POR: MÁRIO INGLESI
Dr. Ricardo
Dr. Ricardo
“Acabou o nosso carnaval
Ninguém ouve cantar
canções
Ninguém passa mais
Brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas
Foi o que restou”
Marcha de Quarta-Feira de
Cinzas, de Vinícius de Moraes.
Lamentos de Carnaval – Marcelo Quintanilha & Vania Abreu – G.Gil
Findou-se mais um Carnaval.
E, com ele, toda a alegria, prazer e liberdade, que, sempre oferece, a quem
está disposto a divertir-se e dar asas à sexualidade, à imaginação, esquecendo
o cotidiano insonso e as agruras do dia a dia sensaborão e piegas.
Com um pé num passado não
muito distante, quando vigoravam ferreamente, normas religiosas, hoje, já
abrandadas ou até deixadas de lado, em favor da permanência ou incremento de
fiéis, o Carnaval ainda é considerado a festa do Demo, e portanto, de longeva
distância, como “entrudo”, provavelmente no século XVI, em Portugal.
Mas, o que mais chama
atenção dentro dessa mistura de ideias e ideais, não é o gostar ou não de
Carnaval, é, isto sim, o forte e incisivo horror que permeia, quando se alude
ao Tríduo momesco, com a frase gratuita, já que sem qualquer embasamento
crítico explicativo, é a atordoante frase “Eu Odeio Carnaval”, Traduz-se mais como
um ranço de vingança, ódio ou até mesmo – quem sabe – inveja, de não poder
estar ali no meio da multidão, curtindo todo o afã de uma alegria pouco duradoura,
mas sempre eternizada a cada ano.
O que causa espécie e
espanto nesse ódio é que, ele não se faz presente e não se declara em situações
em que, realmente, a fúria deveria estar sob um clamor, realmente dilacerante,
como nos casos das guerras, com seus milhares e milhares de mortos, feridos e
incapacitados para a vida, ou ainda, nas ocorrências de fome endêmica, abandono
de crianças e matanças de pessoas por motivos fúteis como nas tais balas
perdidas. Ou, ainda em razão de um consumismo desenfreado, levado a efeito por
uma acintosa propaganda maciça, por todos os meios de divulgação, ou, às
alterações havidas na linguagem escrita, fazendo-lhe perder a sua real origem e
significado. Ora, se a própria religião instituiu a “Quarta Feira de Cinzas”, para
oferecer seu perdão a todos os foliões que a procuram, como diagnosticar, o porquê
de tanta fúria enrustida, a não ser como um preconceito infundado e insonso, infelizmente,
também demonstrado contra outras categorias de pessoas e situações?
Em se tratando do Carnaval
é preciso ter em mente que:
“Não existe pecado do
lado de baixo do equador
Vamos fazer um pecado
rasgado, suado a todo vapor
Me deixa ser teu
escracho, capacho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é lição de
esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu sou professor.”
Chico Buarque de Holanda
Essa inapropriação de
termos e atitudes vem em detrimento do célebre slogan apregoado aos quatro
cantos como a salvação da pátria, “Conhecer-te a ti mesmo”. Ora, como fazê-lo?
Apenas com uma autoanálise, ainda que diuturna, e, de todo modo, infrutífera, é
“chover no molhado”. Conhecer-se é participar, estar no mundo, correr riscos,
conhecer o outro, intermediar conhecimento, aculturar-se, ver a arte, não como
refúgio, ou mero entretenimento, mas como substância e substrato da vida. Ainda
mais, fazer escolhas, estudar e, principalmente, não fazer pré-julgamentos
sobre a vida e as pessoas ou situações, afinal, tudo está envolto em complexidades,
e, o homem - ele- , repita-se à exaustão – é uma “metamorfose ambulante”, ainda
que o queiram asfixiado, moldado e enquadrado em normas de parâmetros fixos e
eternos.
E não é só, para nos
iludirmos e nos conformarmos com todos os males que nos rodeiam, inventaram
outro slogan – ainda mais esdrúxulo – o “pensar positivo”.
Tal slogan enfaticamente
distribuído como “um santo remédio” não é mais que uma propaganda enganosa,
pois embute nele a falsa felicidade eterna, consubstanciada no lema laissez
faire, laissez passer, le monde va de lui mème. Assim, não se preocupe, não dê
bola a problemas individuais ou sociais, nem se deixe levar por críticas, ou
por indagações pertinentes, leve a vida, fuja da realidade, crie um universo
simbólico próprio ou virtual, dentro do qual o mundo e a vida formem um todo,
de algum modo assimilável, sem embates, sem problemas, mas, de todo modo, sob a
famosa rubrica: “O Pior Cego É Aquele Que Não Quer Ver”.
Com isso, o ser humano se
faz diminuir: perde sua grandeza, sua criatividade, seu alento maior em busca de
sua perfeição e da melhoria dos homens e sua sociedade, e, tal qual Macunaíma,
de Mário de Andrade, se vê “transformado em nada que sirva aos homens, e,
assim, aconchegado apenas num vasto campo do céu sem dar calor e vida a
ninguém”. Quem sabe, até, todo encolhido, balbuciando num solilóquio infindo,
marcado somente pela tristeza e comiseração: Ai de Mim! Ai de Mim!
Mário Inglesi
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