Dr. Ricardo
CARNAVAL
Ó abre alas
Que eu quero passar
Ó abre alas
Que eu quero passar
Eu sou da Lira
Não posso negar
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
(Chiquinha Gonzaga; Abre Alas)
Eu quero é botar meu botar me bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. .
(Sérgio Sampaio: Eu Quero Botar Meu Bloco
na Rua)
Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos
sambar
Ô, ô, sambar, iêié, sambar
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . .
(Assis Valente : Brasil Pandeiro)
Não é intencional.
Faltou-me outro assunto. O Carnaval, realmente, nesta época, tem primazia sobre
todas as matérias, importantes ou não. É a maior festa popular multimídia brasileira,
queiram ou não todos os falantes em contrário. E mais, se “Deus é Brasileiro”,
como afirmam, Ele obviamente consagra a festividade e conclama a todos a
participarem do evento, num congraçamento sem precedentes na história do País.
Um misto interativo de corpos em alegria, canto e cadência de samba, num bloco
único e maciço de povo, sejam quais forem suas diversidades específicas de raça,
cor, situação econômica ou política. O primado maior da festa é diversão alegre
e sadia, uníssona de todos os participantes, nas ruas com seus blocos; no
sambódromo, na visão da magia do deslumbre de luz, sons e cores, nas ladeiras
com os bonecos gigantes em Recife, na Bahia correndo atrás do trio elétrico, em
busca de uma felicidade de inteireza suprema, ainda que como diz o poeta
Vinicius de Moraes:
“Tristeza
não tem fim
Felicidade
sim.
. . . .
. . . . . . . . . . . . .. .. . . . . .
A
felicidade do pobre parece
A
grande ilusão do carnaval
A gente
trabalha o ano inteiro
Por um
momento de sonho
Pra
fazer a fantasia
De rei
ou de pirata ou jardineira
Alegam
os mal pensantes que a festa traveste-se unicamente do prazer da carne, como
aliás foi conclamada em sua origem. Mas se isto for – e daí? – a alegria e a
felicidade suplantam qualquer idiossincrasia. O que vige é, na realidade, o
“abrassaço“ de todo um povo, num ritual comum de desprendimento, manifesto em
favor de uma única tese: foliar, esquecendo as agruras do dia-a-dia e seus
problemas desgastantes e, em sua maioria, insondáveis e insolúveis. Fugindo da
solidão, do confinamento das grandes cidades, do estresse, cercados de medos, obsessões, tensões,
desgastes, em busca quiçá da vitalidade perdida em todo esse emaranhado de
condições e condutas asfixiantes programadas e incutidas como, proceder e guiar
a vida em uma só direção, sem pecados ou pecadilhos, ou remorsos e culpas
inúteis.
Afinal,
é preciso ter em mente, como cantarola Chico Buarque
Não
existe pecado do lado de baixo do Equador
Vamos
fazer um pecado rasgado, suado a todo vapor
Me
deixa ser teu escracho, teu cacho
Um
riacho de amor
Quando
é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu
sou professor.
Poder-se-ia,
ainda que mal se compare, referir-se ao “reino dos céus”, onde a paz e a
harmonia vigoram numa alegria sem precedentes, num movimentar de corpos, num
cantar desbragado e num olhar de brilho intenso neste nosso planeta terra, onde
muito pouco ou quase nada nos é oferecido, além de males sufragados por uma
vida assaz medíocre, sem muitas perspectivas de diversão, sonhos e devaneios e
esperanças fugazes.
Convenhamos,
novamente como Chico Buarque em Sonho de Um Carnaval:
Carnaval,
desengano
Deixei
a dor em casa me esperando
E
brinquei e gritei e fui vestido de rei
Quarta-feira
sempre desce o pano
Mas,
esse desengano fugaz manifesta-se como um insólito desejo de felicidade:
Era uma
canção, um só cordão
E uma
vontade
De
tomar a mão
De cada
irmão pela cidade
No
carnaval, esperança
Que gente
longe viva na lembrança
Que
gente triste possa entrar na dança
Que
gente grande saiba ser criança
Afinal
voltando a Vinícius de Moraes, em sua Marcha da Quarta de Cinzas :
E no
entanto é preciso cantar
Mais
que nunca é preciso cantar
É
preciso cantar e alegrar a cidade
A
tristeza que a gente tem
Qualquer
dia vai se acabar
Todos
vão sorrir
Voltou
a esperança
É o
povo que dança
Contente
da vida
Feliz a
cantar
Nesse
cantar, “Canta, Canta Mais, diz Tom Jobim
Canta,
Quem
canta o mal espanta
Vai
sempre cantando mais, mais
Canta
pra não chorar
. . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
Canta,
canta
Sente a
beleza
Canta,
canta
Esquece
a tristeza
Tanta,
tanta
Tanta
tristeza
Canta
. . . .
. . . . . . . . . . . . . . . .
Canta,
canta
Canta
vai, vai
Segue
cantando em paz
Canta,
canta
Canta
mais
Canta.
Como se
apercebe, cantar, dançar, minha gente, neste ou em outros carnavais, seja de que
modo, canto e lugar forem, é, deixar a “tristeza pra lá”, prediz Martinho da
Vila, em seu Canta, Canta, Minha Gente.
Assim,
o afastar os problemas, deixar a tristeza e colher a esperança, ainda que, em
apenas alguns dias, é recobrar as forças, esquecer as agruras do dia-a-dia, é
sonhar. É também e, mais ainda, recuperar o encanto do viver em saudável
bem-estar: Carnaval também é nimiamente “Saúde”, vitalidade, vislumbre de uma
sociedade irmanada num só objetivo de conquista de felicidade harmônica e
interativa
Desse
modo, é cantarolar, em alto e bom som:
. . . .
. . . . . . . . . . . . . . . .
“Vou
partir não sei se voltarei…
Tu não
me queiras mal
Hoje é
carnaval…”
(Nelson
Cavaquinho: Vou Partir)
“Um bom
samba é forma de oração, na Paz do Senhor
. . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
E como
levei minha vida cantando, na paz do Senhor
Eu deixo
o meu canto pra população, na paz do Senhor”
(Candeias:
Testamento de Partideiro)
Em
síntese, podemos dizer, no recôndito do silêncio, ou no auge da alegria
altissonante :
. . . .
. . . . . . . . . . . . . . . .
“Quem
não gosta de samba bom sujeito não é
É ruim
da cabeça ou doente do pé
Eu
nasci com o samba no samba me criei
e do
danado do samba nunca me separei”
(Dorival Caymmi:
Samba da Minha Terra)
Se isso
é tido como verdade, é também preciso convir que Carnaval não é só samba. É
também frevo, maracatu e outras riquezas folclóricas adjudicadas em favor do brilho do
Carnaval e sua alegria.
Ao
amigo doutor, saudações momísticas, deste longevo folião-avô - neste tríduo carnavalesco que se aproxima.
Mário
Inglesi
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