A Medicina da Saúde é baseada na preservação e na promoção. É sempre superior à Medicina da Doença focada na cura e na prevenção. Somos seres humanos e não "teres humanos”. A doença começa quando se deixa o SER pelo TER; saúde e vitalidade aumentam na direção do SER. A busca pelo SER leva à ampliação da consciência, guia do homem saudável e espelho para o doente. Refletindo o exemplo a ser imitado mostra como sair da horizontalidade do adormecimento e entrar na verticalidade do despertar.
terça-feira, 28 de julho de 2015
domingo, 19 de julho de 2015
POR UM POUCO MAIS DE ÓCIO E MENOS DE NEGÓCIO
Um olhar ao ócio
Mais tempo de trabalho é
sinônimo de maiores ganhos? Com este questionamento inocente, se inicia o
capítulo sobre “Ócio, Consciência e Saúde” no livro Saúde é Consciência...
A mentalidade atual é
profundamente trabalhista, de modo que elogiar o ócio é reprender o modelo
atual que insiste em negar o ócio ou de modo mais incisivo afirmar e propagar o
neg-ócio. De fato, estresse e diminuição do tempo
livre caminham lado a lado. Trabalhar com moderação gera ganho
relativo superior assim
como maior
potencial de realização
e felicidade vivenciada. É fundamental o tempo
de saborear as conquistas,
caso contrário
elas se transformam em degraus para o abismo do nada ou apenas outra
forma de vício
já encontrado entre
aquelas pessoas que
não conseguem relaxar,
pois viciaram em trabalho.
Para o observador atento
e de humor sensível, fique a máxima: “Quem mexe com gestão geralmente sofre de
indigestão”; ora, basta respeitosamente e de soslaio observar o diâmetro
abdominal dos gestores e afeitos para melhor compreensão. Fato a se lamentar,
pois quando o gestor, especialmente os do tipo CEO entram no cio, só resta a
seus súditos correrem com as mãos na cabeça... Diz o poeta sobre esse anareta:
“Se houver filantropia, aí que a misantropia, com sua miopia, lê pilantropia. Sobra
então só a questão: cadê o meu filão? ”.
“Não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas
o sentir e saborear as coisas internamente” (Inácio de Loyola).
Fonte geradora de estresse social, à semelhança do trator que arrasta a terra por onde passa, o viciado em tripalium arrasta e impõe seu comportamento,
gerando perturbação nos que por ignorância se
aproximaram deste ser em
processo temporário
de desequilíbrio interior.
Domenico Demasi se
dedicou ao estudo do ócio e seus efeitos
na manutenção da saúde
e ainda como ferramenta de
estímulo ao potencial criativo.
Josef Pieper descreve o
demônio de três faces que os defensores do ócio têm a enfrentar: a
supervalorização da atividade em geral, a incapacidade de aceitar que
simplesmente aconteça algo e a inaptidão em receber e admitir suceder algo
consigo mesmo. Para o autor, o ócio (skholé)
é uma atitude de celebração e celebrar significa o contrário de esforço. Quem
desconfia categoricamente da facilidade é tanto incapaz do ócio como de
celebrar uma festa. Quando esse desconfiado celebra é alcoolizado e, portanto
antes se alienando que propriamente celebrando. Celebrar sugere consciência
apolínea (Solar), já alcoolizar, sua contraparte dionisíaca (Marciana).
Existem várias situações
evitáveis, ciladas que conduzem ao
empobrecimento, consequentes a contextos relativos a tempo perdido. Abundam
ainda os que pensam riqueza como posses materiais! Não percebem rico ser aquele
com tempo e milionário aquele cujo tempo
transcorre com liberdade e qualidade. (veja o pescador e o empresário: http://o-grande-nada.blogspot.com/2006/11/histria-do-pescador_18.html). É nesse espaço de liberdade
temporal que a saúde germina enquanto a vida ganha em significado, sentido e plenitude.
O termo felicidade
interna bruta (FIB), criado pelo rei do Butão em 1972 é outro exemplo perfeito
disso. Em contrapartida aos modelos convencionais baseados no crescimento
econômico, o conceito se sustenta no princípio do simultâneo desenvolvimento
espiritual e material de uma nação, sendo seus fundamentos:
1- Promoção de um desenvolvimento socioeconômico
sustentável e igualitário
2- Preservação e promoção dos valores
culturais
3- Conservação do meio-ambiente natural
4- Estabelecimento de uma boa governança.
A falta
de tempo, fundamento da pobreza, é o
principal fator responsável pelas situações
conhecidas como “doenças do mundo moderno”.
Se um dia a corrente e a chibata foram sinônimos de escravidão, hoje o relógio
cumpre papel social semelhante, silenciosa e metodicamente. Esse tema abordado de forma
genial em “Momo e o Senhor do Tempo” de
Michael Ende, desperta o olhar para o óbvio e fundamental no momento presente.
O livro conta
sobre uma menina abandonada que todos
queriam ajudar, mas
acabavam ajudados por ela que possuía
algo raro entre seus vizinhos. Esse algo, nada mais que tempo livre, ela usava para escutar as pessoas, que se curavam na medida em que eram escutadas.
Ser escutado e poder
falar de si próprio com alguém que se importa, constituem a base de várias linhas
terapêuticas. Além disso, quando alguém fala de si ao mesmo tempo pode se escutar
e promover mudanças com
base nesse movimento.
Falar traz para fora a realidade interior desorganizada favorecendo melhor compreensão
e reorganização daquele que se expressa.
O distanciamento do mundo
interior é importante fator gerador
de desintegração, visto desviar a atenção para assuntos relativos
à vida alheia.
Falar do outro em sua
ausência é lugar humano comum e gera
esvaziamento interior com consequente repercussão negativa sobre a saúde
dos praticantes. As atitudes de bisbilhotar e especular são becos sem saída
decorrentes de um modelo social baseado na comparação e na competição.
Cooperação eu?
É comum
que a imagem
de pessoas famosas seja associada a produtos
e lugares, estimulando aqueles que as
têm como referencial de conduta ou de beleza a imitarem seu
comportamento. Em uma população com desnível social e educacional
grandes, isso bloqueia o desenvolvimento
da autoestima saudável, base do sucesso social. Eu preciso desse chinelo
assinado ou com a foto de fulano, o triplo do que vale de fato? A questão financeira é importante em nosso meio e orientar os menos
favorecidos é crucial na prevenção de situações
relacionadas à desintegração familiar e
à escravidão das prestações
e dos juros. É preciso aprender a
expandir o conceito de saúde além do pessoal, englobando os níveis familiar,
social e econômico ao primeiro. Uma população socialmente desnivelada é
geradora de doenças que repercutem sobre os próprios idealizadores. Seu carro é
blindado?
Sobre ócio – Ricardo Leme – UOL
A bexiga
nova oferece uma resistência grande
quando o ar é assoprado em seu interior na primeira
tentativa. Observe-se que após a primeira enchida, quando
esvaziada, a bexiga nunca
mais volta
ao seu tamanho
inicial, fica mais
dilatada. A consciência funciona de forma semelhante, nunca mais volta ao seu tamanho inicial
uma vez desperta. A transformação pessoal promovida por
informações de qualidade
é fundamental para
o buscador da saúde, e ocorre de forma quase imperceptível. A
sabedoria popular sugere que usemos o passado
como trampolim
e não como
sofá. A rigidez de pensamento e a dificuldade de adaptação são diretamente
relacionados à maior predisposição
para adoecer. A vida
é transformação contínua e mesmo as doenças devem ser vistas sob perspectiva mais
positiva e integrativa.
É comum que a doença se
apresente como grande oportunidade da pessoa rever uma atitude que
não conseguiu mudar
de outro modo, pois se sentia confortável
vivendo daquele modo. Assim, repensemos se a doença
deve ser combatida ou
compreendida e vivenciada da forma mais plena possível. Se um dia você adoecer, espero que não, faça
a pergunta: por que eu quero recuperar a saúde? Caso a resposta seja para
voltar a viver a vida como vinha vivendo, preocupe-se... A doença é convite a
repensar o viver, aproveite-o! As situações
de estresse e doença são como sinalizadores que
se compreendidos e incorporados podem promover uma recuperação mais
natural e produtiva
para a vida
de cada pessoa.
Um pouco mais de ócio e
um pouco menos de negócio e logo você compreenderá o que estou a falar...
quarta-feira, 8 de julho de 2015
CAUSA E EFEITO – TOLSTÓI
ASSARHADON, REI DA ASSÍRIA
Uma das
tentativas de Tolstoi de fazer que se veja, através de uma parábola, que a
diversidade é, apenas, aparente; que a realidade é a unicidade.
Assarhadon,
rei da Assíria, conquistou o reino do rei Lahilié. Destruiu todas as cidades,
levou todos os habitantes para a Assíria, mandou matar os guerreiros, e prendeu
o rei numa jaula.
À noite, já
no leito, Assarhadon imaginava suplícios para infligir a Lahilié quando ouviu
um ruído ao lado. Abrindo os olhos, viu um velho de grandes barbas brancas, ao
lado da cama.
- Queres
matar Lahilié? - perguntou o velhinho.
- Sim! -
respondeu o rei, assustado. - Falta-me apenas descobrir um suplício adequado.
- Mas Lahilié
és tu! - tornou o ancião.
- Não é
verdade: eu sou eu e Lahilié é Lahilié.
- Tu e
Lahilié não sois mais que um! - retrucou o velho - Parece-te que não sejas
Lahilié e que Lahilié não sejas tu.
- Como
parece-me? Eis-me deitado num leito macio, rodeado de escravos e, amanhã,
estarei me divertindo com os meus companheiros, enquanto Lahilié será empalado
e se contorcerá até rebentar; e seu corpo será lançado aos cães.
- Tu não tens
o poder de aniquilar a vida dele! - observou o intruso.
- E que dizes
dos 14 mil guerreiros que massacrei e com os quais fiz montanhas de cadáveres?
Eu estou vivo; eles estão mortos. Logo, posso aniquilar a vida.
- Como sabes
que eles não existem mais?
- Porque não
os vejo. Eles foram torturados e mortos e eu não. Eles sofreram e eu me sinto
bem.
- Isso,
também, somente parece a ti. A ti é que torturaste, não a eles.
- Não compreendo!
- disse Assarhadon.
- Queres
compreender? Aproxima-te! - pediu o velho, mostrando ao rei uma tina cheia de
água.
O rei levantou-se,
aproximando-se da tina.
- Despe-te e
entra na água! Assarhadon obedeceu.
- Agora,
quando eu começar a derramar a água sobre ti, mergulha a cabeça! - disse o
velho, enchendo um cântaro de água e inclinando-o sobre a cabeça do rei.
Daí por
diante, Assarhadon não se sentiu mais Assarhadon e sim outro homem: viu-se
sobre rica cama, ao lado de linda mulher. Nunca a tinha visto, mas sabe que é
sua mulher. Ela se levanta e lhe diz:
- Meu caro
marido Lahilié; estavas fatigado por teres trabalhado muito ontem; por isso não
te acordei. Os príncipes já estão reunidos a tua espera, no salão. Veste-te e
vai recebê-los!
Assarhadon,
compreendendo por estas palavras que ele é Lahilié, longe de se admirar e antes
surpreso de não o ter sabido até então, levanta-se, veste-se e se dirige ao
salão.
Os príncipes
se curvam diante de Lahilié; este faz que eles se sentem. O mais antigo dos
príncipes inicia discurso mostrando a impossibilidade de suportar os numerosos
ultrajes do perverso rei Assarhadon e a necessidade de entrar em guerra contra
ele. Lahilié não é da mesma opinião e determina que se enviem embaixadores a
Assarhadon, com o propósito de modificar-lhe a atitude. Encerrada a audiência,
dá instruções, aos embaixadores indicados, sobre o que devem transmitir ao rei.
Feito isso,
Assarhadon, agora Lahilié, vai para as montanhas à caça de onagros, e só ele
mata dois animais. De volta, com seus companheiros, festeja, apreciando a dança
dos escravos.
No dia
seguinte, como sempre, dá audiência e sentencia sobre vários assuntos. Depois,
vai novamente á caça, seu prazer predileto, matando uma leoa e capturando seus
dois leõezinhos. Repetem-se as festas, a música, a dança; a noite, ele a passa
com sua mulher amada.
Decorrem,
assim, dias e semanas, à espera dos embaixadores enviados a Assarhadon, que
outrora fora ele. Os embaixadores só voltam um mês depois, com o nariz e as
orelhas cortadas. O rei Assarhadon manda dizer a Lahilié que a mesma sorte o
aguarda se não enviar, sem demora, o tributo fixado em prata, ouro e madeiras e
se, em pessoa, não lhe vier prestar suas homenagens.
Lahilié,
noutro tempo Assarhadon, reúne novamente os príncipes e se aconselha sobre as
medidas a tomar. Decidem fazer guerra a Assarhadon sem esperar seu ataque.
O rei aceita
o conselho, põe-se à frente do exército e parte para a luta. A marcha dura uma
semana e todos os dias o rei passa em revista suas tropas e lhes estimula a
coragem. No oitavo dia, encontra-se finalmente com as tropas de Assarhadon,
numa vasta planície sulcada por um rio.
Os guerreiros
de Lahilié combatem corajosamente, mas Lahilié, antes Assarhadon, vê os
inimigos descerem das montanhas como formigas, inundarem o vale e rechaçarem
suas tropas. Então, no meio da batalha, precipita-se com seu carro,
trespassando e abatendo os seus inimigos em derredor. Mas, eis que se sente ferido
e é feito prisioneiro.
Por nove
dias, marcha acorrentado entre outros prisioneiros, cercados pelos guerreiros
de Assarhadon. No décimo dia, chega a Nínive e é fechado numa prisão.
Lahilié sofre
menos da fome e dos ferimentos do que de sua raiva impotente. Está furioso por
não poder infligir ao inimigo todo o mal que ele e os seus estão sofrendo. E
toma a firme resolução de tudo suportar com coragem e sem lamentos, para não
dar ao inimigo o prazer de ver que está sofrendo.
Há vinte dias
está na prisão, esperando o suplício. Vê passarem seus parentes e amigos, ouve
os gritos dos supliciados a quem são cortados os braços e pernas ou que são
esfolados vivos, mas sua face não trai nenhuma emoção. Vê sua mulher preferida
ser carregada pelos eunucos. Sabe que ela vai tornar-se escrava de Assarhadon,
e tudo suporta sem deixar escapar um queixume.
Eis que dois
carrascos abrem a prisão, prendem-lhe as mãos com uma correia e o conduzem ao
local do suplício, todo inundado de sangue. Lahilié vê a estaca pontiaguda e
ensangüentada, donde acabou de ser retirado o cadáver de um de seus amigos, e
adivinha que ela está livre em sua intenção. Despem-no. Ele se espanta da
magreza de seu corpo, outrora tão belo e robusto. Os carrascos levantam-no
pelas coxas magras e vão pendurá-lo no poste do suplício.
- Eis a
morte! - pensa Lahilié e, se esquecendo do propósito de se manter corajoso e
calmo até o fim, prorrompe em soluços e implora perdão. Ninguém o escuta.
- Não é
possível! - pensa ele. Estou dormindo; isto é um sonho! - e faz esforço para
acordar. - Eu não sou Lahilié; sou Assarhadon! - diz de si para consigo.
Acorda, de
fato, mas para verificar que não é nem Assarhadon, nem Lahilié, mas um animal.
Assombra-se de ser animal e, ao mesmo tempo, surpreende-se de não o ter ainda
percebido. Pasta, agora, no vale, a erva carnuda. Espanta as moscas com a longa
cauda e sente um peso estranho nas mamas cheias de leite. Perto, salta e brinca
um burrico cinzento-escuro, de dorso listrado e pernas compridas. Escoiceando,
o burrico se curva sob a fêmea, noutro tempo Assarhadon, passa por baixo do
ventre materno e procura a teta com o focinho; depois, encontrando-a, mama e se
acalma.
Assarhadon
compreende que ele é uma jumenta, mãe deste burrinho e não se admira nem se
entristece com isso; antes se alegra. Sente a emoção feliz do movimento da vida
em si e em sua cria.
Subitamente,
alguma coisa voa, sibilando, e penetra em seu flanco. Sentindo dor, a jumenta
arranca a teta da boca do burrinho e, com as orelhas baixas, foge em direção à
récua de burros de que tinha se afastado. O filho corre a seu lado e, quando
vai atingir a tropilha, uma flecha se enterra em seu pescoço; ele fraqueja e
cai sobre os joelhos. A jumenta, outrora Assarhadon, estaca, disposta a não
abandoná-lo. É quando, um ser terrível, com duas pernas, um homem, aparece e
corta o pescoço do burrinho.
- Não é
possível! Ainda é um sonho, pensa Assarhadon, reunindo todas as forças para
acordar.
Grita e, ao
mesmo tempo, tira a cabeça da água. Vê, perto dele, o velhinho que joga, sobre
sua cabeça, a água do cântaro.
- Oh! Como
sofri e por quanto tempo padeci! - exclama Assarhadon.
- Muito tempo?
Nem bem mergulhaste a cabeça e já a retiraste! Observa, o cântaro ainda está
quase cheio... Compreendeste agora?
Assarhadon
nada respondeu, mas fitou o ancião com terror na face.
-
Compreendeste, agora, que Lahilié és tu e que os guerreiros que mataste são
também tu mesmo? Não só os guerreiros, mas até os animais que matas na caça e
devoras nos teus festins, são tu. Pensas que a vida está somente em ti;
arranquei o véu da mentira de teus olhos e percebeste que, fazendo mal aos
outros, fazes mal a ti mesmo. A vida é um todo e tu não conténs senão uma de
suas parcelas. E somente nessa parcela, podes melhorar ou viciar, acrescer ou
diminuir a vida. Melhorá-la tu só o podes, suprimindo as barreiras que separam
tua vida da dos outros seres vivos, amando-os, considerando-os como um outro
‘eu’ em relação a ti. A vida das criaturas que mataste não foi aniquilada,
somente desapareceu dos teus olhos. Crês poder alongar a tua existência e
abreviar a dos outros, mas não tens esse poder. A vida não tem tempo nem lugar.
A que dura um segundo, como a que dura mil anos, têm o mesmo valor. Não pode
ser abolida, nem transformada, porque somente ela existe. Tudo o mais é apenas
ilusão.
Com estas
palavras, o velho desapareceu.
Na manhã
seguinte, o rei Assarhadon mandou suspender as execuções e libertar Lahilié e
todos os outros prisioneiros. No terceiro dia, transmitiu o poder real ao
seu filho Assurbanipal. Retirou-se, depois, para o deserto a fim de meditar sobre
o que tinha aprendido.
Mais tarde,
fez-se peregrino e percorrendo cidades e vilas, ensinava a todos que a vida é
uma só e que os homens só fazem mal a eles mesmos, quando fazem o mal aos outros.
SOBRE O LIVRO: "CUIDANDO DE QUEM CUIDA"
Por: Mário Inglesi
Dr. Ricardo
O livro “cuidando de quem
cuida” vem ao encontro da saúde e bem estar dos cuidadores e de todos aqueles
que pretendem seguir uma vida salutar sem tropeços de doenças graves ou não,
que os impeçam de vivenciar toda a fruição de uma vida próspera e longeva,
ainda que se dando ao trabalho profissional de cuidar de outros, em hospitais e
casas de saúde, ou mesmo em casas de pacientes, a pedido de familiares.
Com isso, seus autores
nos premiam com diversos conselhos, dicas e elementos, acompanhados, inclusive
de poemas para nos fazer entender que a vida, com todos os seus percalços, tem
sua beleza, jungida de satisfação e felicidade.
Mas, para melhor conhecermos
e entendermos condignamente a relação entre cuidador e seu paciente, com suas
variantes de dor e sofrimento, foi de todo proveitoso para fundas e fecundas
reflexões, enxertar logo no início do volume em apreço, casos, sejam eles
ficcionais ou não, de compartilhamento ilustrativo, entre o cuidador e
pacientes em fase terminal,
Tais casos, descritos de
maneira objetiva e totalmente realista, nos amedrontam, logo de início, por nos
fazer estar no lugar de um e de outro, sofrendo de dores intensas que a ambos
atingem direta ou indiretamente.
Esse nosso sentimento aos
poucos vai sendo substituído por um inconformismo, cuja completude se reveste
de muita raiva e ira.
Afinal, como pode um
paciente terminal com dores intensas e profundas, de provocar suores frios,
engulhos, faces maceradas e olhos esbugalhados, e entranhas em ebulição, ter
que esperar nessa situação, nove horas, como descreve a própria autora, também
cuidadora, para receber a sedação que se fazia necessária?
E mais, se esse estado
terminal nefasto se repetir, porque continuar ou prosperar essa situação, de
sofrimento tão intensa, lastimável, e de configurar tamanha insensatez, já que
até Deus, como já o fizera com seu filho, virou-lhe o rosto e o abandonara,
definitivamente.
E mais, porque não por em
prática ou impedir que meios imediatos e até indolores sejam aplicados em defesa
da eliminação do paciente e suas dores.
Isso se assemelha a
masoquismo, à dormência de sentidos e sentimentos para com tais pacientes
terminais.
E o que é mais aberrante,
no caso, pessoas sãs, por razões de imprudência, de atos muitas vezes impensados,
ou fortuitos, são sacrificadas com fuzilamento, degola, ou simplesmente por
balas perdidas, como vem acontecendo com jovens, crianças e idosos, não para
aplacar sofrimentos, mas apenas para mostrar e dar exemplo, da força e poderio de
mandatários inescrupulosos e insensíveis.
Cumpre também pensar na
situação do cuidador e todos os reflexos que as dores de seus pacientes
projetam física e psicologicamente no cumprimento do trabalho e na sua vida
pessoal, causando-lhe mal-estar, insônias, apatia, desolação, perda de apetite,
choros convulsivos e tantos e tantos outros males e problemas.
Afora, os sentimentos de
seus parentes próximos ou não, que porventura vierem a ver ou saber das
terrificantes dores e aflições de seu filho, marido, pai, amigo ou outro
circunstante parentesco.
De todo modo, como já
diziam os antigos e, hoje, se repete com frequência, “a vida é uma causa
perdida”, pois por mais que se lute, a morte é certa, queiramos ou não. Esse pensar
sobre a antecipação do final não causará maiores infortúnios a quem quer que
seja, ao contrário, haverá, em contrapartida, boas e amadas lembranças de quem
se foi, inclusive de sua última imagem, onde a serenidade se faz presente em
seu rosto, em sua testa não mais franzida, e, em seu vago sorriso de: “gracias
a la vida que me há dado tanto” (Violeta Parra).
Talvez, possam pensar e
dizer sobre o pecado ou a ilegalidade que isso representaria. Esquecem esses
que todo esse exemplo de egolatria será destruído, felizmente dia ou menos dia,
pelos carunchos e traças como material vetusto e imprestável varrido pelo vento
e amontoado pelo tempo, no lixão da História.
Por enquanto só nos resta
aproveitar a oportunidade, para sopesar tudo isso e convir:
“O diabo sempre quer algo
de nós.
Vive a rondar
Com suas tentações,
Exigências, promessas”
“Mas confesso, acho o mundo perverso
E sempre prometo o que não posso cumprir”
(Beatriz Di Giorgi. Fragmentos
de poemas In “Labirinto”)
E, mais, como diz
certeiramente e com grande objetividade o poeta Aleksandr Blok (1880-1921):
Noite. Fanal. Rua.
Farmácia.
Morres e tudo recomeça
E se repete a mesma peça:
Noite – rugas de gelo no
canal
Farmácia, Rua. Fanal.
Dança da Morte
(fragmento, trad. Augusto de Campos), in Antologia da Poesia Russa Moderna”
Assim, por toda a
benquerença de frutos de humanidade que o livro inspira e revela, é de todo
necessário recomendá-lo à leitura, com votos de vida longa e frutos auspiciosos
ao projeto “Cuidando de Quem Cuida”, mesmo que possivelmente todo esse esforço
humanitário e amoroso talvez não atinja, em atendimento, os pobres e os
desvalidos, com ou sem dores lancinantes, atingidos por doenças degenerativas e/
ou em estados terminais.
Mario Inglesi
Assinar:
Postagens (Atom)