POR: Zília Nazarian – Arteterapeuta - Afratapem – École
d’Art-thérapie de Tours, France
Para obra completa envie email solicitando a: zilianazarian@gmail.com
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Elementos que compõem o Maravilhoso segundo a
autora. |
«O MARAVILHOSO COMO
INSTRUMENTO FACILITADOR NO ACESSO AO BEM-ESTAR E À BOA QUALIDADE DE VIDA EM
JOVENS PORTADORES DE DOENÇAS DEGENERATIVAS»
Introdução
Explorando o
poder próprio da arte através de meios específicos, um atelier de arteterapia
pode propiciar a uma pessoa portadora de doença degenerativa uma sensação de maravilhamento
durante a realização de seu projeto artístico quer como contemplador quer
como produtor. Chamaremos essa sensação de «Maravilhoso», traduzida do
francês “Merveilleux”. A sensação de prazer e bem-estar propiciada pelo
encontro com o «Maravilhoso» pode ser fator de contribuição na melhora de
qualidade de vida de jovens deficientes e consequentemente um estímulo para uma
projeção futura, ainda que esse futuro seja limitado a um prazo de poucas
horas.
O «Maravilhoso» tem sua fonte no mecanismo de imaginação que bem estimulado
possibilita a imersão do indivíduo em outra realidade, que o coloca em contato
com seu ser mais profundo, íntimo, secreto e que se revela no ato artístico.
Esse cruzar de limiar do solo real para o solo imaginário, se bem orientado
pelo arteterapeuta, faz com que momentaneamente o paciente se esqueça de seu
sofrimento cotidiano e viva seu lado espiritual saudável com liberdade. Sim,
porque o homem é feito de um corpo e de um espírito que não são dissociados e
que se influenciam mutuamente. Assim, o sentimento de prazer e a sensação de
“maravilhamento” que advém desse momento podem repercutir positivamente no
bem-estar da pessoa melhorando sua qualidade de vida, pois ela passa a se
sentir sujeito de sua vida e não mais um objeto.
O Ser Humano
é um indivíduo constituído de um corpo e de um espírito.
Para se
desenvolver e prosperar, o homem faz contato com seu meio-ambiente num
constante movimento interior/exterior/interior. Segundo Forestier (2011), o
homem possui um saber próprio que diz que ele está vivo, capaz de se engajar,
de se transformar ao longo do tempo e dos acontecimentos. Esse engajamento é o
que o inscreve na existência de sua vida como sujeito. A animação existencial
permite a união corpo/espírito do ser humano que se traduz de um lado por um saber
corporal fundamental - estratégia natural genética para que o corpo funcione
bem, e de outro lado por um sabor existencial, o prazer de viver, que
concerne ao gosto e ao estilo característicos da personalidade de cada
indivíduo o que faz com que a pessoa atue sobre sua vida com confiança e
prazer.
À medida que
esse homem se engaja e adquire conhecimento, uma autoregulação entre o saber
corporal e o sabor existencial é requerida para que ele alcance bem-estar e
qualidade de vida desejáveis.
O Homem busca
a satisfação dos seus desejos e uma boa qualidade de vida para ser feliz.
O Homem está
sempre à procura de melhorar sua condição de vida no intuito de utilizar da
melhor forma suas competências físicas e psíquicas. Vários teóricos pesquisaram
e conceberam modelos sobre esse assunto. Entre eles distinguimos Abraham Maslow
que enumera os desejos fundamentais humanos em cinco níveis de importância que
vão das necessidades fisiológicas à realização como ser humano; já o psicólogo
Marshall Rosemberg, credita a satisfação desses desejos organizados em nove
famílias, através da comunicação não violenta versada sobre a empatia e a
tolerância motivadas pela alegria e impulso do coração; podemos ainda citar a
enfermeira Virgínia Henderson que propôs 14 desejos fundamentais baseados em
cuidados de enfermagem com pessoas menos favorecidas.
O deficiente
motor tem muita dificuldade em satisfazer seus desejos tanto os mais
fundamentais quanto os mais superficiais devido à sua falta de autonomia e
limitação física e por vezes, intelectual. Portanto, atividades no campo da
arte podem ser-lhes benéficas para redescobrir o prazer da existência, diminuir
o sofrimento e assim satisfazer certos desejos como, por exemplo, o de se
ocupar, de se sentir útil, de ser valorizado pelo outro, de estar inserido num
meio social e assim de se realizar como pessoa.
A importância
da autoestima
Segundo
Christophe Andre (2006), médico-psiquiatra do hospital Sainte Anne em Paris, os
altos e baixos da autoestima são normais desde que eles sejam ocasionais ou
dentro de um equilíbrio aceitável. O problema aparece quando essa oscilação se
torna frequente.
Na vida de um
jovem com miopatia, por exemplo, a autoestima sofre constantemente essa
instabilidade devido às frequentes adaptações que ele é obrigado a fazer em seu
cotidiano.
À medida que
a doença progride, o enfraquecimento dos músculos acarreta diversas penalidades
como, por exemplo, cirurgias, utilização de tecnologias assistidas e
dificuldades em mecanismos humanos básicos como o respiratório, o circulatório,
o digestivo, o locomotor, o gestual.
Ainda segundo
André, em seu livro em parceria com Lelord, «L’Estime de Soi», a autoestima é
constituída de três componentes: a visão de si, o amor de si, e a confiança
em si.
A arteterapia
tem entre seus objetivos primordiais a revalorização do ser e a restauração da
autoestima. No percurso e/ou finalização de uma produção artística, um jovem
portador de deficiência física, pode alcançar uma gratificação sensorial de
importância tal que o levará a se orgulhar de sua capacidade em produzir algo
belo, que lhe agrada. Esse sentimento de orgulho pode lhe trazer uma confiança
em si mesmo, antes inexistente. Pode também levá-lo a modificar a visão negativa
que ele possa ter de si próprio para uma visão mais positivista e esperançosa.
Como consequência, esse jovem poderá desenvolver um sentimento de amor próprio.
A autoestima
se revela então um componente importante no desenvolvimento de vida do ser
humano para a conquista de seus sonhos e objetivos.
A busca da
estética implica numa projeção para o futuro
O filósofo
Bertrand Vergely (2010) coloca em evidência o poder da beleza sobre o ser
humano: “A beleza não é simplesmente bela, ela é útil. É ela que nos faz viver.
É ela que nos dá a força do viver. É ela que nos dá igualmente a razão que caracteriza
a humanidade”. A beleza dá um sentimento de prazer e uma sensação de bem-estar
que nos inunda. A estética, definida como a “ciência do belo” por Baumgarten
(1750), se apoia no campo de sensações agradáveis e implica a expressão
personalizada do gosto.
Um jovem
portador de doença neuromuscular perde, por vezes, o interesse pela vida, pela
luta cotidiana repleta de sofrimentos e limitações. Mas ao se engajar num
projeto artístico, buscando o que ele percebe como belo, esse jovem
recupera o impulso motivacional necessário para o viver, para o fazer, o se
projetar num futuro objetivando algo de prazeroso para si. É nesse percurso que
o encontro com o «Maravilhoso» pode acontecer. A descoberta de sua própria
criatividade e capacidade artística pode surpreendê-lo de maneira positiva
permitindo nesse momento que o prazer e a alegria substituam seu sofrimento
cotidiano.
O mecanismo
humano da imaginação
A imaginação
é um mecanismo psíquico de base solicitado pelo ato artístico voluntário. Segundo
Fayga Ostrower (1977), ela é constituída essencialmente de associações evocadas
por similaridades, ressonâncias do íntimo de cada um de nós calcadas em nossas
experiências anteriores e com todo um sentimento de vida. «Espontâneas,
essas associações afluem em nossa mente com uma velocidade extraordinária».
Assim, a capacidade do homem de manipular essas associações mentalmente
amplifica seu ser e sua imaginação. O ato artístico será então impulsionado e
enriquecido por essa amplitude.
O mecanismo
de imaginação é solicitado quando a percepção de qualquer coisa nos cativa, como
num processo de criação artística onde ideias e sentimentos se misturam e podem
levar o homem a um mundo de fantasia, mundo esse experimental na forma de
pensar e agir onde tudo pode se tornar possível. Luis Paulo Baravelli (1998),
pintor brasileiro, descreveu bem o poder da imaginação no ato artístico: «A
partir do momento que temos um mecanismo de percepção e abstração da realidade,
qualquer coisinha é um mundo, a imaginação voa, não para mais. Com um caquinho
das listas telefônicas, trabalho o dia inteiro. Não corro atrás dos
acontecimentos».
O «
Maravilhoso » como é percebido em Arteterapia
Frequentemente
constatado em sessões de arteterapia sob a forma de uma sensação de plenitude,
de preenchimento do ser o « Maravilhoso » provoca um grande bem-estar no
indivíduo. Às vezes essa sensação só perdura por poucos minutos; em outras ela
pode permanecer horas após a sessão. Tanto em uma como em outra situação, esse
bem-estar tem seu reflexo no comportamento do paciente de maneira positiva,
quer aliviando sua ansiedade, sua angústia, seu sofrimento, quer estimulando
sua autoestima e incitando projetos futuros.
Segundo
alguns dos participantes da pesquisa, o «Maravilhoso» não se apresenta ao
acaso. Em um trabalho de produção artística orientado pelo profissional de
arteterapia, um paciente pode realizar coisas que ele não pensava ser capaz.
Isso se revelará como «Maravilhoso» apenas se o paciente tiver uma reação
positiva diante dessa surpresa.
Outros
profissionais da área acreditam que a sensação de maravilhamento não é sentida
da mesma maneira por todos pacientes em função da personalidade e patologia de
cada um. Ela pode ser sentida como um prazer espontâneo momentâneo ou um estado
conquistado após um longo trabalho do despertar de sua personalidade.
No caso de um
paciente adulto, o «Maravilhoso» pode ser percebido, por exemplo, numa
atividade lúdica que permita o acesso a seu imaginário, capacidade humana
frequentemente esquecida devido ao cotidiano materialista em que vivemos. Ele
pode então reencontrar sua criança interior, o que será ocasião de se
maravilhar.
Relatos dos
profissionais questionados revelam que o encontro com o «Maravilhoso» tem
também seu lugar no momento em que o paciente esquece o olhar e a presença do
outro, imerso em sua produção artística ou quando seu olhar se ilumina diante
do belo revelado inesperadamente.
Eles também
revelam alguns elementos que podem advir e impedir esse encontro com o prazer
estético, como por exemplo, a dúvida, a insatisfação, o medo de fazer mal
feito, a vontade de estar em outro lugar. É nesse momento que o arteterapeuta
pode orientar seu paciente para que supere esses obstáculos e possa talvez
mergulhar num prazer maior. Essa orientação pode se dar de diversas formas
respeitando sempre a personalidade do paciente e requer muito da empatia já
estabelecida na relação arteterapeuta/paciente. Ela pode ser conduzida pelo
diálogo e/ou pela sugestão de modificações quanto ao material utilizado e/ou
técnica empregada. É importante nesses momentos tentar atrair a atenção do
paciente para algo que diminua sua ansiedade e restabeleça um ambiente tranquilizador
no espaço terapêutico.
O lugar do «
Maravilhoso » na estratégia terapêutica
Todos os 12
arteterapeutas que fizeram parte dessa pesquisa, tanto os brasileiros como os
franceses estão de acordo que o encontro do « Maravilhoso » constitui uma
alavanca para o acesso ao bem-estar e pode ser um instrumento de apoio
terapêutico na projeção do paciente em seu futuro. Para eles, o paciente
encontrará o «Maravilhoso» em relação aos seus próprios critérios de sucesso
exterior e não àqueles de outra pessoa como o arteterapeuta. É ele, o paciente,
que vai julgar a qualidade do que ele fez. Às vezes esse julgamento não é feito
de maneira consciente.
Para as
pessoas que vivem de uma maneira muito limitada como em hospitais, em prisão ou
ainda presos em sua própria patologia, esse encontro pode simbolizar uma janela
terapêutica dando liberdade ao espírito de descobrir outras maneiras de viver.
No quadro
hospitalar, por exemplo, essa abertura do espírito pode trazer esperança, pode
contribuir a diminuição de medicamentos devido a uma renovação do elã vital do
paciente.
Assim, trazer
elementos do exterior que possam provocar um momento positivo de encantamento e
prazer em um indivíduo num campo de atividade artística diferente do seu
habitual, pode vir a ser um estímulo forte na sua recuperação. Uma flor
perfumada apresentada ao início de uma atividade de desenho pode criar uma
sensação de « Maravilhoso » graças à experiência olfativa capaz de levar o
paciente a se evadir de seu sofrimento e motiva-lo na sua capacidade criativa;
ver um vídeo musical pode ser um meio portador de encantamento tal que ative
mecanismos mnésicos raramente utilizados.
Outras
situações exteriores ao indivíduo podem ser fator de encontro com o «Maravilhoso»
- um filme, um relato, um conto de fadas, um conto fantástico. Quanto mais a
atuação da pessoa for espontânea, mais probabilidade de se deixar inundar pelo
prazer estético.
O «
Maravilhoso » na relação paciente - arteterapeuta
Notemos
igualmente a importância do « Maravilhoso » na cumplicidade nascida entre o
paciente e seu arteterapeuta. A associação de duas pessoas pode proporcionar um
momento de prazer intenso se traduzindo por rostos que se iluminam, por
sorrisos, por elementos sutis que não podem ser previstos. Isso pode acontecer
após um processo relacional de qualidade que vai além da qualidade do protocolo
terapêutico ou processo terapêutico em arteterapia.
Um benefício
para a criatividade
O teatro e a
dança são também atividades artísticas onde o « Maravilhoso » pode ser muito
benéfico para o desenvolvimento da criatividade; um personagem, uma imagem, se
tornam corpo e vida numa representação e por alguns instantes uma pessoa torna
real o que existia apenas em sua imaginação.
Podemos dizer
que o « Maravilhoso » é impalpável. Nós o sentimos como o perfume de uma rosa
presente. Ele pode sim ser considerado como uma estratégia terapêutica, mas o
caminho pode ser longo, pois tudo vai depender do estado de saúde da pessoa.