POR: MÁRIO INGLESI
Continuação
de:
Dr. Ricardo
Criar nos eleva ao reino
dos Deuses e seu infinito, nos dando a tão desejada imortalidade.
Portanto, envidemos todas
as nossas forças, no esforço comum de abrir nossa loja de curiosidades, no afã
de marcar a magnificência de nossas vidas, eternizando com muitos e muitos traços
de humanidade nossa passagem por esse planeta Terra, através da arte, cuja
beleza cultiva e faz brilhar nossas mentes, no enfrentamento da realidade parca
e mesquinha em que vivemos.
Eia, pois, a postos e
avante: - se quiserem, lógico! - alçar essa benfazeja bandeira cujo lema que se
cumpre concretizar ilimitadamente, é o da criação, em todas as suas vertentes e
direções, para tornar – quem sabe, o mundo melhor e cada vez mais habitável,
cercado de beleza infinda, mesmo quando trata de feiuras diversas, mas de
espantosa grandiosidade para todos nós humanos, uma vez que se trata de nós
para nós, em toda a sua plenitude, e sob os mais diversos ângulos, artísticos,
antigos, contemporâneos, e ainda a advirem com o passar e espraiar do tempo, sobre
nós e as gerações futuras.
Para tanto, é preciso
lembrar que nós, indivíduos, somos irrepetíveis, a menos que num futuro – quem
sabe -, sejamos clonados, o que, no momento à mesa, não se toca nesse assunto,
tal o desconforto proibitivo.
Assim, nada melhor e mais
indicado para firmarmos a nossa presença e, quiçá, a nossa eternidade terrena,
do que deixar uma marca insólita e definitiva de nossa presença neste planeta,
através de uma criação que nos faça merecedor, tal como, exemplar, a marca da Dra.
Nise da Silveira, que rompeu os métodos com os quais os esquizofrênicos eram
expostos e tratados, através, - imaginem! do emprego adjutório de alguns
cavaletes e tubos de tinta e pincéis.
Afinal, talvez como ela,
sua vontade e perspicácia, tivesse tido, em última instância sob alerta
contumaz a primeira estrofe do poema “A morte a cavalo”, De Drummond:
“A cavalo de galope
a cavalo de galope
a cavalo de galope
lá vem a morte chegando”
Ela, como tantos e tantos
outros, não se abalou com tal provocação, seus intentos eram inabaláveis e
profundos, não se deixou se imiscuir por medos, frustrações e, com isso,
enclausurar-se em si mesma. Pelo contrário, procurou, sem dúvida, aplacar o
galopar desenfreado da praga da morte, para num ato de amor, confiança e
desprendimento, impregnar-se de trabalho árduo, fruto de perseverança e muito
estudo, para alçar seus voos de proficiência, sem dar azo a qualquer pretensão
de obter valorização, ganhar dinheiro ou alçar-se ao panteão da glória com o
atendimento das regras mercadológicas.
O que pretendeu –
sirva-se de exemplo – foi apenas dar vazão aos seus sonhos, empreender voos,
até então, inatingíveis, e com tudo isso, aliada à perseverança e objetivos
certeiros, procriar abertura de novas frentes para o alçar humano, de seus
males, os mais profundos, como todo bom e digno criador, sempre deve fazê-lo
através da criação, da beleza de novas formas e de novos alentos em favor de um
renascer humano sempre mais digno e consciente.
Esse impulso criador, no
homem, prende-se talvez à vontade de poder eternizar-se, aqui na terra,
driblando a morte, através da superação dos seus valores negativos, fincando
neste planeta, a marca registrada de sua humanidade, reinventando a si e a sua
existência, em toda a sua plenitude.
Caso isso não se fizer,
recorra a Pedro Nava, (05,06.1903- 13.05- 1984) e peça, em sua condição de
“Defunto”:
“Meus amigos, tenham pena - senão do morto – ao menos dos dois sapatos
do morto. Olhem bem para eles. E para os vossos também!”
“Dá pena, mas dá raiva
também!” Criar e tecer toda uma elegia amorosa, erótica mitológica como a
“Elegia: indo para o leito” de John Donne, (1572-1631), na versão do poeta
Augusto de Campos:
“Entrega-te ao torpor que
se derrama
De ti a mim, dizendo”:
hora da cama”
E poder clamar, como no
poema amantíssimo “Serei Árvore”, do poeta húngaro Sándor Petofi (1823-1849):
“Se, querida, tu és o
paraíso,
Em estrela hei de me
transformar,
Se querida, tu és o
inferno,
Para nos unirmos, eu me
danarei.”
Ah, caros e ilustres
criaturas/criadores, realmente criar – ah criar! - é alçar-nos as alturas, usar
de toda a liberdade de pensar e de se expressar, é, sonhar, elevar-se aos céus,
enfim, é , tudo isso, de per si ou não, sem tirar os pés da Terra e nela
eternizar-se, com suas obras, cujo deslumbre e usufruto, por nós outros -
pobres mortais, - nos faz viver, sobreviver de maneira sobremodo condigna e
prazerosa, inclusive no enfrentamento dos azares desse mundo insano.
Essa situação decorre da
invocação de adjetivos que derivam do maravilhoso ainda que haja muitas vezes,
um certo estranhamento, em razão do inusitado das obras, cuja contemplação
atinge graus de maravilhoso encantamento, sob o olhar de penetrante argúcia e
reflexão, na construção do verdadeiro e único “Éden Terrestre, onde a inteligência
se alia a fatores dos mais diversos na construção da ciência e da arte, ou na
sua conjunção de ambas, no ato criador e sua realização, em prol do ser humano
e seu status Terreno.
No que se refere
especificamente ao Brasil, o ato criador, desmistifica e, possivelmente,
exorciza a visão de exotismo, de pré-conceitos que envolvem o nosso fazer,
perfilando, isto sim, um desafio que nos acompanha como povo das Américas, num
caldeirão alquímico de influências, mas com a conotação sempre presente da identidade
e individualidade do autor da sua língua e do seu lugar de origem. Isto, porque
tal ato está subjugado nas entranhas do século, em suas mazelas e na sua face horrendamente
doentia da sua realidade, ainda que sinais de entretenimento, beleza e de
pertencer ao mundo – vasto mundo - possam aflorar para melhor definir todo
arcabouço labiríntico do ato criativo e sua apresentação ou representação.
No intuito de se lhes
oferecer exemplificação, basta vagar no ato criador de Machado de Assis
(21.6.1839-29.9.1908)- sobre o “amor” que transcende a própria morte:
“Querida! Aos pés do
leito derradeiro,
em que descansas dessa
longa vida,
aqui venho e virei, pobre
querida,
trazer-te o coração do
companheiro
Machado de Assis, em seu
poema “Carolina,”
Bem, assim, a criação
crepuscular, de profunda reflexão, alicerçada por Guimarães Rosa
(27.06.1908-19.11.1967) sobre a vida e seu correr:
“O correr da vida
embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa sossega
e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem…”
E, para findar esse
vagar, de divagações sobre o mesmo tema, as palavras doces e ternas do poeta
Vinícius de Moraes (1913-1989) in “Do Amor à Pátria”:
“São doces os caminhos
que levam de volta à pátria. Não à pátria amada de verdes mares bravios, a
mirar em berço esplêndido o esplendor do Cruzeiro do Sul; mas a outra mais íntima,
pacífica e habitual – em cuja terra se comeu em criança, onde se foi menino
ansioso por crescer, uma onde cresceu em sofrimentos e esperanças planando
canções, amores e filhos ao sabor das estações”.
Não sem antes, tomar a
liberdade de acrescentar, ainda, um fragmento do poema “Canto ao Homem do Povo
Charlie Chaplin”, de Carlos Drummond de Andrade, para ainda ilustrar o ato
criador e seu poder de reflexão e beleza:
“Dignidade da boca,
aberta em ira justa e amor profundo,
crispação do ser humano,
árvore irritada, contra a miséria e fúria
dos ditadores,
ó Carlito, meu e nosso
amigo, teus sapatos e teu bigode caminham
numa estrada de pó e
esperança”
De tudo que foi aqui
exposto, ficaram de fora, toda uma criação, cuja beleza e atrevimento, exposição
de sentimentos e adequação a um viver mais equânime de felicidade e bom senso,
pois, o ser humano em sua diversidade de criação, desde os tempos mais remotos,
não se fez de rogado em promover, desde, que em ereção seus pés se fincaram no
planeta terra, e suas mãos começaram a moldar objetos, a partir do cinzel como uma
árvore em florescência, toda a sua gama de sua infinita criatividade floresceu,
se expandiu e sofisticou-se, em escolas que, pelo mundo da arte houveram por
bem diagnosticar, em profusão com nomes os mais diversificados tendo por
finalidade, diagnosticar períodos, caraterísticas, formas, e conteúdos, sempre
com o fito maior de enfatizar suas raízes e métodos e, engrandecer com loas,
críticas, e ensaios, os autores e suas obras., fazendo-os explicar e entender a
si e aos outros em seus sentidos mais amplos e profundos de humanidade, extensiva
e reflexiva, não como uma imagem enganosa do espelho, e, muito menos como um
“Prometeu” moderno acorrentado, mas como imagem, verdadeira, talvez até cruel do
que somos ou nos apresentamos, na obscuridade de nosso íntimo, - consciente e
inconsciente -, quando nos travestimos, por exemplo, de “Medéia”, ao nos depararmos
com problemas mais profundos e árduos do nosso universo pessoal ou social.
Enfim, para se criar não
é preciso hora marcada, nem dia certo, mas, isto sim, vontade, e trabalho,
muito trabalho, aliado obviamente à perseverança e insistência no que realmente
quer produzir, sem objetivos outros que não sejam produzir, elevando-se com
isso à categoria pura e simples de autor, sem priorizar antecipadamente,
reconhecimento, notoriedade, ganhos de fortunas e comercialização imediata,
pois tal atitude lhe retirará, de imediato a aura de criador-artista, restando
à obra apenas o olhar fortuito de amigos e conhecidos, porém isento de qualquer
ato reflexivo, de estranhamento, de encantamento, ou de beleza, ainda que
imediatista, retirando, portanto, da obra, seu valor intrínseco de arte e do
autor o cognome de “artista”.
No tecer dessa imensa
rede que envolve a criação e seu criador, o homem alçou-se a alturas
inimagináveis de sonhos realizados e ainda, a realizar em futuros próximos ou
distantes, dando assim asas a sua imaginação com inteligência, conhecimento e
compreensão de si e do social, em prol de uma vida saudável, mais aprazível,
com vias mais fáceis de poder transitar em seu dia a dia, no trato diário de
seus afazeres e trabalhos, procrastinando os azares que seus males íntimos
venham à tona em detrimento de si e dos outros.
Em tudo aqui exposto,
está implícito, sem nenhum favor ou pena, gente que vive “nos atalhos
esquisitos e estreitos e escamosos do roçado do Bom Deus”: gente das “quebradas
do mundaréu” como dizia o dramaturgo Plínio Marcos (1935-1999), pois – quer
queiramos ou não - eles se apresentam como o carro chefe , ou seja, o motor da
história.
Mário Inglesi
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