Um olhar ao ócio
Mais tempo de trabalho é
sinônimo de maiores ganhos? Com este questionamento inocente, se inicia o
capítulo sobre “Ócio, Consciência e Saúde” no livro Saúde é Consciência...
A mentalidade atual é
profundamente trabalhista, de modo que elogiar o ócio é reprender o modelo
atual que insiste em negar o ócio ou de modo mais incisivo afirmar e propagar o
neg-ócio. De fato, estresse e diminuição do tempo
livre caminham lado a lado. Trabalhar com moderação gera ganho
relativo superior assim
como maior
potencial de realização
e felicidade vivenciada. É fundamental o tempo
de saborear as conquistas,
caso contrário
elas se transformam em degraus para o abismo do nada ou apenas outra
forma de vício
já encontrado entre
aquelas pessoas que
não conseguem relaxar,
pois viciaram em trabalho.
Para o observador atento
e de humor sensível, fique a máxima: “Quem mexe com gestão geralmente sofre de
indigestão”; ora, basta respeitosamente e de soslaio observar o diâmetro
abdominal dos gestores e afeitos para melhor compreensão. Fato a se lamentar,
pois quando o gestor, especialmente os do tipo CEO entram no cio, só resta a
seus súditos correrem com as mãos na cabeça... Diz o poeta sobre esse anareta:
“Se houver filantropia, aí que a misantropia, com sua miopia, lê pilantropia. Sobra
então só a questão: cadê o meu filão? ”.
“Não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas
o sentir e saborear as coisas internamente” (Inácio de Loyola).
Fonte geradora de estresse social, à semelhança do trator que arrasta a terra por onde passa, o viciado em tripalium arrasta e impõe seu comportamento,
gerando perturbação nos que por ignorância se
aproximaram deste ser em
processo temporário
de desequilíbrio interior.
Domenico Demasi se
dedicou ao estudo do ócio e seus efeitos
na manutenção da saúde
e ainda como ferramenta de
estímulo ao potencial criativo.
Josef Pieper descreve o
demônio de três faces que os defensores do ócio têm a enfrentar: a
supervalorização da atividade em geral, a incapacidade de aceitar que
simplesmente aconteça algo e a inaptidão em receber e admitir suceder algo
consigo mesmo. Para o autor, o ócio (skholé)
é uma atitude de celebração e celebrar significa o contrário de esforço. Quem
desconfia categoricamente da facilidade é tanto incapaz do ócio como de
celebrar uma festa. Quando esse desconfiado celebra é alcoolizado e, portanto
antes se alienando que propriamente celebrando. Celebrar sugere consciência
apolínea (Solar), já alcoolizar, sua contraparte dionisíaca (Marciana).
Existem várias situações
evitáveis, ciladas que conduzem ao
empobrecimento, consequentes a contextos relativos a tempo perdido. Abundam
ainda os que pensam riqueza como posses materiais! Não percebem rico ser aquele
com tempo e milionário aquele cujo tempo
transcorre com liberdade e qualidade. (veja o pescador e o empresário: http://o-grande-nada.blogspot.com/2006/11/histria-do-pescador_18.html). É nesse espaço de liberdade
temporal que a saúde germina enquanto a vida ganha em significado, sentido e plenitude.
O termo felicidade
interna bruta (FIB), criado pelo rei do Butão em 1972 é outro exemplo perfeito
disso. Em contrapartida aos modelos convencionais baseados no crescimento
econômico, o conceito se sustenta no princípio do simultâneo desenvolvimento
espiritual e material de uma nação, sendo seus fundamentos:
1- Promoção de um desenvolvimento socioeconômico
sustentável e igualitário
2- Preservação e promoção dos valores
culturais
3- Conservação do meio-ambiente natural
4- Estabelecimento de uma boa governança.
A falta
de tempo, fundamento da pobreza, é o
principal fator responsável pelas situações
conhecidas como “doenças do mundo moderno”.
Se um dia a corrente e a chibata foram sinônimos de escravidão, hoje o relógio
cumpre papel social semelhante, silenciosa e metodicamente. Esse tema abordado de forma
genial em “Momo e o Senhor do Tempo” de
Michael Ende, desperta o olhar para o óbvio e fundamental no momento presente.
O livro conta
sobre uma menina abandonada que todos
queriam ajudar, mas
acabavam ajudados por ela que possuía
algo raro entre seus vizinhos. Esse algo, nada mais que tempo livre, ela usava para escutar as pessoas, que se curavam na medida em que eram escutadas.
Ser escutado e poder
falar de si próprio com alguém que se importa, constituem a base de várias linhas
terapêuticas. Além disso, quando alguém fala de si ao mesmo tempo pode se escutar
e promover mudanças com
base nesse movimento.
Falar traz para fora a realidade interior desorganizada favorecendo melhor compreensão
e reorganização daquele que se expressa.
O distanciamento do mundo
interior é importante fator gerador
de desintegração, visto desviar a atenção para assuntos relativos
à vida alheia.
Falar do outro em sua
ausência é lugar humano comum e gera
esvaziamento interior com consequente repercussão negativa sobre a saúde
dos praticantes. As atitudes de bisbilhotar e especular são becos sem saída
decorrentes de um modelo social baseado na comparação e na competição.
Cooperação eu?
É comum
que a imagem
de pessoas famosas seja associada a produtos
e lugares, estimulando aqueles que as
têm como referencial de conduta ou de beleza a imitarem seu
comportamento. Em uma população com desnível social e educacional
grandes, isso bloqueia o desenvolvimento
da autoestima saudável, base do sucesso social. Eu preciso desse chinelo
assinado ou com a foto de fulano, o triplo do que vale de fato? A questão financeira é importante em nosso meio e orientar os menos
favorecidos é crucial na prevenção de situações
relacionadas à desintegração familiar e
à escravidão das prestações
e dos juros. É preciso aprender a
expandir o conceito de saúde além do pessoal, englobando os níveis familiar,
social e econômico ao primeiro. Uma população socialmente desnivelada é
geradora de doenças que repercutem sobre os próprios idealizadores. Seu carro é
blindado?
Sobre ócio – Ricardo Leme – UOL
A bexiga
nova oferece uma resistência grande
quando o ar é assoprado em seu interior na primeira
tentativa. Observe-se que após a primeira enchida, quando
esvaziada, a bexiga nunca
mais volta
ao seu tamanho
inicial, fica mais
dilatada. A consciência funciona de forma semelhante, nunca mais volta ao seu tamanho inicial
uma vez desperta. A transformação pessoal promovida por
informações de qualidade
é fundamental para
o buscador da saúde, e ocorre de forma quase imperceptível. A
sabedoria popular sugere que usemos o passado
como trampolim
e não como
sofá. A rigidez de pensamento e a dificuldade de adaptação são diretamente
relacionados à maior predisposição
para adoecer. A vida
é transformação contínua e mesmo as doenças devem ser vistas sob perspectiva mais
positiva e integrativa.
É comum que a doença se
apresente como grande oportunidade da pessoa rever uma atitude que
não conseguiu mudar
de outro modo, pois se sentia confortável
vivendo daquele modo. Assim, repensemos se a doença
deve ser combatida ou
compreendida e vivenciada da forma mais plena possível. Se um dia você adoecer, espero que não, faça
a pergunta: por que eu quero recuperar a saúde? Caso a resposta seja para
voltar a viver a vida como vinha vivendo, preocupe-se... A doença é convite a
repensar o viver, aproveite-o! As situações
de estresse e doença são como sinalizadores que
se compreendidos e incorporados podem promover uma recuperação mais
natural e produtiva
para a vida
de cada pessoa.
Um pouco mais de ócio e
um pouco menos de negócio e logo você compreenderá o que estou a falar...
Sempre muito pertinente. Agradeço pela reflexão . Em alguns trechos posso até ouvir o timbre da sua voz. Gostaria apenas de acrescentar um conceito filosófico criado por Jung de Inconsciente coletivo e mente coletiva (subconjunto deste). Talvez essa situacão de consciência obinubilada tenha um propósito ou razão que não estamos considerando.....MP
ResponderExcluirOlá MP,
ExcluirPor gentileza, permita-me a ousadia de modular a bondade de seu talvez...
Eu ousaria um: com certeza!
Afinal, como considerar (pensar com os céus) tanta coisa sendo tão pequenos?
Que os céus nos protejam em nossa caminhada de formigas e que as caixas de Pandora possam se abrir nos momentos oportunos ao olhar onisciente dos que veem além das aparências.
Em Cristo
Olá Ricardo. Que maravilha de texto. Lendo-o me lembrei do livro Sonhos de Einstein, de A. Lightman. Um dos sonhos se passa em um mundo onde há pessoas que vivem de acordo com o tempo mecânico (do relógio), e outras que vivem de acordo com o tempo biológico (do corpo, ou da mente, ou de ambos). As primeiras comem quando o relógio bate meio-dia, as últimas comem quando sentem fome.
ResponderExcluirSeu texto me soa como um convite a abstrairmos, tanto quanto possível, o tempo mecânico para entrarmos cada vez mais em sintonia com o tempo biológico. O ócio bem vivido é certamente regido por este último.
Grande abraço,
Alex
Olá Alex!
ExcluirSonhos de Einstein realmente é uma obra admirável. O texto a que você se refere em especial já utilizei em encontros de pessoas como introdução à discussão crucial para a saúde, ou seja a questão do sentido e significado existenciais. Que bom existirem textos tão preciosos para nos ajudar a ver onde os olhos não alcançam, não é mesmo?
Quanto ao tempo sugerido ser o biológico, tenho minhas dúvidas; penso que Lightman fala ainda de outro tempo, do tipo que os relógios, máquinas ou biológicos, não marcam; um tempo de coração mas que não está em seu pulsar... Um tempo de eterna presença onde o ser é pleno e os lírios do campo crescem quase que imperceptivelmente.
Grande abraço meu amigo!