POR: MÁRIO INGLESI
Dr. Ricardo
Lembranças!
Ah, as lembranças...
Elas,
muita vezes nos preenchem o viver, ainda que fragmentadas ou romantizadas, ou
ainda, decupadas conforme interesses em revelá-las inteiramente, ou não, nas
conversas em eventos, familiares ou domésticos.
Em um
dos sábados deste mês, sem ter algo que lhe chamasse a atenção na TV, ele resolveu
rever o maravilhoso filme dos Irmãos Taviani: Pai patrão (1977), baseado no
livro autobiográfico de Gavino Ledda de (1975).
O que
mais lhe chamou a atenção nessa empreitada foi fixar-se na figura imagética do
pai do menino, embora o chamariz no filme, fosse na sua prática de força e
violência em tratar o filho.
Como
essa maneira de ser do pai já tinha sido vista, o olhar fixou-se na totalidade
da figura do pai. E, isto porque, lembrara-lhe em todos os detalhes, a imagem
do seu avô paterno, Francisco, com sua camisa branca, de mangas compridas e
abotoada inteiramente até o pescoço; seu colete, paletó e calças da cor preta,
como uma figura lendária da baixa Itália, de onde viera para o Brasil, como
imigrante, em tempos idos, com o intuito, possivelmente, de melhorar de vida,
já que, embora soubesse bem as quatro operações e a tabuada, era analfabeto, só
sabendo bem, lidar com seus animais, em prol do sustento da família.
Essa
fixação do filme, termina por aí.
Embora
ensejasse novas e boas recordações reverenciadas, todavia, ficou-lhe por último,
um trágico “por quê”.
O vô
Francisco, falava apenas em italiano, salpicado de apenas algumas palavras em
português. Com isso, insuflou - ao neto -, garoto na época, o gosto pelo
linguajar italiano, assim como pelas cançonetas italianas e as belas e
requintadas óperas de Verdi e Puccini e, outros autores menos aplaudidos, mas de
repertório não menos conceituado.
Afora
esse arcabouço, é bastante significativo lembrar o seu carinho para com os netos,
em particular para com ele, - lembrava dele então - ainda que de convivência
bastante curta, pois só nos últimos anos de vida, veio morar em sua casa.
Isto
deu-se, em razão da asma e dos cuidados que o avô requeria para uma
continuidade de vida regular, inclusive de dispêndio só compatível
financeiramente à situação em que se encontravam então.
Durante
todo esse tempo, quem ficava com ele diariamente fazendo-lhe companhia, era
ele, seu neto, o que lhe rendia, de vez em quando, algumas moedas, sofregamente
guardadas num cofrinho de barro, em formato de porquinho.
Nesse
dia a dia, a vida perseguia sua caminhada rotineira, até que, um dia, tal
sequência de compartilhamento não foi obedecida.
Para
desgosto de todos, e culpa do menino neto, no dia seguinte, logo de manhã cedo,
viu-se o pai muito alvoroçado, em prantos e com lágrimas que lhe cobriam os
olhos e a face, revelar que o vovô, o querido vô, havia falecido.
A culpa
bateu de frente no menino, e de maneira profunda, pois no dia anterior não
quisera cumprir a rotina estabelecida de fazer-lhe companhia.
Assim,
a única alternativa foi convalescer na cama, até a chegada do médico da família.
Este, após atestar o óbito para as demais providências do velório, que então se
realizava na própria casa, na sala toda engalanada de preto para a tal
celebração, a pedido de seu pai, foi até o menino para auscultar a sua
fragilidade, e, possíveis consequências diante do ocorrido.
Nada
encontrando, além do seu abatimento, levou-o para ver a derradeira imagem do seu
avô. Não se assustou, nem fez qualquer menção de choro ou de tristeza.
Hoje,
ao relembrar isso, só se atém ao questionamento insondável, do porquê não
fizera, no dia anterior a sua morte, a companhia rotineira que fazia ao querido
avô, pai e, talvez, em outros tempos, também patrão, como o do filme.
Mas, o
que fazer? Ficou a recordação, a saudade. Aliás, como declara o poeta Mário
Quintana (1906-1994):
“O
tempo não para, só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo”.
Ou,
como reflete a poetisa Florbela Espanca (1894-1930) em seu poema ‘Saudade”:
Esquecer!
Pra quê?… Ah, como é vão!
Que
tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele
deixou beleza que conforte
Deve-nos
ser sagrado como o pão.
Poder-se-á
também, em última instância, dizer ainda, de viva voz que, lembrar, recordar,
ter saudade, são atos benfazejos de saúde consciente. E, porque não? Afinal,
são prazerosos e sempre bem vindos.
Com
tudo isso, é ver, rever, alçar voos e inteirar-se do que já passou, ainda que
fragmentariamente, ou de cortes inevitáveis em prol do que é bom de ser
lembrado. Na roda da vida, lembranças viram saudades, “estórias”, histórias” e
sentimentos alvissareiros ao bom viver, tal como uma “Folha Dobrada” como
lembra o título do livro do professor de Direito da USP, Goffredo da Silva Telles
Jr. (16.5.1915 - 27-06-2009) e autor também da célebre “Carta aos Brasileiros”,
em favor do restabelecimento do Estado de Direito no País.
Portanto,
lembrar, relembrar e revestir em palavras, sentimentos e situações, é consignar
um pedaço, por menor que seja, de uma vida bem vivida, a serviço de um agir
seguro e bem direcionado, no enfrentamento dos riscos e embates futuros.
Mário
Inglesi
Ah, Mario, Mario... Sempre implacável nas palavras e nos sentimentos que delas se descolam. Texto belíssimo! Principalmente porque entende o sentimento da saudade como uma propulsão para uma vida feliz. É um olhar terno para o irremediável. Sem culpas, com leveza e gratidão! Abraços!
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