Brasil Escola: Zumbi e Consciência Negra
“Cesse tudo o que a musa antiga
canta,
Um valor mais alto se alevanta”
(Camões in “Os Lusíadas”)
Fixado como feriado em determinados lugares e
regiões do País, os negros se propõem chamar a atenção para a necessidade da
consciência negra para auferir direitos ainda equidistantes em relação aos
brancos, como a paridade salarial, ou, em outra ponta, igualmente para os vis
preconceitos que ainda sofrem em diversos níveis sociais.
Tais proposições são mais que justas, e, como
tal, merecedoras da atenção especial de todos, negros ou não.
Em princípio, não se pode esquecer de
levantar o fato de que o negro e a miscigenação já foram objeto da ciência, em
determinada época, como fatores negativos. Isto, advindo da classe científica,
foi tomada como total verdade e, como tal, permeou, socialmente, diversos
trabalhos de acadêmicos ou de literatos ainda hoje em evidência.
Mas modificar tais trabalhos, hoje, por tais
mazelas é deslustrar a história e sua época, em detrimento óbvio de todo
conhecimento das novas gerações.
Portanto, não é preciso inquisitorialmente
levantar-se contra isso, mas fazer-se entender a situação e o que a levou a
instituir-se como tal.
Afinal, estamos no correr do século 21, e a
situação social dos negros também, felizmente, não é a mesma instituída à época
da escravidão, embora possam ainda existir resquícios de mazelas que ainda
atingem os negros, em graus indesejáveis para todos nós.
De todo modo, à lembrança da consciência negra
deve juntar-se também o pedido da consciência dos brancos, pois, em muitos e
muitos casos, a igualdade de problemas são comuns a brancos e negros, como – só
para citar – os casos da pobreza, da fome, da moradia e das condições sub-humanas
que os atingem.
Nesse patamar, a igualdade entre brancos e
negros é a mesma, e exige de todos consciência e luta, junto aos poderes
públicos, e não meras dádivas ou benesses, que só fazem inferiorizar a
negritude, destituindo-a de seus valores imanentes.
Para isso se faz mister ter sempre em mente
os maravilhosos poemas do poeta negro Solano Trindade, que, com sua arte de
resistência, marcou sua presença ativa da cultura negra do Brasil, com a
exaltação da cultura negra e de seus expoentes, sempre em prol da liberdade e
da presença forte de seus sujeitos, a exemplo dos poemas “Poema
Autobiográfico”, "Orgulho Negro”, “Conversa”, “Canto América”, “Reflexão” e
“Trem da Leopoldina”, entre tantos outros.
Conversa
“- Eita
negro!
Quem foi que disse
Que a gente não é gente?
Quem foi esse demente,
Se tem olhos não vê…
Que foi que fizeste mano
Pra tanto falar assim?
- Plantei algodão
nos campos do sul
pros homens de sangue azul
que pagavam meu trabalho
com surra de cipó-pau.
Basta mano pra eu não chorar”
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . .
Canto
América
“Não canto de mentira e falsidade
que a ilusão ariana
cantou para o mundo
na conquista do ouro
nem canto de supremacia dos derramadores de
sangue
das utopias novas”
Reflexão
“Vou assistir um espetáculo humano;
A confecção de bandeiras iguais,
Para seres que parecem diferentes”
Tem gente
com fome
"Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiiii
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuuu”
Nesse cantar simples, solene, o negro se faz
presente não apenas por seu passado, mas pela urgência de um futuro
compartilhado com reflexões, consciência e atuação: se tem gente com fome, sem
condições financeiras, sem saúde e sem moradia, sem escolaridade, sejam negros,
brancos ou amarelos, não deixe que “o freio de ar, todo autoritário mande o
trem calar, com o seu Psiuuuuuuuu”.
Se isso fizerdes – oh! Glória – tua
consciência negra alçará às alturas e terá lugar definido e definitivo neste
solo brasileiro. Não sereis mais pessoas presas no tempo e no espaço, inclusive
de suas próprias vidas e, assim, suas decisões e escolhas modificarão a sua e a
nossa vida, para sempre. Então, como Castro Alves (1847-1871), podereis clamar,
aos quatro ventos, com sua bela negritude e a serenidade de um dever cumprido:
“Senhores, a glória de um povo é ser livre…
O nome de livres é o nosso brasão,
Seja esta a divisa da nossa existência.
E este epitáfio se escreva no chão…”
(Ao dia dous de julho – Saudação, parte 3a.)
Ora, nas quebradas desse mundaréu que é este
Brasilzão, gente ainda é bicho do mato e, como tal, vive, - se é que isso é
viver -, nos esconsos da ignorância, dos complexos preconceituosos e dos
anátemas da pobreza, do aniquilamento e da morte.
Nessa confluência abrangente é preciso firmar,
para todos, a concretude das aspirações mais profundas do ser humano: ser gente
e, não bicho. Ter paz, liberdade, com o
flamejar da chama democrática, e, finalmente, darmos, em uníssono, “aquele
abraço”, entoando, quiçá, com força e veracidade o refrão de um tema enredo da
Imperatriz Leopoldinense, de 1989,:
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. .
“Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós
E que a voz da igualdade
Seja sempre a nossa voz.”
Esse sonho pode apresentar-se como uma
distante quimera, uma utopia, mas, de todo modo, é sempre bom sonhar sonhos
grandes alvissareiros. Eles ajudam a viver melhor, ainda mais com toda a
tentativa de torna-los realidade, com aquiescência e ajuda da consciência
negra, por um Brasil real brasileiro, onde as confluências das culturas se aproximem,
se mesclem e se construam em novas culturas, onde a negra tenha um lugar de
primazia preponderante, fazendo jus ao seu primado histórico de beleza e
diversidade, em seu pluriculturalismo imbricado, afastando de vez o olhar
disforme de ver o outro com vista precípua à sua cor de pele ou de sua posição
econômica, e também não como vítima de um destino traçado pelo colonizador, mas
como agentes histórico-culturais como sonhou e se postou Martin Luther King, em
seu discurso “Eu Tenho Um Sonho”, de 28/08/1963.
O sonho referido advém da certeza contida no
espraiar da consciência para um olhar realmente apurado para ver o outro como a
si mesmo, sem tensões, embates, dilaceramentos, prejudiciais a uma convivência
humana comum e saudável.
Mario Inglesi.
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