Cantam os Titãs! Tudo
o mesmo para você? Três palavras para a mesma ideia? Quando coisas diferentes
parecem iguais, é momento de considerar um exame de vista na alma e no coração.
Na alma porque é a essência que irradiamos a partir de nosso ser; no coração
pois é lá que mora nosso calor e saber (saber decor = saber de coração).
Necessidade é urgência, sem o que não é possível seguir. A
necessidade é vital, é fisiológica, é instintiva, é compromisso assumido e
inadiável. Todos os acordos evolutivos que fizemos como humanidade e que não
podemos dizer: mudei de ideia. Respirar, dormir, servir, sorrir, ser,
instâncias do inadiável e do inalienável.
Necessidade é
sacrifício (sacro ofício), e, portanto, ofício sagrado inerente à vida. A
necessidade, à semelhança da morte, é vital, e se não me faço claro, sugiro ler
a obra “As intermitências da morte” de Saramago.
O desejo é sempre
um risco. Um risco fora do contexto principal. Uma chance de algo acontecer
independente do plano inicial. Que plano? Aquele que a maioria de nós esquece e
que Platão no mito de Er nos lembra em sua República.
O desejo é toda
tentativa de no curso do caminho, fazer uma parada, uma escala, escapar ao
trajeto, pegar um atalho. Algo que não estava nos planos, algo que nos visita e
em alguns casos nos possui. Somos possuídos pelos desejos e não ao contrário!
Sim, pois desejos sempre nos tomam a partir de fora para dentro. Em outras
palavras, a partir de nossa realidade exterior em relação à realidade interior.
Não brotam do interior, senão daquilo que nos chega pelas janelas dos cinco
sentidos. Atenção às janelas é pressuposto para não ser possuído. Desejo é um
tempero no prato da vida e deve ser usado com moderação, afinal muito sal causa
hipertensão, muito óleo hipercolesterolemia e tudo em excesso pode desvitalizar.
Viver é vital e desvitalizar é ir contra a vida. Sobriedade não é moralidade.
Desejo ou
“desideris” em latim pode ser melhor compreendido se concomitantemente olharmos
para o termo considerar, cuja etimologia complementa a primeira. No primeiro
termo desideris (desejo), existe um afastamento das estrelas (sideral) e do
plano celeste segundo o qual a vida estaria supostamente desenhada, como um
convite, mas desenhada. Nesse caso, o desejo me afastaria das estrelas, ou
impediria a minha visão desse desenho planejado nas estrelas, desse destino
enquanto convite do alto, dos céus. Enfim, um afastamento do plano original traçado nas estrelas. Esse afastamento proporcionado pelo desejo é como uma
fuga do “plano original”, onde sou levado a buscar uma qualidade de satisfação
diferente da que me caberia caso estivesse em estado de serenidade, de paz
interior ou de conexão com as estrelas. Ou quem sabe ainda com a organização
celeste presente quando de minha primeira respiração, meu tema natal (mapa astrológico)?
Considerar complementa desejar por significar justamente pensar com as estrelas
(con - sideris).
No ocultismo se
diz que o humano atual é revestido por um corpo de desejos e uma mente. O corpo
de desejos é subordinado à mente da mesma forma que somos convidados a
subordinar o desejo à vontade ou a abrir mão de desiderar em favor de
considerar.
A vontade é o
atributo humano supremo. É a expressão humana mais sublime. É o exercício de
nosso próprio ser na matéria.
Quando uma pessoa
tem vontade fraca, ela é movida pelos seus desejos. Por isso alguns trabalham
por recompensa, por dinheiro, por reconhecimento. Trabalham ou vivem para
receber algo de fora que as realize. Já, os que se destinam ao exercício
pessoal da vontade, são menos reféns da necessidade de recompensas para
prosseguirem. O próprio exercício do ser e da expressão da vontade é o prêmio.
A sensação de viver se assemelha, nesse caso, a ser semelhante ao Sol, que silenciosamente
se consome para irradiar luz e calor.
Em suma, nosso
corpo “sideral” tem uma porção desiderio, que deseja sem levar em conta o céu e
as estrelas, e outra porção considerio, expressão da vontade, conceito
intimamente ligado ao céu e às estrelas. Estas partes podem ser compreendidas
como corpo de desejos e mente. Quem pensa com os desejos, deseja, é refém, quem
pensa a partir da mente exercita vontade, é ser emancipado. O exercício maior e
mais elevado da vontade é chegar amorosamente à conclusão de que devemos
servir, sempre e cada vez com mais vontade, como se fôssemos um sol em
formação.
E você, é um ser inclinado
à vontade, desejo ou necessidade? A vontade, a meu ver, deve sempre ser
temperada pelo desejo. Se o desejo tomar conta é porque chegou a hora de ler a
história contada por Goethe, “Fausto”, assistir a ópera Tannhäuser de Vagner ou
quem sabe ainda ler o conto de Tolstoi chamado: “De quanta terra o homem
precisa”.
Tudo isso apenas considerações pessoais de um
humano errante. Sinto a necessidade de me desculpar caso em algum momento tenha
soado rude. Meu desejo é participar.
Eu não ia escrever nada.
ResponderExcluirÀs vezes o calar é melhor, ou quem sabe, todas as vezes o calar é melhor, mas em meio à Hilda Hist: "Vê, Ricardo, se falo tanto do ser feito de terra
É porque o resto é paisagem."
Pareceu certo te dizer algo. Pareceu certo, sabe?
Não importa muito quem eu sou, essas são apenas palavras de um alguém para outro alguém.
Tem vezes que a vida aparece e fico pensando nela. E o que é a vida?
Um desejar incessante permeado com um "executar das tarefas diárias sem indagações*" e então o vislumbre de algo, algo que vai além das vontades e dos desejos, algo que é simplesmente.
E porque pra mim essa é a vida.
E porque eu quase perdi a minha por vontade própria.
E porque estou a deixar-me.
E porque gosto de poesia.
Deixo-lhe um simplesmente, um não, um é pouco; deixo-lhe dois, ou quem sabe três, pois estou muito inspirada.
"A vida- única possibilidade
para se cobrir de folhas,
tomar fôlego na areia,
voar com asas;
ser um cão
ou acariciar seu pelo quente;
diferenciar a dor
de tudo que não é ela;
imiscuir-se nos acontecimentos,
perder-se nas paisagens,
procurar o menor dentre os erros.
Ocasião excepcional
para lembrar por um momento
do que se falava
junto à lâmpada apagada;
e uma vez pelo menos
tropeçar numa pedra,
molhar-se em alguma chuva,
perder chaves na grama
e seguir com a vista uma fagulha no vento;
e incessantemente não saber
algo de importante." Wislawa Szymborska
"Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda vida é sonho
e os sonhos, sonhos são." Calderón de la Barca
"É preciso que se saiba. Que a vida é curta. A vida é curta." Clarice Lispector
Clarice sabia das coisas, vê?
Beijos
* Ver poema Desatenção da Wislawa
Assim sendo!
ExcluirCurtamos a curta, mas acima de tudo, na medida do possível não a encurtemos sem saber.
Beijos
Lindo ler essa dança de belas palavras.
ResponderExcluirLindo ver o belo da vida, do três o que faz cintilar os olhos.
De um anônimo amador das palavras sem talentos ou requinte. Admirado da beleza que tão lindamente esse diálogo reflete.
Parabéns aos poetas.
Clarisse estava certa, e se curta é está vida, que façamos valer a pena então.
Não necessitamos de muito.Basta abrir mão dos desejos e das vontades, mesquinhas e sermos apenas luz.
Gratidão, querido Ricardo.
Olá Ricardo,
ResponderExcluirJá que você tocou nesse assunto, gostaria que você me falasse melhor sobre o instinto sexual. Ele nos é vital. É parte de uma necessidade ou desejo? Como podemos nos relacionar com ele, segundo as suas considerações?
Obrigada
Lais
Oi Lais!
ExcluirO Freud, psiquiatra usuário de tabaco e apreciador de cocaína, falou bastante sobre esse tema e como os desiderios operam nesse campo do sexo, assim sendo, ninguém melhor que ele para descrever minúcias dessa instintividade. A autoridade dele está grandemente vinculada ao seu próprio compromisso existencial - como você sabe: Sol em Touro, Ascendente Escorpião, Lua em Gêmeos na casa 8 (sexualidade) em aproximação de Saturno em Gêmeos na mesma casa.
Para a maioria de nossos irmãos humanos a dinâmica sexual é objeto de necessidade e desejo, uma observação que cada um pode fazer em uma conversa rápida ou assistindo ao rico espetáculo que a mídia oferece em todas as variações possíveis. Quanto menos preconceituoso e objetivo for nosso olhar mais rápido compreenderemos o estado das coisas.
Tudo o que é instintivo está profundamente arraigado, enraizado, fundamentado, radicalizado e se vincula à necessidade e ao desejo, respondendo a você. Observe os fundamentalismos mais diversos e sobre o que se inspiram, sobre o que propõem, sobre como pensam a sexualidade.
A questão, no entanto, é elaborarmos se a sexualidade é assunto absolutamente instintivo ou se pode em algum aspecto estar vinculada ao exercício volitivo ou da vontade.
Eu particularmente acredito que a sexualidade, este aspecto de nosso ser, opera nos três níveis desse artigo - desejo, necessidade e vontade. E que precisamos nos esmerar um pouco mais na compreensão do que é ser um criador assim como no que diz respeito a responsabilizar-se pela criação. Enquanto continuamos a nos comportar apenas como criaturas (filhos da explosão ou do acaso) tendemos a nos tornar reféns do instinto e dos desejos; ao despertar para nossa dimensão criadora, saberemos como direcionar o poder volitivo exatamente para aquilo que precisamos fazer. Deixar de ser refém do prazer, não inimigo, apenas deixar de ser refém, permite o melhor direcionamento de recursos pessoais em favor da realização da vida com sentido. As carências, vícios e dependências pessoais são desestabilizadores do humano. Não há mal, senão bem em formação; mas ao sufocar o bem em formação, aberrações podem ocorrer.
Se me permite, no filme K-PAX o personagem PROT (Kevin Spacey) trata a questão da sexualidade de forma bastante curiosa, confira quando puder.
Há muito tempo temos considerado a sexualidade como a porta de entrada pra
o atual estado das coisas. Consideremos, apenas por um instante, a sexualidade como a principal porta de saída para o atual estado das coisas. Instinto e Desejo são as chaves para a porta de entrada; Vontade a chave da outra porta. Ainda que a porta seja a mesma!!!
Consideremos, mas não impeçamos nossos pares de desiderarem.
Eu que agradeço!
Muito bom ensaio e bem alicerçado nos Ensinamentos.
ResponderExcluirGostaria apenas de contrapor alguns pontos, porque há dois aspectos a considerar, que fazem com que saiamos às vezes do caminho traçado pelas estrelas: o livre arbítrio e o fato de todo o fato aparente mau poder ter um lado bom.
Um bom exemplo é o caminho do aspirante à Iniciação, que decide, por Sua Vontade, tomar as rédeas do Destino em sua mãos. Cria sua Epigênese. Claro que tem ajuda, mas sai da espiral para tomar o Céu de assalto por meio de um atalho. Por outro lado, à medida que progride no caminho, passa a ter como supremo objetivo cumprir a Vontade do Pai. Os que cometem pecado e se arrependem verdadeiramente, passam a ter também muito mais firmeza em não cometê-lo mais. Conquistam a virtude da forma mais dura e sofrida. E há também o conceito do desejo bom, que reside nas regiões superiores do Mundo do Desejo, incluindo a filantropia, o altruísmo e todas as manifestações da arte, que nos ajudam a evoluir. Normalmente nos referimos ao desejo como aquele mais relacionado às regiões inferiores do Mundo do Desejo, que é o que predomina em nossa fase atual de desenvolvimento. Mas, como toda a moeda tem duas faces, existe o bom desejo a ser cultivado.
Obrigado pelo envio de material tão rico.
Fraternalmente,
Roberto