De Rainer Maria Rilke - em "Os Cadernos de Malte Laurids Brigge"
Quando se fala do
solitário, sempre se pressupõe demais. Acredita-se que as pessoas saibam do que
se trata. Não, não sabem. Nunca viram um solitário, apenas o odiaram sem
conhecê-lo. Elas foram os vizinhos que o irritaram e as vozes no quarto ao lado
que o tentaram. Açularam os objetos contra ele para que fizessem barulho e
falassem mais alto que ele. As crianças se aliaram contra ele quando era
delicado e criança e, à medida que crescia, crescia contra os adultos.
Farejaram-no em seu esconderijo como se ele fosse um animal que pode ser
caçado, e durante sua juventude não houve período em que a caça fosse proibida.
E quando não se deixava esgotar e fugia, elas gritavam contra aquilo que
provinha dele e diziam que era feio e suspeito. E se não dava ouvidos, elas se
tornavam mais claras e comiam sua comida, esgotavam seu ar, cuspiam na sua
pobreza para que se tornasse repulsiva para ele. Elas o difamavam como a um ser
contagioso e atiravam pedras atrás dele para que se afastasse mais depressa. E
o velho instinto delas tinha razão: pois ele era realmente seu inimigo.
Quando,
porém, ele não levantava os olhos, elas refletiam. Suspeitavam que faziam a sua
vontade ao fazer tudo aquilo; que o fortaleciam em sua solidão e o ajudavam a
separar-se delas para sempre. E então mudavam de atitude e empregavam o último
recurso, o mais extremo, a outra resistência: a fama. E com um barulho desses,
quase qualquer pessoa levanta os olhos e se distrai.
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