Por: Bel Cesar - Terapeuta. Dedica-se ao atendimento de pacientes que enfrentam o processo da morte.
Aqueles que testemunharam o
processo de uma morte e se deixaram tocar pelos poderosos efeitos dessa
experiência buscaram ampliar a sua visão de mundo. Assistir alguém morrendo
torna-nos conscientes de nossos limites humanos e leva-nos a ser mais realistas
e menos pretensiosos quanto às nossas possibilidades. Assim como, podemos
encarar a morte de maneira positiva, independentemente deste processo ser
sofrido ou não.
Ignorância quanto às provas
científicas e depoimentos inspiradores que endossam o fato de que a morte é uma
transição para outra realidade e não um fim.
Acreditamos que vamos morrer, mas
não sabemos que vamos morrer. Acreditar é uma função mental, uma parte
de nós. Mas saber algo envolve todo o nosso ser enquanto seres
pensantes, sensíveis e intuitivos. Estamos estancados na crença da ideia de
morte como aniquilação.
Nuland escreve em “Como
morremos”: “Nenhum de nós parece psicologicamente apto a lidar com o
pensamento de nosso estado de morte, com a ideia de uma inconsciência
permanente em que não existe vazio nem vácuo - e simplesmente não existe nada.
Isso parece tão diferente do nada que precede a vida”.
Como não é natural pensar em algo
que não tenha continuidade, não damos sustentação à ideia de não sermos nada. A
certeza de uma continuidade após a morte nos ajuda a lidar com o niilismo de
nossa cultura materialista, em que o abstrato e o invisível não são reconhecidos
como verdadeiros e possíveis. No entanto, não devemos cair no extremo de querer
deixar a morte “leve” demais, buscando uma visão poética na qual também
estaremos escondendo nosso medo de encará-la.
Associamos a ideia de estarmos
vivos à nossa capacidade de nos mantermos em movimento. Portanto, temos a
tendência a concluir que onde houver movimento, haverá continuidade. Por isso,
quando nos deparamos frente à paralisação do corpo devido à morte,
imediatamente concluímos que o processo de continuidade da mente também tenha
sido interrompido. Mas tanto as tradições religiosas mais antigas e assim como
as recentes pesquisas da metafísica reconhecem que o homem é um ser
transcendental.
Jean-Pierre Bayard escreve em
“Sentido oculto dos ritos mortuários” (Ed. Paulus): “A maioria das
civilizações antigas presta cultos aos antepassados. Seu pensamento é que a
pessoa que morreu continua a viver em outra sociedade, sensivelmente da mesma
forma que em sua existência terrestre, com alegrias e sofrimentos comparáveis”.
Como em nossa sociedade de
consumo os rituais fúnebres são cada vez menos praticados, nós nos distanciamos
das práticas que nos levavam a reconhecer a nossa natureza transcendental: quem
somos além da matéria física e aparente. Precisamos aprender a ver além das
aparências imediatas. Temos que reconhecer a existência dos níveis sutis da
realidade, que não são concretos ou mensuráveis.
A física quântica esclareceu que
a energia apresenta uma propriedade fundamental: jamais se esgota. Isto é, a
energia não se extingue, transforma-se em outra uma forma de energia.
Quando Einstein formulou E=mc²
(A energia é igual à massa vezes o quadrado da velocidade da luz), trouxe a
ideia da equivalência entre massa e energia, que podem transformar-se uma na outra,
sendo que a densidade da massa - mais ou menos sutil - está relacionada com a
velocidade de deslocamento. Desta forma, podemos compreender que quando falamos
de “corpo sutil”, podemos estar falando de um estado energético onde a massa
desse corpo desloca-se com muito mais velocidade.
A matéria é energia condensada,
ou seja, essa energia pode se apresentar em diferentes estados de concentração,
dependendo do quanto as partículas ou moléculas estão coesas. Assim, quando
temos um estado energético em que as moléculas estão muito coesas, temos uma
matéria mais densa ou cristalizada, como nosso corpo físico. Quando as
moléculas de energia estão menos coesas, temos o corpo sutil.
Enquanto não ampliarmos a ideia
de quem somos, teremos dificuldade de compreender que não somos apenas uma
mente pensante!
Podemos observar a continuidade
dos ciclos na natureza: quando um quando cai no chão, apodrece, e de sua
semente uma nova árvore irá nascer. Ao olharmos para uma semente, reconhecemos
o seu potencial de se tornar árvore, mesmo não podendo ainda ver essa árvore.
Então, apesar de não podermos assistir o que ocorre entre a morte e o
nascimento, podemos reconhecer que, sendo seres naturais, também somos
cíclicos!
Atribuir valor à continuidade é
uma virtude que independe de crenças sobre a reencarnação. Acreditar ou não em
reencarnação é o resultado de uma experiência pessoal. No entanto, vivermos em
função da continuidade torna-nos mais responsáveis pelas consequências de
nossos atos. Deixar um mundo menos poluído para aqueles que nele permanecem
quando nós não estivermos mais presentes é um exemplo desta consciência.
Em vida, resgatamos paz interior,
dignidade e bem estar cada vez que aprendemos a optar pelo que nos parece
melhor, tanto para nós quanto para os outros.
A ideia de optar por nosso modo
de vida já nos exige constante dedicação ao contínuo processo de
autoconsciência e compaixão. Por isso, temos que parar para refletir sobre a
seguinte pergunta: o que significa optar pelo nosso modo de morrer?
Optar é um termo que indica uma
escolha consciente. Escolher é uma forma de controle que nos traz uma sensação
de segurança, de que podemos nos oferecer o que consideramos melhor. Mas, como
podemos escolher se tanto a vida como a morte são processos incertos, portanto
incontroláveis?
Não podemos escolher nem
controlar os fatos que irão ocorrer em nossa vida e muito menos no momento de
nossa morte, mas podemos, sim, escolher - e desta forma controlar, por meio do
autoconhecimento e do desenvolvimento da autoconfiança, o modo como iremos
reagir perante eles.
Morremos como vivemos: com nossos
hábitos mentais, impulsos que podem ser transformados. Podemos escolher
cuidarmos de nós mesmos. Podemos educar nossa mente a seguir positivamente,
isto é, a reagir positivamente às adversidades. Podemos treinar a mente a
atravessar as dificuldades em vez de negá-las ou de criar uma aversão por elas.
Aquele que lida diretamente com
suas dificuldades sabe seguir em frente sem se deixar prender por aquilo que
deixou para trás.
Aquele que quiser se preparar em
vida para o momento de sua morte buscará eliminar seus hábitos mentais
negativos, que o impedem de relaxar na sua natureza de confiança incondicional.
Como diz o mestre budista tibetano Lama Gangchen Rimpoche: “Se você estiver
numa situação negativa no momento de sua morte, deve recordar-se que a
negatividade não traz nada. Por isso, volte a atenção para sua concentração
interna e para sua autoconfiança”.
Acredito que essa seja uma tarefa
para uma vida inteira. Mas enquanto buscarmos a felicidade nas condições
externas estaremos lutando para controlar o mundo à nossa volta. Não queremos
admitir que essa luta seja inútil, porque não admitimos que estamos
continuamente sujeitos aos nossos condicionamentos internos.
Não queremos sentir a
vulnerabilidade e a confusão de nosso mundo interno. A subjetividade gera
dúvidas. Então, buscamos ser objetivos lidando somente com os fatos do mundo
externo. É correto buscar a objetividade, mas o que não podemos fazer é nos
afastarmos de nosso interior.
A base de nossa visão externa
está em nosso mundo interno. Toda vez que negamos nosso mundo interno estamos
nos afastando de nós mesmos e, portanto, também dos outros à nossa volta. Como consequência
passamos a nos sentir isolados, sem motivação, desconectados dos fatos
externos. Emoções difíceis como vergonha, culpa e ressentimento contaminam
nossos pensamentos, palavras e ações, que, por sua vez contaminam nossa
realidade externa.
Se nos sentimos isolados em vida,
o que dizer da sensação de isolamento que sentiremos quando estivermos
enfrentando a morte?
Em vida disfarçamos essa angústia
da solidão em atividades cotidianas, em nossos vícios e manias. Mas diante da
morte não podemos nos locomover. Não podemos mais buscar alívio para a mente
nos prazeres físicos. Temos que encarar a nós mesmos!
O mundo externo é uma projeção
coletiva do mundo interno de cada um. As condições físicas e emocionais
daqueles que estão morrendo são tão precárias quanto o contato interno que
temos com o tema da morte. Precisamos, com urgência, acolher nossa
vulnerabilidade frente à morte. Falar sobre ela. Assim, juntos, poderemos
desenvolver uma consciência coletiva mais preparada para lidar com as
necessidades físicas, emocionais e espirituais daqueles que estão frente à
morte.
Ao superarmos o preconceito de
falar sobre a morte, atenderemos às nossas necessidades ainda não vistas e
consideradas pelo mundo externo. No entanto, só seremos capazes de incluir a
morte em nossas vidas quando admitirmos com honestidade onde estamos e para
onde queremos ir.
Em geral temos a tendência de
reagir com impaciência, irritação e agressividade quando pensamos naquilo em
que não queremos pensar. E quando se trata de pensar sobre a nossa própria
morte ou a de outra pessoa, essa tendência aumenta ainda mais. Então, vamos
encontrar um meio delicado e ao mesmo tempo direto para sondar este tema que
desperta áreas obscuras e preconceituosas tanto em nossa cultura como em nosso
mundo interno. Vamos falar de coração para coração. Sem preconceitos. Não há
nada de errado em morrer quando as causas e condições amadurecem.
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