terça-feira, 25 de março de 2014

DUAS VISÕES SOBRE UM ASSUNTO - SAÚDE E CULTURA

Duas visões sobre um mesmo assunto por dois humanos geniais: Erich Fromm e Josué de Castro. Mas qual texto pertence a qual autor?



Com efeito, a cultura não exerce somente uma influência benéfica, como também prejudicial, em nossas funções morais e intelectuais. Os seres humanos dependem e precisam uns dos outros. Mas a história humana até agora só tem sido influenciada por um único fato: a produção material não foi suficiente para satisfazer as necessidades genuínas de todos os homens. A mesa foi posta apenas para uns poucos dos muitos que a ela queriam sentar-se e comer. Os mais fortes trataram de conseguir lugares para si mesmos, implicando isso terem de evitar que outros obtivessem assento à mesa. Se eles tivessem amado a seus irmãos tanto quanto foi preconizado por Buda, pelos Profetas ou por Jesus, teriam partilhado seu pão ao invés de comerem carne e beberem vinho sem eles. Acontece, todavia, que sendo o amor a mais elevada e mais árdua conquista da raça humana, não é desdouro para o homem o fato dos que puderam sentar-se à mesa e desfrutar as coisas boas da vida não terem querido dividi-las, e portanto se viram compelidos a alcançar poder sobre os cobiçosos de seus privilégios. Este poder foi amiúde o poder do conquistador, o poder físico que obrigava a maioria a satisfazer-se com seu quinhão. Mas o poder físico nem sempre foi possível ou suficiente. Tinha-se de dispor de poder sobre os espíritos das pessoas a fim de impedi-las de usarem seus punhos. Este poder sobre a mente e o sentimento foi um elemento necessário para a manutenção dos privilégios da minoria. Neste processo, entretanto, os espíritos dos poucos foram deturpados tanto quanto os dos muitos. O guarda que vigia um prisioneiro torna-se quase tão prisioneiro quanto este. A “elite”, obrigada a controlar os não “escolhidos”, tornou-se prisioneira de suas próprias tendências restritivas. Assim, o espírito humano, tanto dos dominadores quanto dos dominados, desvia-se de sua finalidade humana essencial, a de pensar e sentir humanamente, utilizar e ampliar as faculdades de raciocínio e de amor, inerentes ao homem e sem cujo desenvolvimento total ele se torna inválido.
Neste processo de desvio e deformação, o caráter do homem se deturpa. Objetivos opostos aos interesses do verdadeiro eu humano passam a ser preponderantes. Seu potencial de amor se empobrece e ele é impelido a desejar poder sobre os outros. Sua segurança interior diminui e ele é levado a procurar compensação por uma sede insaciável de fama e prestígio. Ele perde o senso de dignidade e é forçado a converter-se em uma mercadoria, indo buscar o respeito próprio em sua “vendabilidade”, em seu sucesso. Tudo isso contribui para o fato de aprendermos não só o que é verdadeiro, mas também o que é falso. E de ouvirmos não só o que é bom, mas nos acharmos constantemente sob a influência de ideias nocivas à vida.
Isto se aplica a uma tribo primitiva onde leis e costumes rigorosos influem na mente, mas também se aplica à sociedade moderna com sua alegada libertação do ritualismo rígido. De muitas maneiras, a alfabetização e o aumento dos meios de comunicação em massa tornaram a influência dos chavões culturais tão eficaz quanto em uma cultura tribal pequena grandemente restrita. O homem moderno está exposto a um “barulho” quase incessante, o barulho do rádio, da televisão, dos cabeçalhos dos jornais, dos anúncios, ou filmes, cuja maioria não instrui nossos espíritos, mas sim os embota. Estamos expostos a mentiras racionalizadas disfarçadas de verdades, a absurdos fantasiados de bom-senso ou de maior sabedoria do especialista, a conversas hipócritas, a preguiça intelectual ou desonestidade, falando em nome da “honra” ou do “realismo”, conforme o caso. Sentimo-nos superiores às superstições de gerações de antanho e das chamadas culturas primitivas, e somos constantemente martelados pela mesmíssima espécie de crenças supersticiosas que se proclamam a si mesmas como os últimos descobrimentos da ciência. É de surpreender, então, que acordar não seja apenas uma benção, como também uma maldição? É de surpreender que adormecidos, quando a sós conosco mesmos, quando podemos olhar-nos sem ser incomodados pelo barulho e pelas tolices que nos cercam durante o dia, sejamos mais capazes de sentir e pensar nossos sentimentos e pensamentos mais valiosos e mais autênticos?

Certamente, em alguns trechos deste livro o leitor poderá sentir certa paixão nas palavras do autor, mas é a paixão pela verdade, que é a poesia da ciência. Paixão pelos problemas humanos em sua totalidade e em sua universalidade. O fato de o autor fazer uso, em alguns trechos, de tintas um tanto negras deve ser considerado pelo leitor uma consequência inevitável de ter sido este livro – documentário de uma era de calamidades – pensado e escrito sob a influência psicológica da pesada atmosfera que o mundo vem respirando nos últimos quinze anos. Atmosfera contaminada pela corrupção, pela frustração e pelo medo e abafada pela fumaceira das bombas e dos canhões, pela pressão das censuras de toda ordem, pelos gritos e clamores das vítimas da guerra e pelos gemidos surdos dos aniquilados pela fome.
Acreditamos que já é tempo de precisar bem nosso conceito de fome – conceito demasiado extenso e, portanto, suscetível de confusões. O nosso objetivo é analisar o fenômeno da fome coletiva – da fome que atinge endêmica ou epidemicamente grandes massas humanas. Não só a fome total, a verdadeira inanição, que os povos de língua inglesa chamam starvation, fenômeno em geral limitado às áreas de extrema miséria e contingências excepcionais, como o fenômeno muito mais frequente e mais grave, em suas consequências numéricas, a chamada fome oculta, na qual, pela falta de determinados princípios nutritivos indispensáveis à vida, grupos inteiros de população se deixam morrer lentamente de fome, apesar de comerem todos os dias.
É principalmente o estudo dessas fomes parciais, dessas fomes específicas, identificadas pela ciência moderna em sua infinita variedade através do mundo inteiro, que constitui o objetivo de nossos trabalhos. Verifica-se pois que o nosso conceito de fome abrange desde as deficiências latentes e as carências alimentares rotuladas normalmente como estado de subnutrição e desnutrição, até os estados de inanição absoluta.
... as possibilidades que tivemos de entrar em contato com renomados especialistas em sucessivas conferências mundiais da F.A.O. (Food and Agriculture Organization of the United Nations) e as visitas que levamos a efeito em três diferentes continentes, recolhendo informações de toda ordem acerca do problema da fome, forneceram as bases da documentação científica deste nosso ensaio.

Fontes:
Erich Fromm – A Linguagem Esquecida 3ª ed.

Josué de Castro – Geopolítica da Fome – Vol.1 8ª ed.

quinta-feira, 20 de março de 2014

POESIA PREMIADA

Detalhes que fortalecem a relação médico-paciente: descoberto em consulta em certo centro de reabilitação, o menino em questão, 14 anos, recebera menção honrosa em concurso com a seguinte poesia:



SE FOR...
Se for para chorar
Um dia que seja
De alegria, aí sim
Choraria todo dia!

Se for para matar
Que seja a saudade
Sem maldade
Sai pra lá insanidade...

Se for para mentir
Antes seja a idade
Sempre a verdade
Mesmo originando a saudade

Saudade de um dia,
Um dia de alegria
Que há muito tempo
O mundo todo não via!
Matheus Fortunato Bonifácio


Obrigado pela partilha Matheus!

SUGESTÃO DE EVENTO


sexta-feira, 14 de março de 2014

ANO NOVO – TUDO “NOVO”





            Aqui é assim, começa agora, mesmo já tendo começado outrora. Pelicanos e Tucanos sobrevoam esplendorosamente os céus da conivência, da convivência e sem sombras de dúvida, da conveniência; voo cego no escuro, longe da consciência. É um hábito, apesar de fato o hábito não mais estar fazendo o monge, nem de longe. Muita pizza para todos, para o glutão, sem glúten... Porque todo mundo faz, então a regra está feita? De regra para guerra, quase palíndromos, é um “u” a mais e um pequeno ajuste de letras. Para o síndico Tim Maia é um vale tudo. A Suprema pergunta parece ser: “Pagando bem que mal tem?”. Seja lá ou cá essa louca, vai valendo o funk: “Tá dominado, tá tudo dominado”.

            Mesmo Salomão, rei, foi advertido em cerca 1004 a.C. quanto aos cuidados com o templo – 2 Crônicas 7:19-22 – “Porém se vos desviardes, e deixardes os meus estatutos e os meus mandamentos, que vos tenho proposto, e fordes, e servirdes a outros deuses, e vos prostrardes a eles, então arrancarei a Israel da minha terra que lhes dei, e lançarei da minha presença esta casa que consagrei ao meu nome, e farei com que seja por provérbio e motejo entre todos os povos. E desta casa, que é tão exaltada, qualquer que passar por ela se espantará, e perguntará: Por que fez o Senhor assim com esta terra e com esta casa? E lhe responderão: Porque deixaram ao Senhor Deus de seus pais, que os tirou da terra do Egito, e se apegaram a outros deuses, e se prostraram a eles, e os serviram; por isso ele trouxe sobre eles todo este mal.”



            Copo meio cheio ou meio vazio é a marca do otimismo ou pessimismo de cada um... Variações no olhar o mundo e a vida. Importante estar consciente da lente que filtra o olhar. Se conhecer é diminuir as chances de causar mal estar, é falar a linguagem familiar ao outro para que a troca e a comunicação sejam plenas.



“Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro esquecem o presente de forma que acabam por não viver nem no presente nem no futuro. E vivem como se nunca fossem morrer... e morrem como se nunca tivessem vivido.”

 Dalai Lama



            Passado o recesso trimestral do gigante adormecido, ano novo se aproxima. Sim, pois há um que começa na terra em janeiro, mas outro supremo apontado nos céus, observado em perspectiva geocêntrica – desde o fogo gerador de Áries à água caótica primordial de Peixes o ano presente, para muitos 2014, nasce 20/03 às 13:45.

            Creio que este desencontro de momentos entre céu e terra mostra com clareza a tensão e o afastamento entre nossas naturezas humana terrena e sobre-humana residente no céu escuro iluminado. Mesmo um de nós cujo radicalismo no viver excede o dos demais vivencia este par com surpresa:



“Duas coisas enchem o ânimo de crescente admiração e respeito, veneração sempre renovada quanto com mais frequência e aplicação delas se ocupa a reflexão: por sobre mim o céu estrelado; em mim a lei moral. Ambas essas coisas não tenho necessidade de buscá-las e simplesmente supô-las como se fossem envoltas de obscuridade ou se encontrassem no domínio do transcendente, fora do meu horizonte; vejo-as diante de mim, coadunando-as de imediato com a CONSCIÊNCIA de minha existência.”

I. Kant – Crítica da Razão Prática



            Na Gramática astrológica, forma fisiológica de aproximação aos céus, o Sol de Janeiro (Capricórnio) está em quadratura (900) com o Sol de Março (Áries), simbólica luta de Titãs, Ares e Cronos, também Marte e Saturno, representantes das forças antagônicas que acompanham o humano em solitário recordar enquanto palmilha os campos do Senhor... Quadratura é tensão e pede adaptação, veja em: "Maus" aspectos em astrologia



            Sobre o ano que findou, o que você fez de realmente importante em sua vida? Fosse 2013 o último ano de sua vida, teria feito tudo o que gostaria? Viveu dando o melhor de si nas relações de forma que agora se sente leve para iniciar um novo ano?






            Trabalho e estudos foram motivos de sofrimento ou alegria? Trabalhar e descansar, inspirar e expirar, dois lados da moeda, sem o que a vida não passa, pesa, para você e para os que estão ao seu lado. A incapacidade de parar pode ser sintoma de que algo não vai bem! Genial nesse sentido o artigo proposto pelo Rabino Nilton Bonder “Os domingos precisam de feriados”, veja na internet. Nas palavras dele: “Quem ganha tempo, por definição, perde. Quem mata tempo, fere-se mortalmente. É este o grande "radical livre" que envelhece nossa alegria - o sonho de fazer do tempo uma mercadoria.”

         Os excessos são esconderijos discretos: não enfrentar problemas alheios ao trabalho, não enfrentar problemas familiares, não enfrentar problemas pessoais sérios. Fuga do possível vazio da vida improdutiva que há muito se tornou apenas reprodutiva e raramente produtiva. Ter mais brilho, subir mais alto, mais luxo, pilotar um foguete, pode ser, mas para que mesmo?

            Uma rota de fuga rápida e simples de não pensar nisso está nos hábitos e consumo de substâncias e viagens que anestesiam a consciência. Consciência que deve justamente ser preparada para suprir as deficiências do ano que passou.


                                   

            Ano do Cavalo segundo a tradição oriental e de Júpiter conforme a tradição astrológica, convite a refletir sobre a natureza animal que reside na humanidade. Lembre-se que a constelação de Sagitário, cujo regente é Júpiter (maior planeta do sistema solar), é representada por um ser de natureza dupla – meio cavalo meio homem que aponta uma flecha ao alto.



        Escolherei viver minha natureza animal, que se mostra no cavalo selvagem e na parte inferior do Sagitário ou ainda na fúria de Zeus (Júpiter); ou buscarei entre os “animais” e animalizados me erguer a exemplo dos reais cavalos alados (animais de coração puro) e na parte superior do soberano do Olimpo ou do arqueiro Sagitário, tão bem descrito por Eugen Herrigel no livro “A arte cavalheiresca do arqueiro Zen”?




            Este breve ciclo (2014) promete oportunidade ímpar de escolha entre responder conforme sua natureza animal ou montar (domar) sua natureza animal (desejos e emoções) em busca do estado hominal (reger a vontade). Então, o fundamento prático de 2014 pode ser: o animal deve servir ao hominal, o hominal deve cuidar do animal.



CREAR E CRIAR (Segundo Huberto Rohden)

            A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior, porque deturpa o pensamento.

Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a transição de uma existência para outra existência. O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado. Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores.

A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa. Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer convenções acadêmicas.



Segundo Rohden, a graça independe do mérito. Quando vamos à feira levamos a sacola para colocar as frutas dentro – as frutas são uma graça que hoje não saem de graça! Para receber a graça é preciso tornar consciente aquela parte da natureza humana hoje pouco discutida na maioria das instituições de ensino. Refiro-me àquela parte que os raios-X da tomografia, a ressonância magnética e o exame de sangue até hoje ainda não aferem e que o Pequeno Príncipe já advertia ser invisível:



"Eis o meu segredo, é muito simples: Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos."



Planetas - Tamanhos relativos


De fato, nos é invisível a graça concedida à Terra por Júpiter enquanto guardião gravitacional que atrai para si grande parte de corpos celestes potencialmente prejudiciais à vida em nosso planeta. Isso, porém ainda está ao alcance dos telescópios e da ciência convencional; simbolicamente, portanto em uma dimensão arquetípica, ele representa a graça da misericórdia, antídoto ao rigor de seu “Pai” mitológico, Saturno, amenizando ou abençoando a caminhada árdua com aquilo que os antigos nomearam sorte. Um ano de ação e de sorte sucede um ano de morte a todo forte em busca do norte, desde que em seu peito um coração porte. Intelecto sem coração é mula sem cabeça e ciência sem consciência. Conforme Cristo Jesus: “O que mata o homem não é o que entra pela boca, mas o que sai da boca; porque a boca fala daquilo que o coração está cheio”.

Sol e Planetas




            Para pensar em 2014, somente de passagem, quem é você aqui?

“Somente de Passagem”

            “Um turista chega à cidade do Cairo, com o objetivo de visitar um famoso sábio. E fica muito surpreso, quando ao encontrá-lo, vê que este mora em um quartinho muito simples e cheio de livros. As únicas peças de mobília são uma cama, uma mesa e um banco.

Onde estão os seus móveis? – pergunta o turista.

E o sábio, bem depressa, pergunta também:

E os seus, onde estão?

Os meus?! – surpreende-se o turista. – Mas eu estou aqui só de passagem.

- Eu também... - conclui o sábio.”


domingo, 2 de março de 2014

CARNAVAL



Dr. Ricardo



CARNAVAL

Ó abre alas
Que eu quero passar
Ó abre alas
Que eu quero passar
Eu sou da Lira
Não posso negar
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

(Chiquinha Gonzaga; Abre Alas)

Eu quero é botar meu botar me bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
(Sérgio Sampaio: Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua)

Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar
Ô, ô, sambar, iêié, sambar
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
(Assis Valente : Brasil Pandeiro)


Não é intencional. Faltou-me outro assunto. O Carnaval, realmente, nesta época, tem primazia sobre todas as matérias, importantes ou não. É a maior festa popular multimídia brasileira, queiram ou não todos os falantes em contrário. E mais, se “Deus é Brasileiro”, como afirmam, Ele obviamente consagra a festividade e conclama a todos a participarem do evento, num congraçamento sem precedentes na história do País. Um misto interativo de corpos em alegria, canto e cadência de samba, num bloco único e maciço de povo, sejam quais forem suas diversidades específicas de raça, cor, situação econômica ou política. O primado maior da festa é diversão alegre e sadia, uníssona de todos os participantes, nas ruas com seus blocos; no sambódromo, na visão da magia do deslumbre de luz, sons e cores, nas ladeiras com os bonecos gigantes em Recife, na Bahia correndo atrás do trio elétrico, em busca de uma felicidade de inteireza suprema, ainda que como diz o poeta Vinicius de Moraes:

“Tristeza não tem fim
Felicidade sim.
. . . . . . . . . . . . . . . . .. .. . . . . .

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira”

Alegam os mal pensantes que a festa traveste-se unicamente do prazer da carne, como aliás foi conclamada em sua origem. Mas se isto for – e daí? – a alegria e a felicidade suplantam qualquer idiossincrasia. O que vige é, na realidade, o “abrassaço“ de todo um povo, num ritual comum de desprendimento, manifesto em favor de uma única tese: foliar, esquecendo as agruras do dia-a-dia e seus problemas desgastantes e, em sua maioria, insondáveis e insolúveis. Fugindo da solidão, do confinamento das grandes cidades, do  estresse, cercados de medos, obsessões, tensões, desgastes, em busca quiçá da vitalidade perdida em todo esse emaranhado de condições e condutas asfixiantes programadas e incutidas como, proceder e guiar a vida em uma só direção, sem pecados ou pecadilhos, ou remorsos e culpas inúteis.
Afinal, é preciso ter em mente, como cantarola Chico Buarque

Não existe pecado do lado de baixo do Equador
Vamos fazer um pecado rasgado, suado a todo vapor

Me deixa ser teu escracho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu sou professor.

Poder-se-ia, ainda que mal se compare, referir-se ao “reino dos céus”, onde a paz e a harmonia vigoram numa alegria sem precedentes, num movimentar de corpos, num cantar desbragado e num olhar de brilho intenso neste nosso planeta terra, onde muito pouco ou quase nada nos é oferecido, além de males sufragados por uma vida assaz medíocre, sem muitas perspectivas de diversão, sonhos e devaneios e esperanças fugazes.
Convenhamos, novamente como Chico Buarque em Sonho de Um Carnaval:

Carnaval, desengano
Deixei a dor em casa me esperando
E brinquei e gritei e fui vestido de rei
Quarta-feira sempre desce o pano

Mas, esse desengano fugaz manifesta-se como um insólito desejo de felicidade:

Era uma canção, um só cordão
E uma vontade
De tomar a mão
De cada irmão pela cidade

No carnaval, esperança
Que gente longe viva na lembrança
Que gente triste possa entrar na dança
Que gente grande saiba ser criança

Afinal voltando a Vinícius de Moraes, em sua Marcha da Quarta de Cinzas :

E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade

A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida
Feliz a cantar

Nesse cantar, “Canta, Canta Mais, diz Tom Jobim

Canta,
Quem canta o mal espanta
Vai sempre cantando mais, mais
Canta pra não chorar
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .


Canta, canta
Sente a beleza
Canta, canta
Esquece a tristeza
Tanta, tanta
Tanta tristeza
Canta

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Canta, canta
Canta vai, vai
Segue cantando em paz
Canta, canta
Canta mais

Canta.

Como se apercebe, cantar, dançar, minha gente, neste ou em outros carnavais, seja de que modo, canto e lugar forem, é, deixar a “tristeza pra lá”, prediz Martinho da Vila, em seu Canta, Canta, Minha Gente.
Assim, o afastar os problemas, deixar a tristeza e colher a esperança, ainda que, em apenas alguns dias, é recobrar as forças, esquecer as agruras do dia-a-dia, é sonhar. É também e, mais ainda, recuperar o encanto do viver em saudável bem-estar: Carnaval também é nimiamente “Saúde”, vitalidade, vislumbre de uma sociedade irmanada num só objetivo de conquista de felicidade harmônica e interativa
Desse modo, é cantarolar, em alto e bom som:

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
“Vou partir não sei se voltarei…
Tu não me queiras mal
Hoje é carnaval…”

(Nelson Cavaquinho: Vou Partir)

“Um bom samba é forma de oração, na Paz do Senhor
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
E como levei minha vida cantando, na paz do Senhor
Eu deixo o meu canto pra população, na paz do Senhor”

(Candeias: Testamento de Partideiro)

Em síntese, podemos dizer, no recôndito do silêncio, ou no auge da alegria altissonante :
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
“Quem não gosta de samba bom sujeito não é
É ruim da cabeça ou doente do pé
Eu nasci com o samba no samba me criei
e do danado do samba nunca me separei”

(Dorival Caymmi: Samba da Minha Terra)

Se isso é tido como verdade, é também preciso convir que Carnaval não é só samba. É também frevo, maracatu e outras riquezas  folclóricas adjudicadas em favor do brilho do Carnaval e sua alegria.

Ao amigo doutor, saudações momísticas, deste longevo folião-avô - neste tríduo carnavalesco que se aproxima.

Mário Inglesi