POR MÁRIO INGLESI - "A ALEGRE SORRATEIRA" VIII - PARTE FINAL DE:
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Sobre a morte de animais
Pena que toda essa parafernália funérea está até mesmo transferida
para a morte dos animais domésticos, - nada contra os animais domésticos -, num
inócuo desperdício de dinheiro e quiçá de advento de dívidas, pois o crédito
consignado ou não, está aí para servir a todos e a tudo.
Documentário "Terráqueos" - Reflexão
Com isso, parece que a propalada igualdade é um fato em evolução inconteste.
Infelizmente, entre humanos e animais. Também - pudera! - não temos a invejável
Sociedade Protetora dos Homens, apenas a dos Animais. Que pena hein! Como canta Valdick Soriano “Eu não sou
cachorro não”. Em contrapartida, os cães e gatos também não tem uma Declaração
Universal de Direitos. Estamos quites.
Nisso tudo, é preciso considerar que poucas são, aliás, as
necessidades funéreas:
Uma enxada e um lençol;
Um buraco cavado em terra
À tal hóspede bem convém”
(Canta o 1o,
coveiro in Hamlet, Ato Quinto, de Shakespeare, Ed. Aguilar, vol. 1).
Muitos punhados de terra e
uma pá de cal para encerrar todo o cerimonial da morte e, com isso, o tema/motivo
deste texto, que se fez ao som do “Réquiem de Mozart”, para acolher com
galhardia a transcendência, que a ocasião exigia a uma ode fúnebre, porém,
sempre, talvez, como um nefelibata, em favor da vida plena e exuberante.
Réquiem - Mozart - Karajan
Dizem - as más línguas - que a morte não é tão feia quanto pintam.
Pode até ser, mas que causa arrepios – isso causa – principalmente para quem
gosta da vida, ainda que saiba que diante da morte ela é uma “causa perdida”.
Travestida, em sua apresentação, na sua forma última, cadavérica, a
morte com sua terrificante foice em punho é um bom motivo para temores,
principalmente para quem tem planos, projetos e vontade de abrir caminhos novos
ou enfrentar alegrias, satisfações e, em especial risos, o melhor remédio,
alardeiam todos. Mas, afora isso, a morte muitas vezes se oferece como um
bálsamo, uma dádiva como um afastar de sofrimentos e desilusões e, quiçá, como
uma maneira de atingir a eternidade, num “lar imaginário”: “ele foi para uma vida
melhor”, sem pensar num imenso e profundo vazio a céu aberto, inversamente do
que prega a maioria das religiões, principalmente a religião católica, que em
sua configuração de santos, anjos e demais ícones, sempre preserva e qualifica
os mortos, a começar pela entronização e preces a um Cristo morto, suas agruras
e seus apóstolos, até hoje consagrados nos ritos e imagéticas.
A deliciosa vida humana, entretanto, oferece a nós, humanos, um imenso
teatro onde podemos travestir de formas, imagens e sentimentos os mais díspares;
para podermos balouçar entre reinos diversos e ludicamente criarmos fantasias
imaginosas e delirantes, onde a morte, quando muito, é mera encenação, para
atiçar nossa imaginação, tal como, aliás, faz Edgar Alan Poe, com seu poema “O
Corvo”, cuja estrofe final se nos oferece como ilustração:
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
E a minh’alma dessa sombra, no chão há mais e mais
Libertar-se-á… nunca mais!
(in O Corvo, trad. de Fernando Pessoa, Ed. 7 Letras).
Tal encenação, não afasta as defensivas que devemos ter para com a
pressa, a rapidez, a solidão e tantas outras factuais que consomem nossas vidas
e nos levam à morte prematura e inconscientemente advinda e, quando menos
esperada, causando-nos infortúnios e dores não arrazoados.
Portanto, ao invés de alardearmos com a morte, cuja concretização,
depende, na maioria das vezes, de contextos historicamente contingentes, nada
melhor do que se fazer um juízo crítico do seu acontecer em favor do
enfrentamento de suas causas, como a violência, - doméstica ou não -, a todos
produtos industrializados ou não, prejudiciais à saúde como causadores da
obesidade, a pressão alta, o colesterol ou ainda os causadores virais de
doenças e mortes, a poluição, as tensões e prostrações advindas do mundo do
ter, etc. etc., esquecendo que “parecer é não ser”, arrematou Ferreira Gullar.
A morte - não das pequenas coisas ou seres animais - mas a morte
humana está entre os males maiores que predominam na sociedade humana. É certa
a sua inexorabilidade, mas também é bastante certa o seu possível afastamento,
na infância, adolescência, de grande número de seres, todos marginalizados pela
fome e por carências outras, sem condições de alçar a voz para que sejam
ouvidos em suas súplicas por um pedaço de pão, por um cobertor ou por um olhar
ou abraço amigos. “Gente que vai em frente, sem nem ter com quem contar”. (*)
O lema da Revolução Francesa conclamando liberdade, igualdade, e fraternidade,
com democracia, não se fez ainda amplamente presente no planeta neste início de
século para grande parte da humanidade.
Portanto, nada de “laissez faire, laissez passer: le monde vá de
lui même”. Desde que o mundo é mundo, a sociedade humana interferiu nele para o
bem e para o mal, fazendo-o prosperar por seus afazeres múltiplos, isto é, com
o trabalho, os estudos, as pesquisas, a ciência e as artes, sem denegá-lo
naquilo que há de mal e para o qual nunca se abstraiu em demovê-lo. Aliás,
Daniel Pizza, em seu "Aforismo Sem Juízo", proclamou:
“Não dá para defender mundo mais democrático e achar que não se
deve fazer nada.”
Que o lavor torne realidade a esperança e, não, tão só uma ‘ilusão
passageira’, de abrir portas e janelas e cantar:
“Eu quero ver um dia
numa só canção
o pobre e o rico
andando mão em mão
Que nada falte
que nada sobre
O pão do rico
O pão do pobre”(*)
Para isso e não por acaso, Bom Conselho
Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade. (*)
Para que mais não fosse:
“Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão. ”(*)
(*) in “Chico Buarque Letra e Música,” vol. 2, Cia das Letras, 1989.
Reflexões ou ruminações sobre a morte: Um
bom começo. É manifestamente atitude de reversão à vida em sua plenitude com um
viger prolongado satisfatório e saudável, bem-vindo, bem-quisto, sem exclusão
ou enfrentamento, mas apenas com o compartilhar de correlações diversas, mas
não menos importantes e significativas, com todas as gentes desse nosso planeta
Terra.
Abraço prolongado e sempre amigo de
valorização à vida.
Mario Inglesi
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