Por: Dr. Mário Inglesi
Dr. Ricardo
Muito tem sido veiculado pela
mídia os inúmeros progressos alcançados pela medicina e pelo atendimento de
determinadas regras, para a humanidade alcançar a longevidade.
Em princípio, o fato é comemorado
como alvissareiro e bem-vindo. Afinal, quem não gosta de saber que poderá viver
mais, mesmo longevo, pois projetos e obras poderão ser continuados e talvez até
outros começados, já que haverá um bom tempo pela frente para seu término e
também para vislumbrar o alcance do seu sucesso. Tal perspectiva realmente
fortalece a vontade de continuar vivendo e de gozar esse tempo que se oferece
agora, com maior prazer e dedicação. O que torna tais progressos auspiciosos e
de bom grado acompanhados pari-passo, como algo de muito alento para uma vida
em andamento.
Mas, para que tal ocorra, deverão
ser obedecidas determinadas premissas, antes mesmo de usufruir-se da
longevidade. A começar pela efetivação de uma vida regrada, sem excessos, ou
seja, uma vida saudável. Isso, talvez só ocorrerá com usufruto de uma vida
monástica, isto é, com uma alimentação balanceada, sem os vícios ou excessos de
bebida e fumo, e longe do sedentarismo que abarca os dias e noites das pessoas,
por preguiça ou por costume arraigado em seu dia a dia.
Inicialmente, portanto, são
candidatos à longevidade aqueles, obviamente, que seguirem rigorosamente a tais
normas, o que, evidentemente serão bem poucos, pois a maioria está fora dos
padrões exigidos, por ignorância ou por não levarem em conta os benefícios
exigidos ao alcance da longevidade, ou ainda, por ser tarde demais para atender
as exigências prescritas, principalmente em razão do tempo já decorrido num
existencial desregrado.
Estarão, entretanto, fora também
da competição, aqueles portadores de doenças hereditárias desconhecidas até a
eclosão dos primeiros sintomas que os façam ir procurar por uma consulta
médica, mormente quando envolve dores ou sofrimentos agudos.
Mas será facilmente eleito,
aquele candidato que, independente da obediência aos padrões exigidos, for
portador dos genes da longevidade, em sua constituição física. Este sim será o
vencedor, e, o troféu de uma vida longa e benfazeja, poderá ser-lhe entregue de
imediato.
Não lhe bastará o troféu, se as
próprias condições sociais de vida não o ajudarem, ou seja, se não morrer de
bala perdida, ou não perder a vida em um acidente de carro ou de avião, ou, em
um tsunami, ou ainda, num terremoto ou ciclone, que lhe tire a vida, juntamente
com outros no local, ou mesmo que num assalto à mão armada, um tiro lhe seja fatal.
Nestas condições ou em outras
porventura advindas do seu viver social, a longevidade almejada só não será o
efeito de um sonho, se houver ainda condições materiais e outras, que possam
lhe propiciar um viver adequado, até o último instante de vida.
Mas, esse sonho tem um ônus
deveras alto, e, a continuar com vida por muito mais tempo que o esperado, os
custos se elevam às alturas, absorvendo não apenas do idoso, mas também a renda
familiar.
Tudo começa com as medidas
protecionistas ao idoso, como barras de segurança, antiderrapantes pela casa
inteira, bengala, muletas, e se alonga, à medida que o tempo passa, como
concurso de profissionais ou pessoas habilitadas, para cuidar regularmente do
idoso, cujas perdas físicas, orgânicas e sensitivas começam a se acentuar a
partir já dos 60 anos de idade.
Assim, a exigência de garantir
adequadamente os benefícios à existência condigna aos atingidos nesta, dita “quarta
idade”, se manifesta tão grande, que só pessoas bastante situadas
financeiramente, podem arcar com a sua manutenção regular e idônea e, o idoso
usufruir de tudo que lhe possa garantir uma continuidade de vida regular,
dentro de suas capacidades ou incapacidades físicas, exigindo inicialmente
cadeira de rodas, aparelhos respiratórios e, até softwares que auxiliam sua
comunicação, etc. etc.
Portanto, a “maior vida” – como
chamam alguns – só poderá abarcar uma ínfima parcela da população idosa, - os
financeiramente privilegiados, para mantê-la inclusive com filhos que podem ou
querem assumir integralmente os pais, em sua longevidade. Não se trata de arcar
com uma pessoa com alguma deficiência física, mas com muitas deficiências, às
vezes, exacerbadas.
Infelizmente, os demais,
precariamente se deixam ficar numa cama: quase imobilizados, sozinhos, tendo à
frente, a televisão ligada, cuja miopia, muitas vezes o impede de ver
claramente o que se passa, numa existência vegetativa que se mostra
cumulativamente intolerável, apenas minorada por alguém, vizinho ou parente,
que venha de quando em quando verificar as precisões imediatas do velho
longevo.
É a morte em vida. É o ser humano
no limite máximo da carência, da penúria, açambarcado por uma noite infinda e
intolerável.
Privilegiados ou não, a
longevidade não se apresenta de modo nenhum uma dádiva para ninguém, nem mesmo
para o Estado e a sociedade como um todo, pois resulta numa desvantagem sem
limite, um problema cuja existência deve merecer não só a atenção como
providências enérgicas e imediatas, como mais um item de saúde pública, pois ele
atinge a muitos indistintamente hoje ou amanhã e pelo resto de suas vidas.
O interessante, em tudo isso, é
que o aflorar da velhice, com os primeiros fios de cabelos brancos, as pequenas
rugas na tez, somos levados a pequena euforia de início do envelhecer, da
maturidade que começa a tomar conta de nós com certo encanto e prazer.
Ao passar dos anos, essa mostra
de envelhecer se expande se ramifica e começa a dar frutos que,
verdadeiramente, não ousamos saborear. Pois nos deforma. As pequenas rugas transformam-se
em verdadeiras tatuagens que nos enfeiam, e nos fazem desprezar o espelho; os
olhos se tornam mortiços; as orelhas parecem aumentar e o nariz tão empinado
antes, parece cair. Fisicamente, já não nos conhecemos mais.
Agora, já almejamos o quanto
antes, a sonhada e bem vinda, aposentadoria, com usufruto total de descanso e o
lazer tanto esperados, num aprazível lugar rural, ou numa praia ensolarada, sob
o deleite de uma vivência de mais alguns anos, sem as obrigações de horário,
transporte e trabalho diuturnos.
Parecemos estar vivos ainda. Conscientizamo-nos
disso quando pouco a pouco nos apercebemos quantos amigos, conhecidos e
parentes já se foram “pro andar de cima, mesmo antes da hora” como dizem. E
constatamos que vamos ficando sós, enclausurados em nós mesmos, asfixiados por
um tempo que já não é mais nosso e, portanto, pouco vivenciamos. Então só nos
resta a arte. Só ela, para nos acalentar. Nela depositamos todas as nossas expectativas,
nossos sonhos de vida, nossas alegrias e tristezas. E, não é para menos, ela
traduz o que de mais fundo ainda podemos usufruir condignamente, sem nos exigir
nada em troca, além da sensibilidade e do prazer, pois o cotidiano manifesta-se
desprezível, insosso, mesquinho, nada aprazível, além do cantar dos pássaros, o
perfume das flores, sobrestados pela poluição e o barulho, numa paisagem urbana
onde o ser humano, mais ainda os longevos, vem sendo abandonado, em meio a
entraves de toda ordem: lixo, preconceito, violência, maldade.
O sonho vem aos poucos esmorecer,
e, a paisagem urbana, ainda que ruim, desaparece, com o enclausuramento exigido
pela nossa idade e muito mais ainda pela longevidade, que nos oferecem, como um
prêmio de vida.
Perdemos, em princípio, aquilo
que mais cultuávamos o físico e sua aparência. Ficamos estranhos a nós mesmos:
perdemos a identidade; com o passar do tempo perdemos a privacidade, e, por
último, perdemos, sucessivamente, em maior ou menor grau, a vitalidade, a
sensibilidade, a serenidade e a intimidade: uma afronta sem limites que a
velhice e sua longevidade nos foca, com veracidade terrificante, a nossa
condição última de “coisa”, nada mais, nada menos, numa estampa facial inscrita
com manchas senis, uma “serenata do adeus” triste, lúgubre e desesperançosa.
Assim, a velhice, e agora, a
longevidade com o que nos querem acalentar se mostram apenas e tão somente um rito
de passagem da finitude inapelável de um sopro de vida em seu desmoronar humilhante,
sombrio e inapelável.
A opção menos constrangedora, menos
dolorosa, mas mais valiosa será viver, ainda que pouco, sem muitos projetos, mas
condignamente e deixar obra (s) que configure seu nome no tempo e no espaço,
como, aliás, aconteceu com os nosso poetas românticos, a exemplo de Álvares de
Azevedo, Castro Alves e outros mais. É o que há de melhor e mais produtivo, do
que firmar-se num viver mais duradouro, mas constrangedor, ainda que sustentado
por procedimentos cirúrgicos ou não, em prol de um enganoso aparato, cujo
principal objetivo é esconder – como se isso fosse possível – o envelhecimento
cada vez mais ligeiro e de todo modo – queiram ou não – irreversível.
O melhor mesmo é brincar com a
própria sombra. Ela – êta coisa boa! – não se apresenta com cabelos brancos,
manchas senis, olhos empapuçados, feições enrugadas, nariz adunco e orelhas
grandes, nem se arroga de qualquer individualização, a não ser a de sombra
mesmo.
Mário Inglesi
O interessante é que a visão de velho é mais externa do que realmente interna.
ResponderExcluirQuando nós, os velhinhos, sonhamos (dormindo), sempre nos vemos ativos e jovens. Agora, quando os outros nos vêem (acordados), `As vezes, chega a ser patético! Nos tratam como deficientes e até mesmo analfabetos. Eu, como velhinho, acho muito engraçado, porque é apenas uma questão de tempo para estarem na mesma situação.
Fazer o quê? Só ficamos velhos porque estamos vivos e isso já é maravilhoso, se com saúde, é claro!
Bjs aos atuais e aos futuros velhinhos!
Caro Dr. Mário!
ResponderExcluirSua reflexão sobre o quanto tudo isso valer ou não a pena surpreende! Especialmente nesse momento em que setores da medicina, cultores da filosofia "anti-aging" tentam a todo o custo maquiar e assim despistar, à semelhança do cruzado no filme "O sétimo selo" de Bergman, a famigerada que joga com as pretas...
De fato, enquanto o sentido se fizer sentir, que a longevidade venha; de outro modo, que a Balada de Narayama de Shohei Imamura nos sirva de referencial ao pensar. Afinal, quando o social urge logo se vê que o animal humano ruge e opta por caminhos pouco ortodoxos...
Nessa semana li em algum lugar que a maior prova da existência de Deus é o fato das crianças continuarem a nascer. Logo me lembrei daquela cena do filme Matrix, um tempo onde as pessoas não nasciam mais, eram cultivadas! Me pus a pensar o que seria de nós se a população humana, de modo consciente, se comprometesse a reproduzir em escala menor? Menos fome? Melhor atribuição de funções? Alguma possível mudança na estrutura hierárquica?
Que a longevidade nos seja cara e dê sentido a cada suspiro enquanto estivermos por aqui. Porque senão, se esse apego ao corpo for só egoísmo ou medo da morte, que possamos aprender a tempo com aqueles de nós mais desapegados. Como referência de possibilidade lembremos a atitude do monge nas cenas finais do filme "Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera" de Ki-duk Kim. Caso não tenha visto, que ainda possa fazê-lo, ainda nesta vida, no youtube em: http://youtu.be/m7FsrS0lI04
Com gratidão pela reflexão preciosa!
Dr. Ricardo
ExcluirSuas obsequiosas e sempre bem-vindas palavras – agora- sobre o envelhecimento, objeto de meu texto, me afaga e muito, mas não me afastam do mal-estar que me provoca o evocar – de quando em quando - meu próprio envelhecimento.
Também não é pra menos. O ocaso ainda sob o final entretecer de uma rede onde pontuam o som do réquiem de Mozart, a visão de um quadro sob o substrato de uma época a que não mais me vejo, ou de uma lágrima escondida no canto dos meus olhos e, o fitar, ainda que sem querer, de minha imagem no espelho, e de um grito de Munch entalado na garganta, ou parado no ar, como quis o personagem de Bergman, Tudo se apresenta deveras angustiante, ainda mais porque a ideia de voltar-se ao pó é muito sufocante e jamais aceitável, por mais que nos queiram incutir o contrário, com o vislumbre de uma vida melhor e eterna.
De todo modo, não há como driblar essa situação e fazê-la de qualquer modo mais reconfortante: Viver a vida é tarefa árdua mas é o que de melhor se nos apresenta para sermos verdadeiramente felizes e cônscios de nosso destino humano, ouvindo o marulhar das ondas, assistindo o por do Sol e convivendo com os cantos dos pássaros e os ruídos da natureza e gratificando-nos, em delícias, com toda a criatividade de culturas do ser humano, quer na pontuação da ciência, quer na relevância da arte, em seu arguto olhar sobre a humanidade e seus problemas existências, no cultuar sempre a curiosidade e a dúvida, sem ajuizamentos peremptórios e precários ou certezas infundadas.
Afinal, o nascer humano é lindo e gratificante: “Não há melhor resposta que o espetáculo da vida, diz João Cabral , em sua Morte e Vida Severina”, mas ele não pode e não deve ser pautado- como soe acontecer, -, em ignominiosa complementaridade de uma vida de existir inútil, prenha apenas por assistencialismos.
Por toda essa digressão vetusta e, talvez inútil, de um tema, cuja notória sabedoria, o caro amigo vem embasar com floreios de boas medidas, só me resta agradecer-lhe compungido, mas bastante dignificado.
Abraços
Mário Inglesi
Dr. Mário
ExcluirPara constar aqui, me ocorre um relato ímpar no cinema a tratar das consequências da longevidade descolada do envelhecimento! Trata-se de Zardoz, onde a conquista ad aeternum ocorre ao alto custo do esquecimento de como deixar o corpo.
Fora isso, só o intrigante e curioso caso de Benjamin Button para inspirar e desconstruir a cética proposta dos genes egoístas em favor de alternativas redentoras, bem como de um fluxo de vida vitalizante.
Abraços
O texto é bastante convincente. Tenho na família pessoa com mais de 85 anos e sei quanto é ruim chegar aos 80 com deficiência. O coração está ótimo e não dar sinal de doente, a visão razoável, a cabeça já não funciona, as pernas não obedece, precisa de ajuda para se alimentar, para ir ao banheiro, tomar banho, etc.. Dr. Mário, o senhor tem toda razão.
ResponderExcluirEdivaldo
Sr. Edivaldo
ResponderExcluirÀ sua postagem, meus agradecimentos. Também, minha gratidão pelo acerto de sua compreensão à exposição sobre o tema, ainda que, advinda, da difícil e triste realidade que está vivenciando.
Abraços
Mário Inglesi