Por Dra. Ana Cristina Guimarães, médica.
Durante o mês de
fevereiro, pré-carnaval, com o consultório mais tranquilo, estive lendo um
livro que me chamou a atenção, a ponto de desejar repassar alguns conceitos
para meus amigos e colegas. Seu nome é “Vidas para Consumo”, o autor Zygmunt
Bauman. Nele, nossa sociedade e modo de viver são discutidos de uma maneira tão
realista e transparente que nos causa até uma sensação de angústia e nos faz
reavaliar alguns atos que realizamos no dia a dia, sem muitas vezes pensar
sobre as consequências.
Na sociedade atual,
sociedade consumista como o autor chama, nós não vivemos mais para produzir
(trabalhar) e sim para consumir. Vivemos para satisfazer nossas necessidades,
cada vez mais crescentes e mais caras, sob o impulso de adquirir e juntar.
Nosso trabalho é somente uma ponte para podermos comprar coisas, com a
consequente diminuição do orgulho do que somos e fazemos.
Para aqueles que acham
que isso é um exagero, notem... Em poucos anos os imóveis subiram cinco vezes
ou mais (um apartamento de 160m2 está 1.600.000 reais na planta! E
pensem rápido porque já é um dos últimos...).
Um carro não é mais um
fusquinha... Tem que ser um BMW ou Land Rover mesmo que pago em 100
prestações... E do ano! Uma amiga entrou no meu carro que já tem três anos e
fez cara de nojo, - você não vai trocar?!!
A bolsa tem que ser Louis
Vitton, a calça Seven, o óculos Gucci, o relógio sei lá qual e com certeza já
estou defasada porque estes já não são mais a Última Moda.
E aí entra outro ponto
importante! Da mesma maneira que compramos temos que nos livrar dos objetos
rapidamente, para podermos comprar outros da Última Moda. Nunca estaremos
satisfeitos com o que já temos, pois o Mercado sempre pede novidades. Logo,
estamos sempre insatisfeitos, sempre buscando mais... Quero trocar meu carro,
minha casa precisa ser maior, meus móveis já estão velhos etc.
É a cultura da
insatisfação, da infelicidade! Estimulada por todos os meios de comunicação,
novelas, jornais e revistas. É impossível abrir um simples jornal sem que
sejamos bombardeados por anúncios gigantescos de apartamentos e carros.
Muitos enquanto leem isto
devem estar pensando: e daí, eu quero e eu posso comprar, qual o problema?
Quero ter o melhor ou quero dar o melhor para meu filho, esposa...
O problema é que cada vez
mais, se não pensarmos no assunto, vamos ter que trabalhar mais – mais rápido,
mais horas e com menos qualidade- para mantermos esta roda de consumo que esta
cada vez mais cara e veloz. E se trabalhamos muito e consumirmos muito também
pensamos menos, aceitamos uma qualidade de vida menor, não ficamos com a
família, não vemos os filhos crescerem, não fazemos amigos, enfim, abdicamos de
tudo o que realmente importa para ser feliz.
Outro problema- as
pessoas também estão se transformando em objetos de consumo. Quantas vezes
ouvimos dos amigos ou pacientes – meu Médico é o Fulano de tal, aquele que
aparece nas revistas! Especialmente na dermatologia, o médico tem que ter uma
marca e um nome, para que os pacientes contem nas rodinhas que ele frequenta
Aquela Dermatologista Famosa!
E também nós médicos
fazemos a mesma coisa com nossos pacientes, quando atendemos de 10 em 10
minutos , o próximo e rápido, por favor... Muitos entram na sala sem saber o
nosso nome e também não sabemos o nome deles. Objetos, números de carteirinhas
de convênios...
Outro dia, ouvi que nós
médicos somos substituíveis. Dormi vários dias com isso na mente. Como posso
não ser substituível? Como posso agir para que meu filho se for médico, não
tenha que ouvir estas palavras tão dolorosas...
Uma das maneiras que
encontrei foi esta, divulgar um pouco mais o que eu penso. A outra e mais
importante é prestar cada vez mais atenção para que eu não trate as pessoas,
família, amigos, colegas e pacientes como substituíveis.
E gastar menos, prestar
atenção quando for comprar, ensinar aos filhos que eles têm que SER e não TER!
Qual a vida e a sociedade que queremos deixar
para nossos filhos? Queremos que eles trabalhem até às 3 da manhã por que eles
aprenderam que eles PRECISAM de um carro novo? Se eles se tornarem médicos,
gostaríamos que eles atendessem 100 pacientes dia a 20 reais a consulta? É o
que vai acontecer se fingirmos que está tudo bem. Se não brigarmos agora por
eles, se cada um de nós não tomar um pouco de consciência hoje, nossos filhos
sofrerão no futuro. Serão mais substituíveis do que nós fomos, ganharão menos
por uma consulta, trabalharão muito mais do que já trabalhamos, e serão mais
infelizes.
Um dos motivos por que
parei de atender os convênios foi por que não aguentava mais não saberem o meu
nome (meu nome era aquela médica lá do fundo do corredor...). Outro motivo foi
pelos meus filhos.
Muitos vão pensar, ah eu
não consigo... mas minha especialidade não é assim... Mentira! Todos conseguem,
não de repente, não sem certo sacrifício pessoal, inicio de agendas vazias,
sensação de abandono. Mas um paciente particular por dia é igual financeiramente
a quantas consultas convênio? E qual é o valor inestimável deste paciente saber
o seu nome e falar que veio indicado por alguém, procurando por você e nenhum
outro? Não tem preço e não dá para comprar com Mastercard!
Se você já for um
milionário ou morar na Islândia talvez o que discuti não tenha nada a ver com a
sua vida. Do contrário pare pelo menos 5 minutos para pensar e discutir este
assunto e talvez tomar uma atitude, pequena que seja. Talvez você concorde
comigo, talvez não, mas o que importa é que parou e pensou. E quando pensamos
não fazemos mais parte da manada nem agimos por impulso.
Começamos a nos tornar
Humanos e Insubstituíveis!
Obrigada, Ricardo, por mais este "alerta"... Precisamos a cada momento, nos vigiarmos com mais "atenção" e estarmos "conscientes" de nossos propósitos... Vera Neisser
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