POR: Bernardo Soares – Fernando Pessoa
Os classificadores de coisas, que
são aqueles homens de ciência cuja ciência é só classificar, ignoram, em geral,
que o classificável é infinito e portanto se não pode classificar. Mas o em que
vai meu pasmo é que ignorem a existência de classificáveis incógnitos, coisas
da alma e da consciência que estão nos interstícios do conhecimento.
Talvez porque eu pense de mais ou
sonhe de mais, o certo é que não distingo entre a realidade que existe e o
sonho, que é a realidade que não existe. E assim intercalo nas minhas
meditações do céu e da terra coisas que não brilham de sol ou se pisam com pés
– maravilhas fluidas da imaginação.
Douro-me de poentes supostos, mas
o suposto é vivo na suposição. Alegro-me de brisas imaginárias, mas o
imaginário vive quando se imagina. Tenho alma por hipóteses várias, mas essas
hipóteses têm alma própria, e me dão portanto a que têm.
Não há problema senão o da
realidade, e esse é insolúvel e vivo. Que sei eu da diferença entre uma árvore
e um sonho? Posso tocar na árvore; sei que tenho o sonho. Que é isto, na sua
verdade?
Que é isto? Sou eu que, sozinho
no escritório deserto, posso viver imaginando sem desvantagem da inteligência.
Não sofro interrupção de pensar das carteiras e da secção de remessas só com
papel e cordéis em rolos. Estou, não no meu banco alto, mas recostado, por uma
promoção por fazer, na cadeira de braços redondos do Moreira. Talvez seja a
influência do lugar que me unge distraído. Os dias de grande calor fazem sono;
durmo sem dormir por falta de energia. E por isso penso assim.
Isto
Inhotim - MG |
Dizem
que finjo ou minto Tudo o que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação.
Não uso o coração. Tudo o que sonho ou passo, O que me falha ou finda, É como
que um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. Por isso escrevo
em meio Do que não está ao pé, Livre do meu enleio, Sério de que não é. Sentir?
Sinta quem lê!
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