pessoa com vida interior pode frequentar a sociedade e reconhecer seus
equívocos, pois pensa, tem membrana seletiva. A pessoa desfrontalizada responde
aos desafios sociais à semelhança dos animais na floresta. E tudo isso é muito
belo de se observar. Observar é um grande passo para o humano.
Observemos!
Caro amigo. Muita saudade!
ResponderExcluirComo estou no outono da vida, andei procurando uma passagem pra Pasargada, ou, pra ilha Guernesey. E, como não encontrei a dita passagem, resolvi há muito tempo que não pertenço aos entes malígnos que tentam me enlaçar.
Por outro lado, vejo entes grudados em mim, que só me trazem alegrias e uma certa paz, apesar de tudo.
A doença que está atingindo o nosso mundo só será curada com o autoconhecimento e as trocas entre os privilegiados que o possuem.
Por isso, caro amigo, cerquemos-nos desses poucos (?) iluminados, e, sigamos nossa trajetória com o intuito maior de deixarmos uma herança saudável e saudosa pra essa geraçãozinha que desponta com uma inteligência é um valor que não tem preço. A natureza vai nos agradecer, pode estar certo.
Grande beijo.
Estamos à espera de vocês.
Modesta
Sim sim minha amiga, saudade também! Isso sim é algo para se matar! Em breve matá-la-emos, como dizia o professor de português na terceira série.
ExcluirEnquanto isso, que a natureza nos proteja e que seus entes tenebrosos nos poupem, ainda que não estejamos merecendo.
Grande beijo
Um super abraço!
ResponderExcluirOutro super meu amigo!
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