Dr. Ricardo
Como um tsunami, todos os cantos, dos mais recônditos do país, estão
sendo invadidos por milhares e milhares de pessoas, com ou sem carros, motos ou
bicicletas ou à pé, empunhando cartões e mais cartões de crédito, ou cheques
avulsos ou especiais, bem como, em muitos casos, dinheiro vivo, em busca do
presente para aquinhoar seus namorados, namoradas, ou aqueles, considerados
eternos (as), como costumam considerar os mais velhos e já casados, por pouco
ou muito tempo.
Para isso, felizmente foram mobilizados todos os recursos de
propaganda, publicidade e merchandising anunciando nos diversos meios de
comunicação os mais variados tipos de presentes, em ofertas e mais ofertas que
dizem: imperdíveis, em razão de seus preços promocionais, que incluem
pagamentos em parcelas a perder de vista.
É o que se pode chamar de “a Farra do Boi”, tamanha a sua adesão às
comemorações ao já cultuado Dia dos Namorados e sua idolatria à compra de presentes,
sejam estes meras bugigangas oferecidas pelos shoppings populares a céu aberto,
ou refinados e sofisticados adereços para os chamados homens e mulheres “diferenciados”,
encontráveis em shopping-centers das grandes cidades, ou mesmo em revendedores
de carros.
Assim, ninguém está imune de comprar, comemorar e depois mostrar e
alardear às escâncaras o que comprou ou o que ganhou. Afinal, todos querem ser
mimoseados na data e, por outro lado, todos querem ser denodados por seu carinho
e bom gosto e, obviamente, por seu quinhão de bolso farto, ainda que,
sub-repticiamente esteja encalacrado em mais um rombo em seu orçamento cujo
estofo já se mostrava em dívidas.
Mas, o que fazer? É preciso comprar, mostrar, agradar e mais ainda,
ser tido como generoso (a) e ter sua autoestima em franca ascendência, pelo
menos, no Dia dos Namorados.
Infelizmente tudo isso é muito ilusório, passageiro, e sem
dignificação ou significação, a não ser um mero e grande embuste que serve
apenas a quem o promove e se beneficia com esta imensa festa promocional de vendas,
como tantas outras que já passaram e ainda estão por vir neste fim de ano.
E mais, se aparenta a um bullying aos sentimentos que envolvem o
namoro, e seu doce partilhar, como alegria, entusiasmo, deslumbre, medo,
ansiedade e muitos outros que afloram na oportunidade.
É conveniente saber que namoro e sua homenagem estão longe disso
tudo, a começar pelos seus principais enfoques: a surpresa, a empatia, o
alumbramento, bem como deslumbramento, a vontade de estar junto com o outro,
desfrutar de seu olhar penetrante, prazeroso, e cujo entrelace de mãos e
abraços, concluídos num roubar de beijo furtivo, mas de todo modo consentido, nos
deixa sempiternamente nas nuvens e, sempre a querer que ele seja duradouro,
infinito, ainda que passageiro e fugaz.
“Meu coração, não sei por quê
Bate feliz quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo
...
(Carinhoso, Pixinguinha)
Convém sempre ter em mente que a primeira namorada (o), “a gente
nunca esquece”, uma vez que ele (a) se fixa na memória e, vez ou outra, é
lembrada – sim - como um instante passageiro em nossas vidas, mas também como
um marco de plenitude partilhada, emocional, física e etérea.
“Minha amada, mais amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer”
(Minha Namorada, Vinícius de Moraes)
ou
...
“Eu sem você
Sou só desamor
Um barco sem mar
Um campo sem flor
Tristeza que vai
Tristeza que vem
Sem você meu amor, eu não sou ninguém.”
(Samba em Prelúdio, Vinícius de Moraes)
Mas, pra que desesperar, entrar em tristeza sem fim. Não carece,
não! Tome para si as verdades de Guimarães Rosa:
“Nem adeus e nem conselho
buriti não quis me dar:
quando um amor vai morrendo
tem outro amor por chegar…”
Praza aos céus “os namorados”: deles é o reino da réstea de
vitalidade em felicidade pulsante, mas sempiterna, que emoldura e nos envolve
neste nosso Planeta, tal como, sintetizado nos versos:
“Se eu pudesse, por um dia
Esse amor, essa alegria
Eu te juro, te daria
Se pudesse esse amor todo dia
Chega perto, vem sem medo
Chega mais meu coração
Vem ouvir esse segredo
Escondido num choro canção”
(Falando de amor, Tom Jobim)
Etéreo, sadio, e de certo modo abstrato e talvez único, namoro e seus sujeitos são o que são, não precisam de documentos,
como RG, CPF, CEP, PIS e tantos outros que nos cercam à identificação. Ele se
basta a si próprio para individualizar-se e marcar presença
Abraços do Mário Inglesi.