Amanhecer
Amanhecer:
o mais antigo
sinal
de vida sobre a Terra.
Amanhecer:
ainda o mais novo
sinal
de vida sobre a Terra.
Amanhecer
e vida humana
se
entrelaçam na mesma luz.
Carlos Drummond de Andrade
Todo ano, cada pessoa,
tem pelo menos dois natais. Natal (adjetivo) é tudo o que se relaciona ao nascimento. O dia do aniversário é o dia de natal pessoal, em
que cada um comemora o momento em que nasceu no planeta terra. Acho curioso, o
momento em que as crianças descobrem que o dia do mês de seu aniversário é o
mesmo dia em que nasceram. Pode parecer estranho, mas faça a experiência, veja
como é comum crianças não terem isso de forma clara. O outro Natal (substantivo)
é data simbólica do nascimento de Jesus, referência moral para a raça humana, que Bach tão bem musicou e em quem o mistério do Cristo se manifestou e sobre o amor nos ensinou.
Assim, no dia de nosso
aniversário, ou natal pessoal, recebemos presentes em comemoração a mais um ano
de vida. Mas porque damos e recebemos presentes no Natal, festa do nascimento
de Jesus? Acredito que seja porque as conquistas de qualquer ser humano que
nasce neste planeta são conquistas que pertencem a toda a humanidade. Tudo o
que conseguirmos melhorar em nós mesmos, influencia todas as outras pessoas que
vivem no planeta, e de certa forma nos eterniza como raça em desenvolvimento.
Assim, o dia 25 de dezembro simboliza um salto evolutivo fundamental na história
humana, um despertar que nos impulsiona na direção do Ser.
O filósofo, reformador
social e arquiteto austríaco Rudolf Steiner, retrata em sua obra “O
representante da humanidade” (vide abaixo) a figura do homem saudável. Nela, a
figura de Jesus Cristo afasta com suas mãos dois seres, com a mão de cima o
representante dos poderes desintegradores da humanidade e com a mão de baixo o
representante dos poderes cristalizadores da humanidade. Na altura de seu coração,
a figura do anjo Rafael, nome de origem hebraica que significa “Deus cura” ou “curado
por Deus”. Elo entre o divino e o humano, Jesus, representante do homem são, é para
toda a humanidade, sem exceção, o presente dos céus que aponta para a saúde plena
e sua preservação.
O representante da humanidade |
Quando damos presentes no
Natal, estamos presenteando o “Jesus” que está nascendo ou que habita no
interior da pessoa, no sentido de lembrar que o mistério da vida em sua
brevidade pode florescer e se eternizar quando nos alinhamos aos desígnios maiores,
território do desconhecido. Em suma, no natal pessoal (aniversário) presente
para o corpo, no Natal de Jesus presente para o espírito.
Alguns amigos meus dizem
que não é certo que Jesus nasceu neste dia e que por isso não comemoram o
natal. Entretanto, a questão aqui é um pouco mais sutil, sendo o simbolismo da
data soberano em relação à sua precisão no que diz respeito ao calendário
humano. Presos ao determinismo dos fatos, não se permitem vivenciar o milagre
da epifania, apreensão intuitiva da realidade por meio de algo simples e
inesperado. De fato, o Natal enquanto festa do nascimento de Jesus, vem sendo
celebrado no dia 25 de dezembro desde o século IV pela igreja do ocidente e
desde o século V pela igreja do oriente. Acho que a passagem abaixo responde bem
a esta dicotomia:
Um homem sussurrou: Deus fale comigo.
E um rouxinol começou a cantar
Mas o homem não ouviu.
Então o homem repetiu:
Deus fale comigo!
E um trovão ecoou nos céus
Mas o homem foi incapaz de ouvir.
O Homem olhou em volta e disse:
Deus deixe-me vê-lo
E uma estrela brilhou no céu
Mas o homem não a notou.
O homem começou a gritar:
Deus mostre-me um milagre
E uma criança nasceu
Mas o homem não sentiu o pulsar da
vida.
Então o homem começou a chorar e a se
desesperar:
Deus toque-me e deixe-me sentir que
você está aqui comigo...
E uma borboleta pousou suavemente
Em seu ombro
O homem espantou a borboleta com a
mão e desiludido
Continuou o seu caminho triste,
sozinho e com medo.
Finalmente lhe pergunto:
você já viu festa de aniversário para pessoas que morreram? Comemorar o Natal é
justamente lembrar o mistério do nascimento d’Aquele que permanece e aponta o
caminho para a plenitude.
Para quem pensa
diferente, note que a respiração tem dois movimentos, um para dentro e outro
para fora. Para dentro o ar é preso e para fora é solto. A vida é pulsação e
querer compreender (inspirar) sem se desprender (expirar) é se fechar para o
milagre das possibilidades; é acreditar que a evolução termina no humano e que
o divino é o sonho dos insanos.
Para aqueles que ainda
conseguem vislumbrar o divino que habita o humano, Pina Bausch nos presenteia
com a “Dança dos espíritos abençoados”, fragmento da Ópera Orfeu e Eurídice
(abaixo). Vale observar a semelhança da história de Orfeu em sua tentativa
fracassada de resgatar sua amada Eurídice das garras do submundo, pois não é
disso que se trata a história do Cristo em relação à humanidade?
Se tudo correr
bem,
neste Natal
estarei em Belém,
levo em meu
coração os que lá gostariam de estar também.
Bom Natal!