Noite fria,
comendo pizza com amigos. Éramos três, papo bom, papo cabeça. Noite viva, noite
feliz!
Finda a pizza
notei haviam sobrado dois pedaços! Com esse frio, talvez alguém na rua possa se
beneficiar. Vou pedir para embrulhar. Que bom, não aprecio desperdício, vou
otimizar.
Já na rua, frio,
bem frio, quase ninguém à vista. Será possível? Ninguém?
Os amigos se
afastaram, foram na frente conversando. Eu disse já vou, vão indo! Fiquei só,
procurando.... Ninguém!! Espera! Tem alguém lá embaixo; rua da Consolação,
frente ao cemitério, do outro lado da rua, do outro lado da vida; cachorro ao
lado; revirando o lixo; pés descalços; roupa rasgada. Deve estar com fome. Eu,
eu, eu, eu, esse cara que acha poder fazer diferença, que acha poder ajudar
alguém, que acha que pode alguma coisa! Quanta pretensão.
A vida é assim,
surpreende onde se menos espera. E foi assim, me surpreendeu...
– Moço, trouxe
esse pedaço de pizza para você.
Parou, soltou o
lixo, me olhou, ainda de joelhos, e disse sereno:
– Não vai faltar para você?
Suficiente para gerar em mim a sensação de um raio atravessando as
solas dos meus pés e arrepiar meus cabelos como se algo me puxasse forte em
direção ao alto. O que acontecera?
No descuido de achar poder ser útil, ajudar, amaciar o próprio ego
no calor da boa ação a quem não teria absolutamente como retribuir, fui
desmascarado frente a Deus me transpassando no olhar e nas palavras de quem até
então se manifestava aos olhos como um desgraçado.
Às vezes, sempre, só alguém profundamente desgraçado e amoroso para
nos mostrar com tanta clareza o estado desgraçado que nos encontramos.
Compreendemos a desgraça na medida em que a mesma nos assola. Entendo mal a
desgraça, na medida em que a atitude do outro me consola. Ser assolado ou
consolado, o que você preferiria nesse instante meu amigo?
Eu, naquele instante, Rua da Consolação, fui assolado pelo estado
miserável em que me encontrava. Consolado na luz divina que se irradiara na
experiência de comunhão com Deus de pés descalços no chão, ajoelhado e me
perguntando: não vai faltar a você?
Claro que vai! Já faltou! Faltou o chão, faltou tato, faltou
fôlego, mas antes de tudo faltou o mais importante; respeito. Respeito ao
espaço alheio, respeito ao outro ser, respeito ao Tu que me referencia enquanto
Eu. Enfim, me senti como talvez o político brasileiro, um ser repugnante; como
talvez ainda a barata da metamorfose de Kafka. Sobre políticos, esclareço a
propósito, com todo respeito, me refiro apenas aos eleitos; os candidatos
pretendentes considero muito pudicos, ressalva seja feita! Pena nunca se
elegerem. Coincidências mórbidas...
Amigo, acredite, não é fácil encontrar com a abundância na casa da
penúria. O contrário é mais comum. O que acha?
Mas, não dava mais tempo, passado e futuro haviam colapsado e me
algemado àquele momento de eternidade. Então aquilo era o presente?! Que
presente!
O que acontecera, pensava enquanto voltava aos amigos de pizza.
Milagre, mil lágrimas, era só o que me cabia. Sim, mais que isso talvez. Mas
lágrimas de que? Alegria, vergonha? Não importa, senão que lavavam meu ser,
tornando-o um pouco mais reverente ao outro, meu próximo. Meu próximo que julgo
precisar de mim, mas sem o qual não sou ninguém, não tenho sentido.
As situações de êxtase são boas por isso, devolvem o sentido,
organizam o sentir e orientam o perdido. E olha que meu sobrenome é Leme
hein!?!
Lamentável Leme, você esqueceu! Esqueceu de pedir licença e
perguntar se poderia oferecer algo a seu irmão, a seu igual, a seu maior! Sim,
e o preço foi alto, altíssimo, levou um choque e recebeu em si instantaneamente
todo o ser daquele que pensou pudesse ajudar. Foi ajudado! Ajudado a ser menos
cego, pela luz invisível daquele que de nada carece pois está em paz. Que a paz
esteja com você meu amigo desconhecido. Essa paz que é inteireza e que você me
recordou com maestria.
Paz não é de fato ausência de guerra, senão inteireza em meio à
guerra da vida que pode sim afetar nosso Ter, mas que não pode nada quanto ao
Ser daquele que alcançou a compreensão do mistério sagrado do encontro do Eu
com o Tu.
De fato, antes daquele, eu tinha passado por encontros mais
adaptados a meu nível. Por exemplo aquele do cara ajoelhado no metrô com as
mãos cheias de moedas e quando eu pus mais uma ele lançou tudo ao chão
espalhando todas; e também aquele que para mim foi a cereja do bolo: o amigo
que pedia no farol e que ao abaixar o vidro e lhe oferecer uma bala, me sugeriu
que a colocasse entre as pernas na região terminal do intestino. Talvez não fossem essas as palavras, não me lembro bem, mas era algo assim.
Por essas e outras muitas que ainda se saberão é que aprendi a
pedir licença e perguntar se posso ser útil de algum modo antes de achar que
tenho a chave e a solução para o que o
outro precisa.
E você amigo? Sabe do que seu próximo espera ou precisa de você?
Oi, amigo,
ResponderExcluirDifícil, né?
Na cultura a qual fomos formatados, em nossa precaríssima civilização, a não entender essa coisa tão óbvia que seria nada mais, do que o princípio da igualdade, não de classes, mas do SER, é
"Elementar, meu caro Watson!" que isso aconteça. Ele te viu como um igual. (Grande filósofo!).
Somos iguais, na essência, humana. O que nos diferencia, creio ser, apenas o TER, E, esse supõe nos outorgar um poder superior sobre o outro.
Queiramos ou não, eu sou você, e, você é eu.
Dói pra você. Dói pra mim... e como!
Mas, para a maioria, é apenas encarado com a maior desfaçatez,
Meu caro Ricardo, bom saber que os teus olhos tem uma profundidade muito além da cor que os evidencia.
Grande beijo
modesta
Isso mesmo Professora Modesta!
ExcluirQuestão de formatação. Muito curioso o efeito colateral vivenciado.
Vamos em frente e que a vida cotinue a nos ensinar.
Beijo Grande!
já tive umas dessas e imagino que dói como uma pinçada de carangueijo na pele, requerendo coragem descomunal pra relatar isso publicamente e assinar o relato
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