Por: José Geraldo M. Meireles
- Psicólogo
No contexto convulsionado em que
estamos inseridos, não acredito que os anseios do homem consciente
restrinjam-se a uma casual e modesta participação no cenário socioeconômico
contemporâneo. As mudanças têm sido rápidas e profundas. Não nos resta, em
nível individual e coletivo, outra alternativa senão procurar soluções novas e
vencer desafios.
Muitos se sentem perplexos.
Angustiam-se, e a incerteza instala-se. Deparam-se com dilemas inevitáveis que
englobam “o princípio do prazer” - o desejo é inquietante e indomável - e
"o princípio da realidade".
Situar a psicologia moderna
significa reconhecer que se iniciou com Freud, pois coube a ele o grande mérito
da descoberta do inconsciente: objeto da psicanálise. Sua descoberta revolucionou
o início do século XIX e a nossa compreensão em relação a nós mesmos. Deduziu a
existência do inconsciente, após contatos persistentes e minuciosos com seus
pacientes. Pela fala, é possível curar e aliviar o sofrimento psíquico. Por
inovar, encontrou muitos opositores. Sua genialidade permitiu supor estar na
sexualidade a causa dos transtornos psíquicos: descarregar a energia (no ato
sexual, por exemplo) dá prazer. Contê-la ou reprimi-la, ao contrário, provoca
desprazer. Ao considerar-se a vitalidade física e psíquica, a sexualidade faz parte
da existência, porém desvinculada do afeto, resulta em decepção e frustração.
Em se tratando de decepção e frustração, Hélio Pellegrino – psicanalista
– ilustra que o homossexual elege por objeto de desejo, alguém que se iguale,
alguém que é seu duplo perfeito, imagem radiosa de si pela qual se apaixona. A tensão
das relações narcisadas, ao extremo, tende para a possessão intensa. Cada um vê
no outro o seu próprio retrato idealizado ou deificado – isso rarefaz e mesmo
impede a possibilidade do encontro autêntico. A pulsão narcísica não aceita
diferença, limite ou separação. O desejo narcísico é insaciável, porque
pretende transfigurar a imperfeição do ser que sou, através da ilusória
radiância da imagem – mais que perfeita que quero ser e penso possuir. Esse
drama, conforme Pellegrino, ilustra as peripécias do narcisismo.
Além da abordagem psicanalítica em relação à sexualidade, a
neurocientista Dra. Suzana Herculano – Huzel – (UFRJ) afirma que a preferência
sexual não é opção. Para a neurociência, a orientação sexual é inata (não
aprendida) e determinada biologicamente, antes mesmo do nascimento.
A relação homossexual ou heterossexual é preferência e não opção. A
preferência não se escolhe: descobre-se. Interessar-se sexualmente por homens
ou mulheres é o que o cérebro faz automaticamente e pouco importa o que a
pessoa pensa. A opção é o que se faz com a preferência: assume-se e curte
publicamente, abafa ou esconde. Essa abordagem nova necessita, ainda, de
pesquisas cautelosas e criteriosas. É essencial salientar que sou psicólogo e
não pesquisador da sexualidade.
Com a nova legislação, casais homoafetivos passam a ser considerados
famílias, com direito à adoção de crianças, contudo o preconceito e as
agressões são ainda intensos.
O Conselho Federal de Psicologia despatologizou a relação homoafetiva: não
é distúrbio (doença). Abre-se, pois, espaço para a compreensão das diferenças.
À luz da psicanálise, nossas tensões e angústias não vêm do outro, daquele
que se diferencia de nós, mas daquilo que desconhecemos em nós mesmos. Para a
convivialidade social, é fundamental respeitar o direito e a singularidade do
outro.
Com efeito, a técnica de investigação psicológica criada por Freud
acrescentou dimensão nova para a ciências humanas. Na clínica, pela
interpretação, o psicoterapeuta ou psicanalista mostra quais forças destrutivas
ou construtivas movem seu cliente. “Desfazem-se os nós”, quando ocorre a
travessia da barreira entre o consciente e o inconsciente.
Muitos de nós ficamos presos ao passado que nos condena e ao futuro que
nos inquieta - alerta o psicanalista Pessanha. A psicanálise privilegia sempre
o presente.
Pelo prisma da psicanálise ou psicologia profunda, o traço
característico da psicologia humana é a interferência intensa e contínua dos
impulsos de amor, de um lado, e ódio do outro: “nosso bem-estar ou mal-estar
depende das forças destrutivas ou construtivas do inconsciente”; equilibrando-se
ou não, predominando com maior intensidade as forças construtivas ou destrutivas
haverá vida mais saudável, valorização pessoal, relação amorosa e de amizade gratificantes;
ou ideias persecutórias tendentes à autodestruição, à depressão, à agressão descontrolada,
à relação amorosa e de amizade conflitantes.
A relação intrapsíquica (subjetiva) e interpessoal (com os outros)
rege-se pelo jogo dos antagonismos: eros e tánatos - vida e morte - que nos
movem, a cada instante, em permanente entrelaçar-se, confundir-se e, outra vez,
juntos, porque é dessa simbiose (integração) que resulta a vida.
In Sêneca – filósofo - ter vida longa não é ter a cabeleira branca
semelhante à neve, tampouco ter as faces sulcadas pelas rugas; se o homem
dissipou seus dias, não viveu longo tempo, muito embora tenha existido longos
anos: “Vida é profundidade e não extensão”.
Antes do advento da psicanálise, inquieto e perplexo, o ser humano
acreditava que os mistérios de seu destino e as ameaças à sua estabilidade
provinham apenas do mundo externo e nunca da intimidade de seu ser.
À época de Freud, (início da psicanálise) as pessoas recorriam ao
tratamento psicanalítico, porque temiam realizar seus desejos. Hoje, a
psicanálise desperta muito interesse. Isso ocorre, não porque reprimem seus
desejos, mas por não saberem, efetivamente, o que desejam. Quando buscam a
psicoterapia, esperam que o profissional se converta em aliado confiável, para
que possam confidenciar-lhe seus mais íntimos segredos sem o receio de traição.
Desvela-se, assim, o perfil do ego maduro e livre: não autoritário,
integrado e seguro; predomina nele o equilíbrio, porque é capaz de manter-se
sob controle, de não se deixar levar pela desmotivação, de tolerar frustrações,
de não negar sua agressividade-combustível da ação - de portar-se serenamente
diante de pressões. Contudo, é imprescindível pensar.
Um conjunto harmônico de qualidades psíquicas herdadas e adquiridas
caracteriza esse perfil, tornando a pessoa original a sua forma de ser e agir.
Há décadas, psicólogo clínico trabalho em clínica particular. Atendo
adolescentes e adultos. Meu trabalho baseia-se na psicoterapia psicanalítica,
psicologia biodinâmica (massagem psicoterapêutica), e avaliação psicológica.
Ao longo desse tempo, percebo, na clínica, que as relações amorosas, por
diferença têm sido, às vezes, dramáticas. O amor obsessivo e a inveja
transtornam a vida da pessoa pela qual a que se tem fixação doentia em inferno.
Sendo a inveja o subproduto doentio da admiração destrói a pessoa invejada. Nem
sempre se percebe o transtorno, e a infelicidade impera. Sei que a temática é
muito complexa, mas é possível compreendê-la.
Geralmente, admiramos pessoas possuidoras de características físicas ou
psíquicas que valorizamos muito. O critério dessa escolha é sempre pessoal. Há
fascínio pelo conjunto harmônico de qualidades que tornam alguém original na
sua forma de ser e agir. Esse fascínio pode levar a dois modos de amar: por
diferença ou semelhança.
As pessoas que se sentem inferiores - e esse sentimento é mais acentuado
na adolescência - tendem a admirar outras que trazem consigo características
ideais, às vezes, inatingíveis (sempre do ponto de vista do(a) admirador(a)).
Assim sendo, o amor surge entre pessoas de temperamento diferente, havendo
recíproca admiração.
O humor - tendência situacional - é a disposição afetiva para a
introversão ou extroversão. O introvertido: reservado, pouco combativo, voltado
mais para a solidão e reflexão une-se ao extrovertido: participante, voltado
mais para os outros, de fácil adaptação, combativo, preferindo mais atividades
práticas.
Obviamente, os componentes de admiração podem desencadear relações
tensas, não só em decorrência, das diferenças de temperamento, mas também da
inveja recíproca. A insatisfação pessoal e a precária auto-avaliação, com forte
tendência a subestimar-se, despertam raiva e inquietação.
As pessoas que se sentem bem consigo mesmas e, consequentemente, mais
estáveis e maduras não se comportam opressivamente e envolvem-se em
relacionamento de intimidade mais intensa e harmoniosa, pois o vínculo é regido
por afinidades. O amor, por semelhança, é mais gratificante, porque não há, na
relação, os elementos desestabilizadores do vínculo: a inveja (é difícil
invejar pessoas com características semelhantes), e irritações que decorrem das
diferenças de temperamento. Sob a égide da estabilidade psíquica e das
afinidades, as relações de amizade tornam-se também harmoniosas e duradouras;
os amigos propiciam bem-estar e asseguram a saúde psíquica.
Em seu livro: Ser livre – que tive o privilégio de revisar – o
psiquiatra Flávio Gikovate (1943 – 2016) enfatiza que ser livre não é ser desta
ou daquela maneira; ser livre não é agir desta ou daquela forma. A liberdade é
a sensação íntima de alegria que deriva da coerência entre pensamento e
conduta.
Por esse prisma, a liberdade é um estado muito gratificante. As
afinidades e não as diferenças é que podem determinar ligações profundamente
gratificantes.
Renovar-se significa entregar à morte tudo o que é ultrapassado para que
o novo possa expandir-se com toda a liberdade. Desprender-se de coisas que, um
dia, foram boas e de ideias que foram relevantes, mas com o passar do tempo,
ficaram ultrapassadas, ou seja, ter ânimo para recomeçar, estar aberto para
escutar, aprender e buscar novos paradigmas.
Para a efetiva compreensão das diferenças e do lado sombrio das emoções
a ajuda psicológica é sempre bem-vinda para busca do bem-estar físico, psíquico
e social.
Profissional da psicologia discuti, sumariamente, com base na
psicanálise, diferenças e semelhanças no amor, sem desconsiderar a árdua vida diária
e o mundo atual, terrivelmente injusto, impiedoso, individualista e abalado
pela crise de valores e predadores sociais.
Referências
Jung. C. G.- Tipos
Psícolágicos- Zahar Editores - Rio de Janeiro, 1981.
Gikovate, F. - Falando
de Amor- MG. Editores Associados - São Paulo, 1976.
Pellegrino, H. - A
Burrice do Demônio – Rocco - Rio de Janeiro, 1989.
Boff. L. - Coragem para
Renovar in Rede - Ano XXI - nº 241 - Petrópolis, 2013.
Pessanha, A. L. S. - Além
do Divã - Casa do Psicólogo - São Paulo, 2001.
Revista - Mente Cérebro
- Ano XIX - nº 242 - São Paulo, 2013.
Green, A. - Psicanálise
Contemporrânea – Imago - Rio de Janeiro, 2001.
Melman, C. - A Família
está Acabando – Veja - São Paulo, 2008.